Poemas, frases e mensagens de MarySSantos

Seleção dos poemas, frases e mensagens mais populares de MarySSantos

desdoer

 
 
o cansaço dói
por isso fico agora a doer lentamente
como fio de cabelo
em refastelo com a brisa.

doer não é difícil

- dói-se quando se vê
estrelas mergulhadas em manto
noturno ou quando
folhas secas arrastam-se na calçada
e até quando pedras
se rolam pro abismo.

é tão intensa a dor de ver
o mar esticar suas ondas
até à areia tanto quanto
olhar o córrego lavar os seixos.

n' outro dia a dor percorreu
forte o alvorecer quando
uma flor se abriu para
receber o orvalho e o sol
surgiu para fotografar.

o tempo passa trazendo
e deixando dor nas covinhas
infantis e nas rugas anciãs
e até quando o semblante
pensante de uma senhorita
se enquadra na janela.

como confetes a alma rasga-se
em pedacinhos quando a lua
expande-se como se quisesse
engolir a Terra e esta sucumbi
doloridamente à atração de se
derreter em mar de prata...

tão viciante como o vinho
doendo sua cor na perfeição transparente
da taça é a necessidade
de continuar a doer-se...

difícil
é desdoer
 
desdoer

leio o silencio

 
 
mordo as horas
para ouvir o grito da tarde
que se cala, feroz

poxa, queria fosse
o tempo um alazão veloz
levando-me até às nuvens
quem sabe...
onde troveja tua voz?

nas páginas varridas
nem vestígios dos
teus versos,
sobrevoo linhas
de um silencio atroz

os dias morrem,
meu amor,
morrem os dias,
neste tempo
carente de nós.
 
leio o silencio

feitos do ser

 
ando num caminho
onde o verde vibra
nas imagens,
o azul
perfila em baixo teto
o vermelho abrasa e abraça
e ainda assim mi' alma orvalha

ando num caminho
onde de tudo sempre quis um pouco
mas tudo já era meu
quando nem ser
era eu

ando num caminho
onde o destino é apenas uma intenção
e toda vida sou eu
num equilíbrio de aromas
 
feitos do ser

essência

 
ornar - se
com a elegância
da simplicidade é
desvincular-se
do apego pela aparência
para deixar sobressair
a majestade do Espírito.
 
essência

introspecção

 
dos olhos me despeço
só por alguns instantes
- partículas do tempo
em que se alinha o fio
da consciência

dou as costas
para os olhos estranhos
(são meus!)
pérfuros-cortantes
que as vezes
fazem-se lâminas de sol
para recortar iluminado
o que me agrada na intenção
de se postarem junto aos troféus
que me alçam

mas tantas vezes
fazem-se lâminas geladas
ardilosas e amoladas
(estes olhos)
despedaçando o que odeio,
o que dá náusea
e desespero

só por agora,
desmato cega
o útero da selva,
para limpar um naco e acampar
em nada que possa me acolher.
 
introspecção

entenda

 
talvez este momento
de querer-te
se deite afiuzado
em plataforma equilibrada
ou apenas revoluteia
desempachado.

a paixão se emasculou.
rompeu os fios da virilidade.
não quer mais ser pêndulo
conivente aos apelos do precipício

não está efetivamente volatizado,
(o querer-te).
ainda há sentir que
paira,
paira,
temeroso de arriscar (se)

e espalma o ar
o tempo
o chão

fertilizando-se
para poder
rebrotar
viço de viver
sem ti
 
entenda

in pulsos frios

 
 
não é repentino
o sintoma degelando
aos poucos a consciência

percepção antiga
esta
de que o espaço em mim
tem dimensão maior
do que imaginado

vaguezas se inquietam
apetecem preenchimentos
intensos de labaredas de
sentimentos

o âmago, exigente
repreende-me
pela insuficiência do amor
que abasteço por
[talvez]
não queira eu
pagar o preço
que se paga quando
com muita munificência se ama?

decepção, medo, egoísmo. avareza...?

o que sabota
o esguichar do meu amor
para não ter a potencia
de um lança chama?
 
