monotype corsiva
cobre-me com teu céu amorenado de chuvas
carregadas de pecados
massageia-me com letras
libertinas, pecaminosas,
nuas, oleadas
e indecorosas
acaricias-me com as penas
de aves pagãs
roça-me
dedilha-me
aquece-me
engravida-me de versos
lânguidos
pervertidos
e ousados
escreve-me no corpo
um poema ascendente/descendente
de um jeito rimado
melódico
cadenciado
ondulante na fonte monotype corsiva
em arabescos pervertidos
pra em tua boca serem
quentes recitados
leio o silencio
mordo as horas
para ouvir o grito da tarde
que se cala, feroz
poxa, queria fosse
o tempo um alazão veloz
levando-me até às nuvens
quem sabe...
onde troveja tua voz?
nas páginas varridas
nem vestígios dos
teus versos,
sobrevoo linhas
de um silencio atroz
os dias morrem,
meu amor,
morrem os dias,
neste tempo
carente de nós.
texturas
TEXTURAS
um tecido
cobre-me
com mesclas de maciez
e aspereza
de chiffon esvoaçante
ou inteiro de seda
preferia que fosse
lilás com rosa
no
flu-flu
em degradê
alcançando terno
tom de cereja
sentir-me-ia
delicada borboleta
leve
e...
e...
efêmera...
por que que tudo que é belo
revoluteia de forma breve!?
querendo sim
querendo não
a parte rústica do tecido
serve de armadura.
o macio pedaço
cobre-me
para que
prossiga leve
flutuando...
com certa candura.
pra enxugar o choro da saudade
em tuas planícies e colinas
percorrem
meus largos
sentidos distantes...
adoraria ficar à meia distância,
observando lágrimas delineando
as linhas de tua compleição.
ver o sol nascer e morrer
dentro dos teus olhos
e do pico que denigre o céu,
beber da fonte que me faria
florir...
Bloody Mary
sou o embaço que teus olhos rondam
e que tu’alma apalpa perdida das mãos.
sou infinitos pontos escurecidos
viajando dentro de outros pontos
voadores coloridos
como um átomo perdido
do universo molecular
estou à deriva num dramático
vermelho ‘bloody mary’,
mascarado pra confundir
reinados
sou coquetel
ardente e salgado
apimento
desagrado
seduzo
poucos
são os apreciadores
desse gosto
ainda assim... bebes-me
ardendo o ranho
de tua garganta
só pra sentir meu paladar
e tentar me compreender
mas,
embriaga-te antes
sem que possas me saber
luz molhada
chove sobre
olhos
a lua
vestindo
lágrima
nua
Sei do inverno que fica nas palavras
é de inverno
o tempo...
sei
do peso do frio
sobre a pele
e
do rio
em murmúrio
preguiçoso
passando...
quase mudo
encrespante
taciturno...
vadio
sei dos dias
de vestes
névoas
e das noites
paramentadas
de
encharcadas
túnicas ...
sei da polida
cor do aço
escapando dos olhos
na mira do lustre
do silencio
refletindo-se
nas gotas modorrentas
em desconstrução dos
pensamentos
caem
ideias
em poças varridas
pelo vento
...
a dissolver
o ártico
homicida
fantástico
do tempo
ah!
esses sonhos
vaporosos
de enganos
que os anjos
nos fazem
beber quando a solidão
vem nos colher...
também deles
sei...
para eles
o que importa é que outras
cores
e sentidos
se acheguem
para iludir
um pouco
mais
os sonhadores...
Psiu!
se
me vê bem disposta
a colher flores, frutos
e até alguns espinhos
em arbustos bem elaborados
neste fértil terreno azul
não se surpreenda
é culpa do tempo
que olhou para mim e
disse:
vai lá e aproveita!
levando a alma da gente
há momentos que
na alma da gente
paredes oram em silencio,
janelas fogem dos sobrados
e o vento tem corpo congelado
há momentos
que não dizem por que vem
a solidão
há secura sem sede
e fome com muito pão
há momentos
que o pensamento
só quer trazer de longínquos montes
uivos melancólicos de abandono
para suprir a falta que faz um apito
quando um navio vai sumindo
devagarzinho na linha do horizonte...
há momentos
que o delta de um rio
se alarga porque chora
Flor de Cacto
é do deserto que me deixas que se abrem as linhas,
árduas dunas de sede e areia em chão mártir de ventos,
sacrificando pegadas silentes
meu telhado, uma palavra que não
protege minh' alma de noturno sol
massacrante
trincando meus lábios,
retalhos de luz
que oásis nunca
alcança
[lábios expatriados
de um verbo que se move
molhado]
por baixo das pálpebras
estafadas
noites dão alucinógenos
às retinas
fazendo-me lembrar ser flor
desabrochando no teu corpo
naqueles instantes em que me acolhes
e ao mesmo tempo me espinha