dura lucidez
a manhã acende e o sol fulge na cal
branca das paredes, das casas
onde um dia houve vida,
há borboletas alegres abrindo asas,
e uma buganvília perdida.
as rosas vão desprendendo fragrância
por toda a aldeia,
lembro a dourada suavidade da infância,
a tarde morna, a hora da ceia
a vida é um instante
as memórias não morrem
só o tempo ficou distante!
a gota de água que floresceu e caiu
no ramo mais firme da roseira,
era lágrima furtiva, que ninguém viu
a dureza da alma, o final do estio,
chegando à minha beira.
apaga-se o ocaso
e a sombra ameaça
desvanece meu coração atormentado
a recordação me abraça
por perto o canto puro do rouxinol
e o sol, que fulgia nas paredes
brancas de cal
lembram a rapariga airosa, a tal
que hoje envelhece, desde então não vive
e no olhar já nada transparece.
natalia nuno
ELETROCARDIOGRAMA
Eletrocardiograma
Quando bem garotinha
Percebi no aflorar dos sentimentos
que meu coração parecia ter mãos
Às vezes, elas tocavam a realidade
E a realidade era muito confusa
assustava e fazia doer algo dentro
Eu então escondia a dor, "engolia" o choro
E ninguém se importava
Ignorei quase sempre o mundo real
Crendo mais no que meu coração inventava
O que ele sentia tão intenso
Com suas inocentes mãos
Capazes de criar um mundo particular
Nos galhos da goiabeira, nos cadernos,
Em lápis de cor, tampinhas, caixas ou livros
Nos retalhos de tecidos ou em alguma canção
Distante do mundo real, tão indiferente
Guardo este segredo
Esse lugar dentro de mim
Onde existe uma criança descalça
Com cabelos desgrenhados
Joelhos ralados e unhas sujas
Que observa formigas em filas
Desvira besouros pretos
Perde as horas em viagens no pensamento
Tão vívidas e infinitas
Uma sina em ter esse coração Ingênuo
capaz de tocar e amar simplesmente,
Que ainda se assusta
Que se machuca por vezes,
Espanta por coisas que outros ignoram
Que leva a sério o que acham bobagens
E no peito escondido
Esse coração abafado
Prefere não crescer.
Pensei em muitas pessoas quando escrevi esse texto. Mas Carlos Correa, esse é pra você, que tem um coração de criança e cheio de fé.
Ah, tenho saudades...
Ah, tenho saudades...
Da cidadezinha do interior
Que fica na zona Sul do Nordeste!
Das manhãs brumosas,
Do murmúrio do vento...
Das marés altas e baixas,
Das tardes felizes e velozes
E das brincadeiras de crianças.
Das manhãs perfumadas,
Das flores da cor de bonina;
Do cheiro de mato viçoso eu menina...
Amava na alva o toque do sol...
Beijando a minha face de garotinha!
Que a toda pressa levava grãos para as galinhas
Que ciscavam e cacarejavam caçando comida.
Quando eu corria ao galinheiro para pegar
Ovos fresquinhos e ia até o curral para apreciar
A ordenha do leite quentinho das vacas.
Quando eu voltava correndo maluquinha
Quase derrubando tudo a cantar!
Num mundo que parecia ser somente meu.
Do cavalo já pronto para montaria
Mesmo com medo sentia alegria
Cavalgar com maestria era tudo que eu queria
Apreciando a natureza o canto do bem-te-vi
Nessa hora o mundo lá fora parecia não mais existir.
Do pomar, das frutas que com as mãos eu alcançava.
Mais uma vez correndo para o riacho pescar e,
Uma paz fluía dentro de mim e poder naquelas águas
Cristalinas tomar banho e ver o peixinho inocente pegar
A isca e ficar desesperado... Para mim era uma conquista
Quão adoráveis aqueles momentos...
Das noites de luar que iluminava a terra que sem
Essa luz era um breu (treva) aonde só se via a luz
Do vaga-lume tal qual um pisca-pisca que vontade
De pegar quão rápidos eram eles... Mais um lampião
Era acesso e a magia da noite com o canto da mata
Virgem nos levava a cantarolar e dançar ao som da
Zabumba e do triângulo, junto aos primos e irmãos.
Sonhando quando então iríamos namorar!
18/07/2014 – Mary Jun
Olá Beijaflor obrigada por tão belo comentário!
Quando se percorre o rio da saudade
É porque nele mergulhamos fundo
E mesmo com o passar da idade
Sente-se a maior alegria do mundo!
Beijaflor
SÒ BEIJO DE MÃE
SÓ BEIJO DE MÃE
Só o beijo da mãe tem importãncia
Quando nos penduramos ao seu pescoço
Ainda criança...
