monotype corsiva
cobre-me com teu céu amorenado de chuvas
carregadas de pecados
massageia-me com letras
libertinas, pecaminosas,
nuas, oleadas
e indecorosas
acaricias-me com as penas
de aves pagãs
roça-me
dedilha-me
aquece-me
engravida-me de versos
lânguidos
pervertidos
e ousados
escreve-me no corpo
um poema ascendente/descendente
de um jeito rimado
melódico
cadenciado
ondulante na fonte monotype corsiva
em arabescos pervertidos
pra em tua boca serem
quentes recitados
essência
ornar - se
com a elegância
da simplicidade é
desvincular-se
do apego pela aparência
para deixar sobressair
a majestade do Espírito.
Bloody Mary
sou o embaço que teus olhos rondam
e que tu’alma apalpa perdida das mãos.
sou infinitos pontos escurecidos
viajando dentro de outros pontos
voadores coloridos
como um átomo perdido
do universo molecular
estou à deriva num dramático
vermelho ‘bloody mary’,
mascarado pra confundir
reinados
sou coquetel
ardente e salgado
apimento
desagrado
seduzo
poucos
são os apreciadores
desse gosto
ainda assim... bebes-me
ardendo o ranho
de tua garganta
só pra sentir meu paladar
e tentar me compreender
mas,
embriaga-te antes
sem que possas me saber
Sei do inverno que fica nas palavras
é de inverno
o tempo...
sei
do peso do frio
sobre a pele
e
do rio
em murmúrio
preguiçoso
passando...
quase mudo
encrespante
taciturno...
vadio
sei dos dias
de vestes
névoas
e das noites
paramentadas
de
encharcadas
túnicas ...
sei da polida
cor do aço
escapando dos olhos
na mira do lustre
do silencio
refletindo-se
nas gotas modorrentas
em desconstrução dos
pensamentos
caem
ideias
em poças varridas
pelo vento
...
a dissolver
o ártico
homicida
fantástico
do tempo
ah!
esses sonhos
vaporosos
de enganos
que os anjos
nos fazem
beber quando a solidão
vem nos colher...
também deles
sei...
para eles
o que importa é que outras
cores
e sentidos
se acheguem
para iludir
um pouco
mais
os sonhadores...
'palavrosia'
veemente
disse que eu não mais viria
às palavras me insinuar...
que um tempo
daria
de fininho saindo
sem provocar
ondulações, nesgas violáceas
resquícios de vento
sequer.
entretanto...
é mais forte
a vontade de te sentir
as curvaturas
tuas
delinear.
teus
sentidos claros ou
indefinidos,
pesquisar
tocar teu porte
fechar os olhos
sentindo tua espessura.
dar-te meus olhos
minhas mãos
meus lábios
entreabrindo-se
silábicos
arfantes de breves
surpresas
fazer-te amor
balbuciando intrigas
provocando
protestos
confesso...
és minha libido
minha luxúria
meu vício promíscuo
e também minha oração
és o limiar de um voo
asas minhas em convulsão
és tatuagem
roçagando como vento
minh' alma
também és
o antídoto
... a minha calma!
sonho às vezes tem que morrer para a vida acontecer
a emoção de voar
alto
deixar se planar
depois da adrenalina
de um salto
momento único
de prazer
colher a magia
das asas
da poesia
faz o poeta transcender
se o sonho
insisti
a desilusão
também existe
e é a dor da fome
que faz o pássaro
descer...
Velho Diário
Folheou páginas dos pecados e elas sorriram desavergonhadas. Os rabiscos quase apagados jogaram-lhe na face o ardor de mil beijos escondidos sob os mantos das árvores. Enquanto inocentes cinderelas retornavam dos encantos e magias em horas determinadas ela fugia, descalça e de camisola assanhada, dos guardiões da pureza e candura. Liberta, sob o olhar feiticeiro da lua, percorria a noite enquanto o chão era feito de sombras de folhas rendadas. O vento aqui e acolá assoviava alcovitando os momentos furtivos. Era ela, cega aos perigos, tão espevitada, recusava pureza, fitas e laços, soltando os cabelos para o vento bolinar, sempre rumando para o que lhe atiçava emoção. Os olhos tremeram quando as páginas se despiram e ela reviu um corpo quente em bronze luzidio, dentes alvos e lábios polpudos. O olhar de um mar noturno em tempestade trazia a nau para misteriosas viagens. Navegava no momento como um rodopio de valsa. A paixão flutuava numa dança de pecado - Foi pecado? - As páginas tremem, interrogando-a neste patamar do tempo e mostram também seu retorno sorrateiro, no primeiro raio da aurora, para o calor dos lençóis e do travesseiro que nunca cansaram de ouvir suas confidências e preces para que suas travessuras não fossem descobertas. Pedia perdão aos céus, com a promessa de não cometer de novo – mas tudo se repetia, pois uma voz sempre exigia sussurrando-lhe no coração: se o sabor tem o doce néctar da flor, para que pedir perdão se esses pecados são feitos de amor? - Leu e releu por um bom tempo o versinho grifado e fechou o velho diário, sem remorsos, deixando dormir as páginas amarelecidas de insubordinação.
tempo solvente
preciso de um tempo menino
correndo pra lá e pra cá
com uma pipa colorida
disputando o céu com os pássaros,
medindo forças com o vento
até cansar os braços.
necessito de um tempo
menino
iluminado por um sol
a pino
deixando pele morena-dourado
e com um ardido avermelhado
lançando no ar o cheiro
de moleque queimado.
preciso de um tempo menino
correndo de peito nu
e pés descalços
com a pura intenção
de se atirar no primeiro riacho
preciso de um tempo
menino
mergulhando e boiando
com alma entregue
desobrigada de ser triste
desobrigada de compromissos
careço de um tempo criança
pra amolecer o adulto tempo
que sedimentou sentidos,
enrijeceu sentimentos
e esgotou os pressupostos
pra triturar seu estado granítico
Espírito
quando não há mais fio
para agarrar
corrimão nenhum pra me apoiar
sinto as mãos do precipício
a força bestial a me puxar.
abrir os olhos
para levar a cor do céu
na queda
é tudo o que resta.
entretanto...
algo sutil se manifesta
repercute no vácuo
o som de harpas.
junto vem um toque de
promessa
e o frescor de um sopro
em minha testa.
mãos suaves me salvam
do abismo
sustentada pelo Ser
suave e invisível...
levito
por cá me escondo
tem dias que sou, no vento,
fiapo à deriva
às vezes sou grão de nevasca,
engatada num caule,
gelada lasca
a translúcida gema
d'um Olmo ou Carvalho
pra mais tarde ser
o verde talhe de um veleiro
ou a sombra...
d' um frondoso galho
tem dias que sou
aqueles pesados passos que remam dunas
vou levantando areia
de um planalto desértico,
com um cajado n'alma
tendo o semblante quase profético...
vou-me aplumando por dentro da poeira
formatando meu vulto
- este ser meio sepulto;
com saudade e pele a mostras
pra não perder o movimento
vou-me equilibrando
no tempo
pra não cair no esquecimento
assim ziguezagueio
meus dias
... que d'outra maneira
palavras me teriam.............
se eu não fosse esse andarilho
com um velho bornal
querendo encontrar
aquela ave-poesia ...?
aquele pássaro
que em mim não pousa
e que por isso sempre tento
rabiscar numa lousa
um nicho recheado de fantasias
que o atraia
como se fosse preenchido
com as mais requintadas
iguarias.............................................