in pulsos frios

ardência

 
clama alma
um vestido verdadeiro
desbotado
d' esperança
e corado de
realidades que
sonhos esculpiram.

sedoso na transparência
do amor que
não se trança com
tramas ardilosas
do tempo

livre... leve
mas aderente
a versos

e... frágil...
suscetível
às investidas
do vento. ..
 
ardência

levando a alma da gente

 
há momentos que
na alma da gente
paredes oram em silencio,
janelas fogem dos sobrados
e o vento tem corpo congelado

há momentos
que não dizem por que vem
a solidão

há secura sem sede
e fome com muito pão

há momentos
que o pensamento
só quer trazer de longínquos montes
uivos melancólicos de abandono
para suprir a falta que faz um apito
quando um navio vai sumindo
devagarzinho na linha do horizonte...

há momentos
que o delta de um rio
se alarga porque chora
 
levando a alma da gente

Flor de Cacto

 
é do deserto que me deixas que se abrem as linhas,
árduas dunas de sede e areia em chão mártir de ventos,
sacrificando pegadas silentes

meu telhado, uma palavra que não
protege minh' alma de noturno sol
massacrante
trincando meus lábios,
retalhos de luz
que oásis nunca
alcança

[lábios expatriados
de um verbo que se move
molhado]

por baixo das pálpebras
estafadas
noites dão alucinógenos
às retinas
fazendo-me lembrar ser flor
desabrochando no teu corpo
naqueles instantes em que me acolhes
e ao mesmo tempo me espinha
 
Flor de Cacto

monotype corsiva

 
monotype corsiva
 
cobre-me com teu céu amorenado de chuvas
carregadas de pecados

massageia-me com letras
libertinas, pecaminosas,
nuas, oleadas
e indecorosas

acaricias-me com as penas
de aves pagãs
roça-me
dedilha-me
aquece-me

engravida-me de versos
lânguidos
pervertidos
e ousados

escreve-me no corpo
um poema ascendente/descendente
de um jeito rimado
melódico
cadenciado

ondulante na fonte monotype corsiva
em arabescos pervertidos
pra em tua boca serem
quentes recitados
 
monotype corsiva

sonhos às vezes têm que morrer para o sonhador viver

 
a emoção de voar
alto
deixar se planar
depois da adrenalina
de um salto
momento único
de prazer

colher a magia
das asas
da poesia
faz o poeta transcender

se o sonho
insisti
a desilusão
também existe
e é a dor da fome
que faz o pássaro
descer...
 
sonhos às vezes têm que morrer para o sonhador viver

texturas

 
texturas
 
TEXTURAS

um tecido
cobre-me
com mesclas de maciez
e aspereza

de chiffon esvoaçante
ou inteiro de seda
preferia que fosse

lilás com rosa
no
flu-flu
em degradê
alcançando terno
tom de cereja

sentir-me-ia
delicada borboleta
leve
e...
e...
efêmera...

por que que tudo que é belo
revoluteia de forma breve!?

querendo sim
querendo não
a parte rústica do tecido
serve de armadura.
o macio pedaço
cobre-me
para que
prossiga leve

flutuando...
com certa candura.
 
texturas

pra enxugar o choro da saudade

 
em tuas planícies e colinas

percorrem

meus largos

sentidos distantes...

adoraria ficar à meia distância,

observando lágrimas delineando

as linhas de tua compleição.

ver o sol nascer e morrer

dentro dos teus olhos

e do pico que denigre o céu,

beber da fonte que me faria

florir...
 
pra enxugar o choro da saudade

Bloody Mary

 
Bloody Mary
 
sou o embaço que teus olhos rondam
e que tu’alma apalpa perdida das mãos.

sou infinitos pontos escurecidos
viajando dentro de outros pontos
voadores coloridos

como um átomo perdido
do universo molecular
estou à deriva num dramático
vermelho ‘bloody mary’,

mascarado pra confundir
reinados
sou coquetel
ardente e salgado

apimento
desagrado
seduzo

poucos
são os apreciadores
desse gosto

ainda assim... bebes-me
ardendo o ranho
de tua garganta
só pra sentir meu paladar
e tentar me compreender
mas,
embriaga-te antes

sem que possas me saber
 
Bloody Mary

luz molhada

 
 
chove sobre
olhos
a lua

vestindo
lágrima
nua
 
luz molhada

Sei do inverno que fica nas palavras

 
 