Como o som repenicado ainda ouço...
É um acontecimento o beijo da mãe!
A infância continua dentro de nós
Como uma papoila que estremece ao vento
Ainda agora, da mãe me lembra a voz.
Deixo-me a vaguear neste acontecimento
Entre o passado e o presente
Este dia está velho!?
Como o meu pensamento.
As ruas silenciosas,
As portas cerradas
Das arvores as folhas caem, chorosas,
Das flores, foram-se as pétalas perfumadas.
Fico atenta ao que vejo
Nuvens rindo no céu passeando,
O Sol há muito acordou
E os casais, esses?! Continuam-se amando!
Daqui a pouco a tranquilidade da tarde
E eu aqui estou...
Vivendo vou lembrando com saudade.
O beijo da mãe, que acaba com a solidão
Que põe fora a inquietação
E um anjo a minha história vai arquivando
E guarda tudo o que vou lembrando.
Escrevo, mesmo parecendo ausente
Estou recordando meu chão
A brincar me deixo na ilusão
Que ainda sou dez réis de gente.
rosafogo
(Dez réis de gente, gente pequena.)
Esta poesia tem algum tempo, ainda embalava meu
neto que hoje é homem e às vezes me chama de mãe.
NÃO FUI MENINO PERALTA
NÃO FUI MENINO PERALTA
Não fui menino peralta...
A inapta velhice
Na estultícia da noite alta
Agora, bem agora
Lembra, sem matriz,
Aquela peraltice
Das tolices
Que não fiz...
Justo ela, a manha,
Aquela entranha
Que por ora me falta...
Ter sido obediente
: A desobediência
Mais casmurra e burra
Da inteligência
Daquele menino tão paciente
Sentadinho à beira
Da calçada da rua
Infancia feliz!
Toda a gente tem uma história de vida.
Não há duas iguais, quando muito, podem ser parecidas!
A minha, não é igual à de ninguém... é apenas a minha.
Estaria a mentir, se dissesse que tive uma infância triste, porque não foi!
Claro que não tive bonecas, nem jogos lúdicos para brincar...
Claro que não tive uma bicicleta para andar. Embora me tivesse sido prometida...
Claro que não tive uma simples bola para jogar...
Ao invés disso, davam-me quadradinhos de madeira e pregos pequenos (o meu pai era marceneiro), para que pudesse construir algo para me entreter.
No verão era melhor. As minhas amigas que chegavam para passar os três meses das férias grandes, traziam brinquedos a sério!
Também eu, podia usufruir deles, naquele pedacinho a seguir ao almoço, ao que se chamava "hora da sesta".
Quando brincava-mos no quintal de uma delas, onde também havia um baloiço... a minha grande predilecção!
Nunca me faltou carinho.Nunca me faltou amor.
Nunca me faltou comida.Nunca me faltou trabalho também...Trabalho infantil? Talvez...
Mas fui uma criança feliz!!
Hoje apeteceu-me ir buscar este texto ao meu baú empoeirado...
GRAVADA NO TEMPO
Ela sonhava fazer parte da paisagem...
- Menina, não desce esses degraus, vai que escorrega? –
A voz vinha da janela logo atrás. Com irritação de criança batia o pé mas, obediente, logo sentava no primeiro degrau da escada escavada na ribanceira. Com o cotovelo na coxa e a mão no queixo, resignada, olhava o barquinho avariado balançando na beira do rio. Tempos atrás ele havia sido todo azul, mas o casco descascado só mostrava resquício da cor esmaecida.
Sentia ânsia maluca de descer as escadas e ao mesmo tempo colher florezinhas... A vontade de descer com as mãos cheias até adentrar no barco e libertá-lo daquela prisão e depois fugir com ele descendo o rio; jogaria flores n' água, fazendo de conta que alimentava peixinhos.
A ribanceira era coberta por arbustos com flores brancas e miúdas que se entremeavam no capinzal. Havia sido desmatado estreito espaço para que fosse escavada a escada de chão. Lá embaixo, a alguns metros do rio, havia uma casinha de madeira sem pintura e telhado de palha. Era cercada por coqueiros e, no fundo do pomar, sobressaia uma frondosa jaqueira e mais para trás, um lindo açaizal, cujas palmas tremeluziam ao vento. A palafita pertencia ao dono do barquinho que dançava amarrado no pequeno trapiche - um tablado de madeira com estacas afincadas dentro do rio.
