CLAUSURA
Não sublimo aos mares que
nenúfares trazem
nem ao ímpeto do desejo
esta coisa algoz
meu berço é sereno e
lúcida minha voz
quando detenho-me em clausuras
proscrevo os demônios aflitos
o que fazer então do amor desfeito
senão enterrá-lo à gritos?
NÓDOAS
Desse amor
eu juntei o pó
e espalhei pela casa;
sujei as louças
quebrei os vidros
derramei o óleo
sobre os espelhos da casa
pra minha visão ficar
eternamente
embaçada de ti;
à tardinha
juntei os cacos
amornados de sol
e cortei os pulsos
que se mantinham atados a ti;
corri pra varanda
sangrando restos de luz
pois não me restavam teus versos
nem tão pouco teu silêncio
apenas dei-me a contar estrelas
enquanto pude vê-las
e depois veio a chuva
escura
que lavou este chão imundo
de nódoas
tuas.
MORDIDA
Hoje senti na carne o sabor de tua primeira mordida
E dei-me a lembrar uma lembrança esquecida
Do que se tira da carne além do sabor da mordida;
Dei-me a sentir sem perceber o rubor das dentadas
Dos dentes na carne morna extasiada
Dei-me a senti-los afiados
Os quantos beijos sórdidos e roubados
Que permiti destes lábios encarnados;
Senti na carne os dentes ainda dormentes
Irrompendo a pele guardada
Fartamente inundada
Dos cheiros teus;
E dei-me a sentir sobre a pele latente
O golpe voraz de tua boca faminta
Exaurindo inocente
O rubor que me restava
De um amor agonizante
E os restos de minha carne indecente
Que somente a ti desamparava
Fortemente
AGLUTINAÇÃO
De um violento espasmo
fez-se o absurdo
o surdo momento
entorpecido de gases
daí fundiram-se todos os metais
possíveis reais
sólidos
e os bólidos em chamas
perturbaram a natureza
e a impudência dos vegetais.
Quando foi tempo
todos os seres humanos nucleares
ativaram ogivais elementares
e fatais
quais serem humanos mentais
todos envoltos em pânico
desabaram sobre si próprios
e daquela cena no espaço
de um violento espasmo
houve o princípio de Criação.
VERBO
onde
conjugar meu verbo
receber teu hálito
abrandar meu desejo
de macho
senão
nestes
cabelos fartos
nesta boca que é seda
neste corpo
onde agora me
encaixo?
ORÁCULOS DE SOL
É quando o sol com seus oráculos
ateia fogo à tarde que multiplica-se
nas horas de silêncio e mormaço
enquanto nas frutas adormece o açúcar
amadurecido – na carne – através do dia
O dia é esse: estas manhãs e tardes
acesas num relâmpago que se propaga
em convulsão; esta combustão de luzes
súbitas arrancadas das entranhas do céu
esta flor em fogo que nos incinera em silêncio;
Dia – objeto
do tempo – elemento
necessário à sublimação vegetal. Sob seu árduo
trabalho
a arquitetura do sol
a alimentar algebricamente as articulações da terra.
Presa ao chão, a raiz submete-se à necessária
escuridão.
O dia findo previsto na conjuração carnal
previsto no calendário obtuso
nas hordas televisivas
e um sol freqüente a questionar-me
( e eu a ele ) o desgastar das nossa vidas;
indagar a si mesmo é como prever
a própria morte. A morte dissecada
nos relógios
na amputação das horas.
Sol. Fúria de anjos sobre a pedra e o mar inadiável
sobre a pedra e o sal incendiando-se sobre
a pedra sempre pedra acesa ao sol
crepúsculos de incêndios purpúreos apagados
pelo mar aflito a rebentar irrequieto
sobre as constelações das praias
sol sol que espero sob tua agonizante vigília?
eu – verbo presente a conjugar-me –
aceso o amor das horas escaldantes
sepulcro de vozes inabitadas nas gargantas:
a piedade dos anjos não nos libertará
dos verões diurnos
O sol é cúmplice da pedra no silêncio
e no soluço onde te abraço e confesso:
onde se alimenta o fogo destas horas?