monotype corsiva
cobre-me com teu céu amorenado de chuvas
carregadas de pecados
massageia-me com letras
libertinas, pecaminosas,
nuas, oleadas
e indecorosas
acaricias-me com as penas
de aves pagãs
roça-me
dedilha-me
aquece-me
engravida-me de versos
lânguidos
pervertidos
e ousados
escreve-me no corpo
um poema ascendente/descendente
de um jeito rimado
melódico
cadenciado
ondulante na fonte monotype corsiva
em arabescos pervertidos
pra em tua boca serem
quentes recitados
sonhos às vezes têm que morrer para o sonhador viver
a emoção de voar
alto
deixar se planar
depois da adrenalina
de um salto
momento único
de prazer
colher a magia
das asas
da poesia
faz o poeta transcender
se o sonho
insisti
a desilusão
também existe
e é a dor da fome
que faz o pássaro
descer...
texturas
TEXTURAS
um tecido
cobre-me
com mesclas de maciez
e aspereza
de chiffon esvoaçante
ou inteiro de seda
preferia que fosse
lilás com rosa
no
flu-flu
em degradê
alcançando terno
tom de cereja
sentir-me-ia
delicada borboleta
leve
e...
e...
efêmera...
por que que tudo que é belo
revoluteia de forma breve!?
querendo sim
querendo não
a parte rústica do tecido
serve de armadura.
o macio pedaço
cobre-me
para que
prossiga leve
flutuando...
com certa candura.
pra enxugar o choro da saudade
em tuas planícies e colinas
percorrem
meus largos
sentidos distantes...
adoraria ficar à meia distância,
observando lágrimas delineando
as linhas de tua compleição.
ver o sol nascer e morrer
dentro dos teus olhos
e do pico que denigre o céu,
beber da fonte que me faria
florir...
Bloody Mary
sou o embaço que teus olhos rondam
e que tu’alma apalpa perdida das mãos.
sou infinitos pontos escurecidos
viajando dentro de outros pontos
voadores coloridos
como um átomo perdido
do universo molecular
estou à deriva num dramático
vermelho ‘bloody mary’,
mascarado pra confundir
reinados
sou coquetel
ardente e salgado
apimento
desagrado
seduzo
poucos
são os apreciadores
desse gosto
ainda assim... bebes-me
ardendo o ranho
de tua garganta
só pra sentir meu paladar
e tentar me compreender
mas,
embriaga-te antes
sem que possas me saber
luz molhada
chove sobre
olhos
a lua
vestindo
lágrima
nua
Sei do inverno que fica nas palavras
é de inverno
o tempo...
sei
do peso do frio
sobre a pele
e
do rio
em murmúrio
preguiçoso
passando...
quase mudo
encrespante
taciturno...
vadio
sei dos dias
de vestes
névoas
e das noites
paramentadas
de
encharcadas
túnicas ...
sei da polida
cor do aço
escapando dos olhos
na mira do lustre
do silencio
refletindo-se
nas gotas modorrentas
em desconstrução dos
pensamentos
caem
ideias
em poças varridas
pelo vento
...
a dissolver
o ártico
homicida
fantástico
do tempo
ah!
esses sonhos
vaporosos
de enganos
que os anjos
nos fazem
beber quando a solidão
vem nos colher...
também deles
sei...
para eles
o que importa é que outras
cores
e sentidos
se acheguem
para iludir
um pouco
mais
os sonhadores...
Psiu!
se
me vê bem disposta
a colher flores, frutos
e até alguns espinhos
em arbustos bem elaborados
neste fértil terreno azul
não se surpreenda
é culpa do tempo
que olhou para mim e
disse:
vai lá e aproveita!
'palavrosia'
veemente
disse que eu não mais viria
às palavras me insinuar...
que um tempo
daria
de fininho saindo
sem provocar
ondulações, nesgas violáceas
resquícios de vento
sequer.
entretanto...
é mais forte
a vontade de te sentir
as curvaturas
tuas
delinear.
teus
sentidos claros ou
indefinidos,
pesquisar
tocar teu porte
fechar os olhos
sentindo tua espessura.
dar-te meus olhos
minhas mãos
meus lábios
entreabrindo-se
silábicos
arfantes de breves
surpresas
fazer-te amor
balbuciando intrigas
provocando
protestos
confesso...
és minha libido
minha luxúria
meu vício promíscuo
e também minha oração
és o limiar de um voo
asas minhas em convulsão
és tatuagem
roçagando como vento
minh' alma
também és
o antídoto
... a minha calma!
Velho Diário
Folheou páginas dos pecados e elas sorriram desavergonhadas. Os rabiscos quase apagados jogaram-lhe na face o ardor de mil beijos escondidos sob os mantos das árvores. Enquanto inocentes cinderelas retornavam dos encantos e magias em horas determinadas ela fugia, descalça e de camisola assanhada, dos guardiões da pureza e candura. Liberta, sob o olhar feiticeiro da lua, percorria a noite enquanto o chão era feito de sombras de folhas rendadas. O vento aqui e acolá assoviava alcovitando os momentos furtivos. Era ela, cega aos perigos, tão espevitada, recusava pureza, fitas e laços, soltando os cabelos para o vento bolinar, sempre rumando para o que lhe atiçava emoção. Os olhos tremeram quando as páginas se despiram e ela reviu um corpo quente em bronze luzidio, dentes alvos e lábios polpudos. O olhar de um mar noturno em tempestade trazia a nau para misteriosas viagens. Navegava no momento como um rodopio de valsa. A paixão flutuava numa dança de pecado - Foi pecado? - As páginas tremem, interrogando-a neste patamar do tempo e mostram também seu retorno sorrateiro, no primeiro raio da aurora, para o calor dos lençóis e do travesseiro que nunca cansaram de ouvir suas confidências e preces para que suas travessuras não fossem descobertas. Pedia perdão aos céus, com a promessa de não cometer de novo – mas tudo se repetia, pois uma voz sempre exigia sussurrando-lhe no coração: se o sabor tem o doce néctar da flor, para que pedir perdão se esses pecados são feitos de amor? - Leu e releu por um bom tempo o versinho grifado e fechou o velho diário, sem remorsos, deixando dormir as páginas amarelecidas de insubordinação.