Que doído era querer fazer parte daquela tela viva e não poder, pois um olhar lançado da janela era extremamente vigilante. Os pezinhos batiam no degrau de terra, agitados, por conta daquele desejo de criança sapeca, enquanto via o rio correndo lá embaixo e alguns barquinhos zarpando com a água beirando os conveses... Barquinhos minúsculos com seus motores fazendo ‘puc-puc’ e que seguiam até sumirem no horizonte. Os olhos os acompanhavam até serem engolidos pelo rio -era assim que pensava; que quando os barquinhos se apagavam na distância, era porque eles haviam emborcado n' água. Sempre que isso acontecia, retornava a vontade de descer a ribanceira e fazer parte daquela paisagem... Do trapiche com o barquinho amarrado, da casinha de palha com as árvores...
- Filha, está na hora de entrar. Quer comer vento é?
Levantava, espanava a sujeira da roupa e corria pra dentro de casa. Depois de tudo, se pendurava na janela e ficava namorando o barquinho balançando no rio dourado de raios de sonhos.
Da minha janela
DA MINHA JANELA
Hoje deixo o sol entrar
Me ponho à janela olhando as folhas amarelecer
Enquanto a tarde vai murchar?!
Eu olho a queda lentamente a acontecer.
Caem as folhas, cai a tarde,
O dia vai morrendo!
E em mim batendo,
A saudade
Mas um pouco de esperança soçobrou
Ainda que às vezes desfalecendo!?
Tento não perder a que restou.
Há dores que não se querem remexidas
Falas afectuosas que continuam ao ouvido
De pureza infantil ainda sentidas
De quando jorravam gargalhadas num tempo perdido.
E assim as folhas vão amarelecendo
E meu olhar continua posto nelas
Do tempo me vou esquecendo
E penso que estou caindo como elas.
Chega à minha memória a doçura
Das tardes mornas da minha infância
Vou ao encontro do sonho com ternura
E nada mais para mim tem importância.
Olho a redonda lua a chegar
Mil sensações reúno à volta dela
É seguro por ela me deixar apaixonar
Então me vou deixando ficar na janela.
rosafogo
MEU PENSAMENTO
MEU PENSAMENTO
Cada sonho que invento
É como ir ao encontro
Nem sei bem de quê
Mas cada vez que tento
Quase sempre me amedronto
Sem razão nem porquê.
Meu pensamento
Fica assim num desconcerto
Num Mundo que nunca vi
E sempre a saudade por perto
Como se a infância estivesse aí.
Perco-me por dentro de mim
Chego a não saber quem sou
E é a saudade que por fim
Me devolve o que se apagou.
Quando por fim me cansar
De mil razões que a vida me dê
Virá a morte meus olhos fechar
Calará de vez a razão e o porquê
Pra desta vida me levar.
rosafogo
natalia nuno
Estrelas no Corredor?
Estrelas no Corredor?
by Betha Mendonça
Ela dizia conhecer o caminho para as estrelas. Um lugar onde se podia pisá-las e até deitar sobre elas. Era ali mesmo no corredor de casa!Como os adultos sempre duvidam do que dizem as crianças, “culpavam” sua prodigiosa imaginação e ninguém entendia nem acreditava em Isabelle:
- Imagine!Estrelas no corredor... Resmungava a babá.
- E que se pode tocar e até pisar... No corredor! Acrescentava a mãe.
- Uma menina de apenas quatro anos!Com essa criatividade... Vai ser escritora famosa!Enchia o quarto de exclamações o pai.
A pequenina segredava aos ouvidos de Linguado, o cachorro de pelúcia, que vivia a sorrir com sua imensa língua vermelha pendurada para fora da boca e era o seu companheiro de aventuras:
- Nos sabemos que é verdade, não é, Linguado?Deixa chover que a gente mostra pra eles!
Passaram alguns dias e a menina insistia em dizer da beleza das estrelas e as pessoas já nem lhe davam ouvidos... Até que de madrugada choveu muito e depois ficou uma lua gorda e amarela no céu, e, a casa despertou com os sorrisos de ventos que enchiam a noite de frescor e alegria...
Todos saíram entre sonolentos e espantados dos seus quartos para ver com os próprios olhos Isabelle cantando, pulando amarelinha e rindo com Linguado sobre as “estrelas no corredor”. No cômodo escuro, as gotas da chuva depositadas na grande clarabóia iluminadas pelo luar resplandeciam estrelas azuis no chão. Estrelas cheias de encantamento e poesia que existiam ali há muito e só os atentos olhos infantis poderiam descobrir.
Daí a diante, sempre que chovia a noite e depois abria o luar, toda a família ia para o corredor brincar com as estrelas, ritual seguido por várias gerações que habitaram aquela casa abençoada.