Poemas : 

PARA ALEXANDRE O'NEILL

 
"Mas sofre de ternura, bebe demais e ri-se
do que neste soneto sobre si mesmo disse..."

- Alexandre O'Neill, Auto-Retrato -


também bebo demais e rio-me
das penas deste purgatório - não o de torga -
que construí para mim mesmo
tenho sonhos terríveis talvez em decorrência do álcool
sonho sonhos de necrotério
ainda ontem alexandre vi meu corpo nu
deitado na morgue
acordei suando frio
fui até à janela e olhei para o céu
havia uma gorda lua cheia debochando de mim
pela manhã tive a certeza de que ainda estava vivo
olhei meu rosto no espelho
e reparei que os meus olhos estavam mais tristes
do que de costume
a puta da minha vida tem disso
as mulheres me roubam a consciência de homem
nessas horas queria ser o poodle branco da minha vizinha
come bebe ignora o tempo e ainda vive cercado de mimos
esta vida do caralho vive a nos dar bananas
agora dei de beber pela manhã
gosto do desprezo com que me olham no bar
o sofrimento pra mim é um vício que não vou largar nunca
escrevo meia dúzia de poemas e me dou por satisfeito
tenho a capacidade de morrer quando quero
mas o porteiro do prédio onde moro não sabe disso
e vive dizendo aos outros que eu sou louco
de vez em quando até sou
sempre quando converso comigo acabo em discussão
desculpe se este poema é ruim
qualquer dia lhe faço outro
com cinco doses na cabeça é impossível fazer melhor
até breve
___________________

júlio, 8-09-09



Júlio Saraiva

 
Autor
Julio Saraiva
 
Texto
Data
Leituras
2085
Favoritos
0
Licença
Esta obra está protegida pela licença Creative Commons
40 pontos
40
0
0
Os comentários são de propriedade de seus respectivos autores. Não somos responsáveis pelo seu conteúdo.

Enviado por Tópico
miriade
Publicado: 08/09/2009 05:59  Atualizado: 08/09/2009 05:59
Colaborador
Usuário desde: 28/01/2009
Localidade: Brasil
Mensagens: 2171
 Re: PARA ALEXANDRE O'NEILL
Ebaaa, esse foi ótimo pra ir tentar dormir...esse é portugues com certeza, nada de doido ele tinha,esperto e gozador da vida.Muito bem escolhido esse autoretrato.Será se tem algo de semelhante? ...rsrs
beijocarinhoso, Lu

Boa noite









Enviado por Tópico
Xavier_Zarco
Publicado: 08/09/2009 08:46  Atualizado: 08/09/2009 08:46
Membro de honra
Usuário desde: 17/07/2008
Localidade:
Mensagens: 2207
 Re: PARA ALEXANDRE O'NEILL
Camarada Júlio Saraiva,
Este estilo coloquial, que parte do auto-retrato que o O'Neill fez em recriação do célebre soneto de Bocage, é de se lhe tirar o chapéu. Sobretudo porque falando para os outros, fala-se para nós mesmos. Nem parece, mas é uma catarse, com busca de silêncio dentro, bem no centro do corpo do ruído que à nossa volta se amontoa.
Um abraço
Xavier Zarco


Enviado por Tópico
Henricabilio
Publicado: 08/09/2009 08:49  Atualizado: 08/09/2009 08:49
Colaborador
Usuário desde: 02/04/2009
Localidade: Caldas da Rainha - Portugal
Mensagens: 6963
 Re: PARA ALEXANDRE O'NEILL
Olá companheiro das palavras!
Um belo poema-homenagem, sem dúvida!... e tenho a sensação que é mesmo este tipo de texto que escreve um poeta quando já tem uma pinguita no bucho... rss.
[Eu por mim não tenho esse vício, nem o do tabaco, nem o de me deitar cedo... Tenho outros, igualmente pouco recomendáveis, dirão alguns, como o da caça (tal como o Torga) e de jogar às cartas].
Com a nostalgia de um copo na mão, acho que percorremos os terrenos da vida e a morte com muito mais naturalidade.
Grande abraçooo!
Abílio


Enviado por Tópico
Caopoeta
Publicado: 08/09/2009 10:41  Atualizado: 08/09/2009 10:41
Colaborador
Usuário desde: 12/07/2007
Localidade:
Mensagens: 1988
 Re: PARA ALEXANDRE O'NEILL
..este que nos nos falas,seria por muitos outros imcompreendido..mas nao serao assim os "genios"..ou supostamente os "estranhamente génios"...este que me falas que tanto admiro,este autodidácta.