é de inverno
o tempo...

sei
do peso do frio
sobre a pele
e
do rio
em murmúrio
preguiçoso
passando...
quase mudo
encrespante
taciturno...
vadio

sei dos dias
de vestes
névoas
e das noites
paramentadas
de
encharcadas
túnicas ...

sei da polida
cor do aço
escapando dos olhos
na mira do lustre
do silencio
refletindo-se
nas gotas modorrentas
em desconstrução dos
pensamentos

caem
ideias
em poças varridas
pelo vento
...
a dissolver
o ártico
homicida
fantástico
do tempo

ah!
esses sonhos
vaporosos
de enganos
que os anjos
nos fazem
beber quando a solidão
vem nos colher...

também deles
sei...

para eles
o que importa é que outras
cores
e sentidos
se acheguem
para iludir
um pouco
mais
os sonhadores...
 
Sei do inverno que fica nas palavras

Psiu!

 
 
se
me vê bem disposta
a colher flores, frutos
e até alguns espinhos
em arbustos bem elaborados
neste fértil terreno azul
não se surpreenda
é culpa do tempo
que olhou para mim e
disse:
vai lá e aproveita!
 
Psiu!

'palavrosia'

 
'palavrosia'
 
veemente
disse que eu não mais viria
às palavras me insinuar...
que um tempo
daria
de fininho saindo
sem provocar
ondulações, nesgas violáceas
resquícios de vento
sequer.

entretanto...

é mais forte
a vontade de te sentir

as curvaturas
tuas
delinear.
teus
sentidos claros ou
indefinidos,
pesquisar

tocar teu porte
fechar os olhos
sentindo tua espessura.

dar-te meus olhos
minhas mãos
meus lábios
entreabrindo-se
silábicos
arfantes de breves
surpresas

fazer-te amor
balbuciando intrigas

provocando
protestos

confesso...

és minha libido
minha luxúria
meu vício promíscuo
e também minha oração

és o limiar de um voo
asas minhas em convulsão

és tatuagem
roçagando como vento
minh' alma

também és
o antídoto

... a minha calma!
 
'palavrosia'

Velho Diário

 
Folheou páginas dos pecados e elas sorriram desavergonhadas. Os rabiscos quase apagados jogaram-lhe na face o ardor de mil beijos escondidos sob os mantos das árvores. Enquanto inocentes cinderelas retornavam dos encantos e magias em horas determinadas ela fugia, descalça e de camisola assanhada, dos guardiões da pureza e candura. Liberta, sob o olhar feiticeiro da lua, percorria a noite enquanto o chão era feito de sombras de folhas rendadas. O vento aqui e acolá assoviava alcovitando os momentos furtivos. Era ela, cega aos perigos, tão espevitada, recusava pureza, fitas e laços, soltando os cabelos para o vento bolinar, sempre rumando para o que lhe atiçava emoção. Os olhos tremeram quando as páginas se despiram e ela reviu um corpo quente em bronze luzidio, dentes alvos e lábios polpudos. O olhar de um mar noturno em tempestade trazia a nau para misteriosas viagens. Navegava no momento como um rodopio de valsa. A paixão flutuava numa dança de pecado - Foi pecado? - As páginas tremem, interrogando-a neste patamar do tempo e mostram também seu retorno sorrateiro, no primeiro raio da aurora, para o calor dos lençóis e do travesseiro que nunca cansaram de ouvir suas confidências e preces para que suas travessuras não fossem descobertas. Pedia perdão aos céus, com a promessa de não cometer de novo – mas tudo se repetia, pois uma voz sempre exigia sussurrando-lhe no coração: se o sabor tem o doce néctar da flor, para que pedir perdão se esses pecados são feitos de amor? - Leu e releu por um bom tempo o versinho grifado e fechou o velho diário, sem remorsos, deixando dormir as páginas amarelecidas de insubordinação.
 
Velho Diário

Aquela mania de escrever qualquer coisa que escorrega do pensamento.