Poemas, frases e mensagens de JNery

Seleção dos poemas, frases e mensagens mais populares de JNery

Nasci numa sexta-feira
o sol já era posto
nenhum mago falou
do meu destino
apenas a parteira:
- Vai menino,
terás uma jornada branda
e de companhia um orixá gauche
desses que andam na sobra.

SAMPA

 
Minha homenagem a São Paulo
pelos 457 anos (25/1/2011).

tanto, tanto concreto
e eu abstrato
absorto, discreto
desenho o teu retrato
nas vigas de aço
que te sustentam
e te dão forma:

côncava, convexa
cômica, complexa
assombra-me
a tua sombra

noites insones
domicílio dos sonhos
luzes tenazes
vagalumes vorazes
passam e não se vêem

homens de trapo
imitam a vida
flores de pedra
confusa intriga

casas de gigantes
arranhando o céu
e eu abstrato
absorto, perplexo
de alma vazia
absorvo a poesia
latente no teu
concreto.

www.jneryliteral.blogspot.com
 
SAMPA

THAYS

 
a uma amiga

Vívido é o riso que te molda o rosto
E risonhos os olhos que te faz divina
Suave, amena, qual brisa de agosto
Anjo inacessível ou terna menina?

Sôfrego, meu poema te procura
E perde-se no candor da alma tua
Estrela silente, altiva fulguras
Qual nau errante em noites sem lua

Seguem cegos meus versos ao léu
Na insana ilusão de descrever-te a tez
Trigueira, grená ou azul cor do céu?

Pobres versos, absortos em sua avidez
Vê-te em rimas emergir do papel
E, entre palavras, te perde outra vez.

www.jneryliteral.blogspot.com
 
THAYS

LÍNGUA : João Nery Pestana

 
Gosto da palavra em seu estado bruto
E de saber do seu querer não dizer nada
Gosto da insignificância dos morfemas
Na morbidez de um semantema inútil

Gosto dos vocábulos que comem gente
E de ouvir o grito mudo das conjunções
Gosto da infidelidade dos substantivos
Na inconsistência atávica de seu uso

Gosto da sobriedade dos advérbios
E de sentir a perspicácia das vogais
Gosto da consoante muda e inexata
Na ousadia prosódica dos falantes
 
LÍNGUA  : João Nery Pestana

DEVANEIO : João Nery

 
 
às vezes, um desvario insólito
absorve-me o pensamento
uma vontade incontrolável
derrama-se de minhas mãos

qualquer coisa inexplicável
inebriante como o arrebol
faz-me sentir a extensão
dos eus que vivem em mim

meu pensar inútil e inexato
conduz-me ao inacessível
num ponto eqüidistante
entre o real e o devaneio

face a face, olhos e sonhos
reconheço-me em todos
e numa indizível espiral
caminhamos submissos

na incerteza desconexa
dos nossos existires.
 
DEVANEIO  :  João Nery

SEXTO SENTIDO

 
ouço tua beleza
no silêncio de teus olhos
escuto teu perfume
no toque de teus gestos
degusto com veracidade
cada instante de tua ausência
e com palpável ternura
o não lugar onde existimos.

www.jneryliteral.blogspot.com
 
SEXTO SENTIDO

A GENIALIDADE EM PESSOA -- João Nery Pestana

 
Difícil é precisar quem a arte e quem o artista. Quem o criador, quem a criatura, quem o louco ou quem a loucura. Ora um, ora outros, seus feitos, feito verdades inacabadas, encontraram nas páginas do tempo o não espaço perfeito para recriar o seu mundo. E assim, contrariando as predições de todos os vates, que nada disseram a seu respeito, apoderou-se de uma pena que, tendo pena de seus prantos, atendeu-lhe os delírios: haja vida! E a vida se fez. Nascia um amigo sem rosto e sem alma, porém à sua neurastênica imagem e semelhança psíquica, com quem trocou as ingênuas confidências de um menino prodígio. Menino que, como criatura, experimentou a dor da perda precoce, do medo, do exílio e da solidão. Como criador a si mesmo devorou o estro e, com a irreprimível benevolência dos iniciados, poupou a costela do ser criado, retirando das próprias entranhas outros, e tantos que os sucederam, para que se cumprisse o profético: crescei e multiplicai-vos! -- emudecido nas entrelinhas de uma epístola não escrita. Sendo o criador, nada ordenou, nada pediu, apenas sugeriu que salpicassem de sonhos a terra e que todas as artes se submetessem a uma reverificação.

Para que se cumprissem os desígnios de uma inverdade artística, generosamente deu às suas criaturas as próprias mãos. E, numa demonstração de desapego às glórias efêmeras, delegou ao mais simples dos criados o atributo de mestre a quem se submeteu, bem como lhe seguindo o exemplo o fizeram campos, reis e outros inexistentes seres.