"Por volta de 1948, fundou o Grupo Surrealista de Lisboa com o poeta Cesariny, com José-Augusto França, António Domingues, Fernando Azevedo, Moniz Pereira, António Pedro e Vespeira."

fonte wikipédia.

seria mais forte do que eu..bater nas garrafas de vinho espalhadas pela casa cinza,alugar o mar e as gaivotas de plastico surradas,ter uma conversa, que por si só, bipolarizada pelos ecos de um "eu" menor.
adormecer,como quem mija no balde de porcelana quente e da garganta vomitar um Sol comprado numa loja chinesa.


sim meu amigo..seria esta, a minha para ti,dedicatória.




Enviado por Tópico
Margarete
Publicado: 08/09/2009 11:00  Atualizado: 08/09/2009 11:00
Colaborador
Usuário desde: 10/02/2007
Localidade: braga.
Mensagens: 1199
 PARA ALEXANDRE O'NEILL ao mestre júlio
sobre este senhor escreveu baptista-bastos, outro grande senhor, um conto onde nos mostra um o'neill pleno de ternura húmida, um o'neill que morreu sozinho e que dizia que a prosa melhora quando se molha o aparo da caneta no tinteiro da poesia, ainda há pouco li o seu livro, "na cara da gente" onde nos relata como o'neill perdia os amigos e como logo depois os recuperava. da obra dele destaco "o medo" que faz parte dos meus poemas de leitura diária e obrigatória, do qual deixo um excerto:

"Ah o medo vai ter tudo
tudo
(Penso no que o medo vai ter
e tenho medo
que é justamente
o que o medo quer)

O medo vai ter tudo
quase tudo
e cada um por seu caminho
havemos todos de chegar
quase todos
a ratos

Sim
a ratos"


Enviado por Tópico
Maria Verde
Publicado: 08/09/2009 12:30  Atualizado: 08/09/2009 12:33
Colaborador
Usuário desde: 20/01/2008
Localidade: SP
Mensagens: 3489
 Re: PARA ALEXANDRE O'NEILL
Infelizmente não conheço Alexandre O'neill a ponto de dissertar sobre o mesmo.
Mas teu poema me remeteu aos Mutantes - Balada do louco - e toda a incompreensão que permeou a vida do Arnaldo Batista....

"Cê tá pensando que eu sou loki, bicho?
So malandro velho
Não se mete no enguiço."

rs...abraço!






Enviado por Tópico
VónyFerreira
Publicado: 08/09/2009 12:37  Atualizado: 08/09/2009 12:38
Membro de honra
Usuário desde: 14/05/2008
Localidade: Leiria
Mensagens: 10301
 Re: PARA ALEXANDRE O'NEILL
A tua homenagem ao Alexandre,
Júlio
é condizente com a grandeza dele como Poeta
e como homem. Gostei muito pois sou uma fá desse grande poeta.
Deixo-te as suas palavras e um abraço

Há palavras que nos beijam
Como se tivessem boca,
Palavras de amor, de esperança,
De imenso amor, de esperança louca.

Palavras nuas que beijas
Quando a noite perde o rosto,
Palavras que se recusam
Aos muros do teu desgosto.

De repente coloridas
Entre palavras sem cor,
Esperadas, inesperadas
Como a poesia ou o amor.

(O nome de quem se ama
Letra a letra revelado
No mármore distraído,
No papel abandonado)





Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 08/09/2009 13:37  Atualizado: 08/09/2009 13:37
 Re: PARA ALEXANDRE O'NEILL


aqui fica o meu comentário júlio, espero que goste.

c.


Enviado por Tópico
Karla Bardanza
Publicado: 08/09/2009 16:08  Atualizado: 08/09/2009 16:08
Colaborador
Usuário desde: 24/06/2007
Localidade:
Mensagens: 3263
 Re: PARA ALEXANDRE O'NEILL
Amigo Julio


Não ouse se abster do álcool rsrsrs porque essas são cinco doses maravilhosas!

Beijo

Karla Bardanza


Enviado por Tópico
ROMMA
Publicado: 08/09/2009 23:06  Atualizado: 09/09/2009 08:47
Colaborador
Usuário desde: 29/10/2008
Localidade:
Mensagens: 2460
 Re: PARA ALEXANDRE O'NEILL
Auto-Retrato :) um pouco exagerado!
Acredita Júlio, sem alcool o efeito será + +


Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 08/09/2009 23:43  Atualizado: 08/09/2009 23:43
 Re: PARA ALEXANDRE O'NEILL
cinco doses na cabeça cambaleiam o pensamento, não a qualidade do poeta.


abraços


Enviado por Tópico
Alexis
Publicado: 08/09/2009 23:57  Atualizado: 08/09/2009 23:57
Colaborador
Usuário desde: 29/10/2008
Localidade: guimarães
Mensagens: 7238
 Re: PARA ALEXANDRE O'NEILL
"Experimento um grito
Contra o teu silêncio
Experimento um silêncio
Entro e saio
De mãos pálidas nos bolsos"

alexandre o'neil

é isto que eu faço,em vez de beber...e fumo.
beijo,
alex