desdoer
o cansaço dói
por isso fico agora a doer lentamente
como fio de cabelo
em refastelo com a brisa.
doer não é difícil
- dói-se quando se vê
estrelas mergulhadas em manto
noturno ou quando
folhas secas arrastam-se na calçada
e até quando pedras
se rolam pro abismo.
é tão intensa a dor de ver
o mar esticar suas ondas
até à areia tanto quanto
olhar o córrego lavar os seixos.
n' outro dia a dor percorreu
forte o alvorecer quando
uma flor se abriu para
receber o orvalho e o sol
surgiu para fotografar.
o tempo passa trazendo
e deixando dor nas covinhas
infantis e nas rugas anciãs
e até quando o semblante
pensante de uma senhorita
se enquadra na janela.
como confetes a alma rasga-se
em pedacinhos quando a lua
expande-se como se quisesse
engolir a Terra e esta sucumbi
doloridamente à atração de se
derreter em mar de prata...
tão viciante como o vinho
doendo sua cor na perfeição transparente
da taça é a necessidade
de continuar a doer-se...
difícil
é desdoer
leio o silencio
mordo as horas
para ouvir o grito da tarde
que se cala, feroz
poxa, queria fosse
o tempo um alazão veloz
levando-me até às nuvens
quem sabe...
onde troveja tua voz?
nas páginas varridas
nem vestígios dos
teus versos,
sobrevoo linhas
de um silencio atroz
os dias morrem,
meu amor,
morrem os dias,
neste tempo
carente de nós.
feitos do ser
ando num caminho
onde o verde vibra
nas imagens,
o azul
perfila em baixo teto
o vermelho abrasa e abraça
e ainda assim mi' alma orvalha
ando num caminho
onde de tudo sempre quis um pouco
mas tudo já era meu
quando nem ser
era eu
ando num caminho
onde o destino é apenas uma intenção
e toda vida sou eu
num equilíbrio de aromas
luz molhada
chove sobre
olhos
a lua
vestindo
lágrima
nua
essência
ornar - se
com a elegância
da simplicidade é
desvincular-se
do apego pela aparência
para deixar sobressair
a majestade do Espírito.
pra enxugar o choro da saudade
em tuas planícies e colinas
percorrem
meus largos
sentidos distantes...
adoraria ficar à meia distância,
observando lágrimas delineando
as linhas de tua compleição.
ver o sol nascer e morrer
dentro dos teus olhos
e do pico que denigre o céu,
beber da fonte que me faria
florir...
Bloody Mary
sou o embaço que teus olhos rondam
e que tu’alma apalpa perdida das mãos.
sou infinitos pontos escurecidos
viajando dentro de outros pontos
voadores coloridos
como um átomo perdido
do universo molecular
estou à deriva num dramático
vermelho ‘bloody mary’,
mascarado pra confundir
reinados
sou coquetel
ardente e salgado
apimento
desagrado
seduzo
poucos
são os apreciadores
desse gosto
ainda assim... bebes-me
ardendo o ranho
de tua garganta
só pra sentir meu paladar
e tentar me compreender
mas,
embriaga-te antes
sem que possas me saber
Sei do inverno que fica nas palavras
é de inverno
o tempo...
sei
do peso do frio
sobre a pele
e
do rio
em murmúrio
preguiçoso
passando...
quase mudo
encrespante
taciturno...
vadio
sei dos dias
de vestes
névoas
e das noites
paramentadas
de
encharcadas
túnicas ...
sei da polida
cor do aço
escapando dos olhos
na mira do lustre
do silencio
refletindo-se
nas gotas modorrentas
em desconstrução dos
pensamentos
caem
ideias
em poças varridas
pelo vento
...
a dissolver
o ártico
homicida
fantástico
do tempo
ah!
esses sonhos
vaporosos
de enganos
que os anjos
nos fazem
beber quando a solidão
vem nos colher...
também deles
sei...
para eles
o que importa é que outras
cores
e sentidos
se acheguem
para iludir
um pouco
mais
os sonhadores...
levando a alma da gente
há momentos que
na alma da gente
paredes oram em silencio,
janelas fogem dos sobrados
e o vento tem corpo congelado
há momentos
que não dizem por que vem
a solidão
há secura sem sede
e fome com muito pão
há momentos
que o pensamento
só quer trazer de longínquos montes
uivos melancólicos de abandono
para suprir a falta que faz um apito
quando um navio vai sumindo
devagarzinho na linha do horizonte...
há momentos
que o delta de um rio
se alarga porque chora
Cidadelas
é a veste sua
fria armadura
até da brisa se protege
o homem que desconfia
se mãos afagam
logo um escudo é erguido
se a gentileza se apresenta
lança se afia em aço ofendido
de fato é um mundo
de perigos
a quem se pode acolher
pra poder chamar de amigo
e como doar um sorriso
se rejeição vem como castigo?
e o que seria da tempestade
que chega varrendo a calma
e das flores com seus espinhos
e das pedras enrijecendo
caminhos?
o que seria da noite
quando vem e engole o dia
o que seria do dia quando
vem e expulsa a noite...
se essas naturalidades
só fossem observadas
com olhos de maldade?
o que seria da inspiração
quando surra o poeta
com chibatas de poesia?
o homem se
desespera
quando somente é dele todas
as guerras