Não estamos diante de um ser incriado. Conta-se que seu surgimento se deu no fim do século dezenove. O pai, funcionário público e crítico musical nas horas de ócio, de quem o inquieto menino herdara o gene da arte, o deixou muito cedo, uma perda que, por toda a vida, lacunaria sua inocente alma. A mãe, em seguida, desposada, vai dividir o afeto com membros de uma nova estirpe, deixando ao pequeno gênio sobrados motivos para quedar-se cismativo e absorto ante a voluptuosidade do delírio que lhe perturbava o espírito.

Uns o tinham como louco. Outros o concebiam como um gênio, daqueles que surge a cada mil anos. Quanto a ele por si mesmo, apenas um “fingir dor.” Se ninguém é profeta em sua terra, compreende-se o não reconhecimento de sua MENSAGEM, a perseguição aos seus ideários e a incompreensão dos seus ensinamentos. Teria ele vivido à frente do seu tempo? Quanto tempo? Ou teria sido aquele que haveria de destruir todos os clássicos e reedificá-los sob o primor de uma nova estética? Porém, ao vir despido dos convencionalismos que maculavam a intelectualidade vigente, foi rejeitado, injustiçado e oprimido, principalmente por aqueles que necessariamente deveriam compreendê-lo.

Eis o destino dos homens santos. Não bastasse a demonstração de humildade ao servir quando deveria ser servido, precisou também testificar seus milagres. Conta-se que, ao lançar sua verve no translúcido mar de palavras, tantas e diversificadas foram as produções que as folhas de papel tornaram-se escassas e as almas dos seres insuficientes para absorvê-las. Ainda assim, muitos foram os que o subjugaram.

Viveu esse homem privado de todos os confortos que almejam os mortais. Na solidão de seu humilde aposento, teve como companheiros seus delírios e suas lágrimas e como refúgio “o fundo de uma depressão sem fundo”. Aos quarenta e sete anos, era um velho cansado, tamanho o peso de todas as dores, medos e angústias que jaziam em suas retinas. A causa-morte continua um indelével mistério, como misteriosa também foi sua tenra vida. Sabe-se apenas que, naquela fatídica noite de novembro do ano de mil novecentos e trinta e cinco, seu corpo, ébrio e dorido, entregava-se às agruras da terra, enquanto sua alma, abstêmia liberta, recebia as glórias do universo.

No princípio era o verbo, e o verbo estava com ele, e o verbo era ele. Todos os outros foram feitos por meio dele, e sem ele nada do que foi feito se fez. Nele estava a verve, e a verve é luz da vida. A luz resplandece nas mentes, mas a sua arte prevaleceu sobre ela. Certamente Amém!

João Nery é escritor e poeta
http://jneryliteral.blogspot.com/
 
A GENIALIDADE EM PESSOA  --  João Nery Pestana

REVERSO : João Nery Pestana

 
eu quero escrever um poema
que deforme a tua lua
e que tua alma seminua
desfaleça ao percebê-lo

eu quero escrever um poema
com restos do meu soluço
que meus olhos dissolutos
se entorpeçam de desejo
o desejo de desvê-lo

eu quero escrever um poema
que resvale na ironia
e revele em simetrias
o desuso da saudade

eu quero um poema torto
escrito em linhas retas

que despoemise o amor
que destrua a minha crença
e me faça desigual

eu quero escrever um poema
que desdiga o que foi dito
que desfaça o que se fez
que desnude o desgosto
desbotado em cada gesto

e ao desanoitecer da noite
na desordem indiscreta
do desbeijo dos teus beijos
se estabeleça em teu regaço
o reverso dos meus versos
e no desabraço dos teus braços
eu me sinta um despoeta.

jneryliteral.blogspot.com
 
REVERSO  : João Nery Pestana

SOFREGDÃO : João Nery

 
co’a mente em chama, teu nome eu chamo
sôfrego, um canto eu canto ao ver-te
minh’alma débil, meu sono insano
sonhado em sonho, sonhando ter-te

que mal fiz eu aos céus? aos deuses infinitos?!
pra teu desprezo, qual grã-castigo assolar-me
em círculo sigo-te, aos prantos, aos gritos...
e com desgosto, viras o rosto pra não notar-me

se a ternura verte-me a alma só em olhar-te
(brama o ocaso, calam-se o tempo e o vendaval)
nefando engano, meu desengano, meu desejar-te

que prenda querer posso mais que admirar-te?
(entreguei-me a ti, inteiro, verossímil, colossal)
feliz um dia, hei de morrer de tanto amar-te.

http://jneryliteral.blogspot.com
 
SOFREGDÃO : João Nery

RITUAL

 
a noite chega lasciva
espalhando seu mistério
minha angústia é absorvida
por um suspiro etéreo

conto os fantasmas que passam
almas vazias, sombrias, inquietas
sinto cumprir nesse contínuo espaço
o lúgubre ofício dos poetas

sim! porque ser poeta

é aceitar os ritos do silêncio
festejar os sonhos inconstantes
e na abstração de um inusitado tempo
nascer e morrer a cada instante.
 
RITUAL

RECEITA

 
torcer

a

palavra

retorcê-la

até deixá-la

vazia

de

si

agora

sim

comece

a

tecer

o

poema
www.jneryliteral.blogspot.com
 
RECEITA