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O trem da Central do Brasil

 
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O trem da Central do Brasil
 
Vou-me embora nesse trem
Vou-me embora nessa sina
Vou prá casa na Vintém
Ver Menina, minha mina.

Cantando e assobiando
Um sambinha popular.
Vou dormindo, cochilando
Prá não ver tempo passar.

Vou sonhando com o mundo
Esperando prá mudar.
Vou fazer uma fezinha,
No cachorro apostar.

Lá vem vindo o camelô
Anunciando com ardor,
Agulha, linha, tem senhor!
Carretel e pregador.

Meu sapato já furou,
A Menina reclamou
Pediu um desentupidor
Pois a pia transbordou.

Psiu, Psiu! Ô camelô!
Vem na mão com abridor.
Tem dedal, tem sim Senhor.

Tem elástico e varal.
Que retira do avental
Vai girando o seu jirau.

Quero um desentupidor, ô camelô,
Minha pia entornou.
Tenho só cinco mil réis,
Não me serve um abridor.

Tem biscoito, tem pastilha,
Mirabel e simpatia.
Agradeço a serventia
Do guri com anemia.

Vou-me embora nesse trem
No constante vai-e-vem
Cochilar um pouco mais
Sem pender para o rapaz.

Vou-me embora nesse trem
Que não chega na Vintém.
Amanhã de novo tem
Jornaleiro, pipoqueiro
Esmoleiro tem também.

Tem o primeiro vagão
Com pastor dando sermão.
Cozinheira cantadeira
Com a Bíblia na mão.

Tem irmão falando grosso
Ex-bandido agora moço.
Todos cantam uma canção
No meio da oração.

Vou chegando na Central
Cumprimento o Juvenal
Moleque trabalhador
Vendedor e lutador,
Anunciando o jornal.

Já dizia minha avó,
Quem não estuda até dá dó.
Vou prestar vestibular.
Este ano vou passar.
Medicina, nem pensar.

O patrão tem que ajudar.
Pode ser demagogia
Mas eu vou aproveitar.

Vou-me embora deste trem.
Oh, Menina, cá cheguei
Sem nenhum, nenhum vintém.

Camelô não ajudou
Só achei um abridor.
Mas trouxe algumas rosas,
Lá do Zé, o vendedor.
Toma Menina o meu favor,
É uma lembrança com amor.

Vou-me embora da Vintém
Desta vez não vou de trem
Vou de táxi amarelo
Prá Rocinha, bem além.

Vou pagar o armazém,
O padeiro, o verdureiro,
O sacolão e o floreiro.

Deu cachorro na cabeça,
O sermão me ajudou.
O bicheiro me pagou.
Prá Zona Sul agora vou.

Juvenal me balançou
Do sonho me resgatou
Levanta homem que chegou.

Vamos logo desse trem,
Já chegamos na Vintém!
Vou ver Menina, minha mina
Que seu beijo me fascina.

Cheiro de alho me alucina.
Amanhã é sexta-feira
Vou no forró da saideira
Com Menina lá na feira.

Vou-me embora desse trem
Só quando for para o além.


Gideon Marinho Gonçalves


 
Autor
Gideon
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Data
Leituras
2005
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