Poemas, frases e mensagens de Paulolx

Seleção dos poemas, frases e mensagens mais populares de Paulolx

O peso de tantas vidas

 
Acordo sobressaltado com o piar do telefone. Reconheço de imediato o toque melodiosamente maternal do dito e escorrego escadas abaixo.
A ajuda da memória fez com que não me tivesse enganado e ela lá está, carente, insegura, triste, mãe.
Com o seu primeiro suspiro e sem o auxilio da vista já sei o quão grave e antigo é o problema e preparo o coração para o embate.
A razão, que para o bem e para o mal nunca me abandona, é o meu escudo para as palavras gemidas e magoadas que oiço.
Não faço nada, não quero fazer nada, nem ouvir queria.
As palavras brotam sufocadas pelas lágrimas e em breve sinto-me afogar na tristeza alheia. Sinto o gosto do meu sangue enquanto mordo os nós, secos, dos meus dedos em desespero e raiva.
Mas calado, mudo, não respirando sequer. Ouvindo, ouvindo apenas, amando e não compreendendo em silêncio mas a tudo aceitando.
A Luz que cintila em nós é a mesma, apenas cambiando nos tons ou brilhos e creio ser pela diferença que a mais alcançamos.
Deixo que o Amor comande tudo o que sou com a certeza de que é este o Caminho. Sem Medo aceito as escolhas dos outros, por mais dolorosas que elas me sejam, e estou pronto a lutar por elas ou contra elas apenas por Amor a quem escolhe.
Passei a vida a ouvir que aquilo que nos faz é o que fazemos, quando afinal nunca consegui fazer aquilo que realmente queria.
O alcance dos meus actos é diminuto quando visto do alto da minha consciência e desconfio que nem uns, os actos, nem outra, a consciêcia, derivam inteiramente de Mim.
Sinto o peso de Tudo o que vive em todas as Vidas. Na minha, na dela,na tua. Tu que me lês,aparentemente apenas porque queres, respondes apenas a uma necessidade tão primária como o comer.
A necessidade de te sentires validado e parte de algo maior que tu próprio. Infelizmente os véus são muitos e cada vez mais dissimulados e perdes-te, perco-me, em observações e análises de algo que nunca foste Tu, Eu.
O peso de tantas vidas passadas criam estradas na Vida das quais é difícil fugir e passamos o tempo a tentar limar as arestas na ânsia de encaixar melhor num puzzle do qual não conhecemos a imagem final. Não aceitando que o nosso lugar sempre lá esteve e estará.
Ela continua o seu iludido desabafo e eu sem nada dizer. Apenas amando e tentando não sofrer com isso. Subitamente, sem que eu nada dissesse, ela própria chegou onde nunca tinha estado. E gostou.
Trocámos, agora sim, palavras nossas e sem nada dizer tudo ficou como devia estar.
Vejo-me uma pequena jangada de carbono, usando o medo como âncora e o amor como vela, navegando no mar de todas as Vidas.
 
O peso de tantas vidas

FMI de José Mário Branco

 
 
Cachucho não é coisa que me traga a mim
Mais novidade do que lagostim
Nariz que reconhece o cheiro do pilim
Distingue bem o mortimor do meirim
A produtividade, ora aí está, quer dizer
Há tanto nesta terra que ainda está por fazer
Entrar por aí a dentro, analisar, e então
Do meu 'attachi-case' sai a solução!

FMI Não há graça que não faça o FMI
FMI O bombástico de plástico para si
FMI Não há força que retorça o FMI

Discreto e ordenado mas nem por isso fraco
Eis a imagem 'on the rocks' do cancro do tabaco
Enfio uma gravata em cada fato-macaco
E meto o pessoal todo no mesmo saco
A produtividade, ora aí está, quer dizer
Não ando aqui a brincar, não há tempo a perder
Batendo o pé na casa, espanador na mão
É só desinfectar em superprodução!

FMI Não há truque que não lucre ao FMI
FMI O heróico paranóico 'hara-quiri'
FMI Panegírico, pro-lírico daqui

Palavras, palavras, palavras e não só
Palavras para si e palavras para dó
A contas com o nada que swingar o sol-e-dó
Depois a criadagem lava o pé e limpa o pó
A produtividade, ora nem mais, célulazinhas cinzentas
Sempre atentas
E levas pela tromba se não te pões a pau
Num encontrão imediato do 3º grau!

FMI Não há lenha que detenha o FMI
FMI Não há ronha que envergonhe o FMI
FMI ...

Entretém-te filho, entretém-te, não desfolhes em vão este malmequer que bem-te-quer, mal-te-quer, vem-te-quer, ovomalt'e-quer, messe gigantesca, vem-te vindo, vi-me na cozinha, vi-me na casa-de-banho, vi-me no Politeama, vi-me no Águia D'ouro, vi-me em toda a parte, vem-te filho, vem-te comer ao olho, vem-te comer à mão, olha os pombinhos pneumáticos que te orgulham por esses cartazes fora, olha a Música no Coração da Indira Gandi, olha o Muchê Dyane que te traz debaixo d'olho, o respeitinho é muito lindo e nós somos um povo de respeito, né filho? Nós somos um povo de respeitinho muito lindo, saímos à rua de cravo na mão sem dar conta de que saímos à rua de cravo na mão a horas certas, né filho? Consolida filho, consolida, enfia-te a horas certas no casarão da Gabriela que o malmequer vai-te tratando do serviço nacional de saúde. Consolida filho, consolida, que o trabalhinho é muito lindo, o teu trabalhinho é muito lindo, é o mais lindo de todos, como o astro, não é filho? O cabrão do astro entra-te pela porta das traseiras, tu tens um gozo do caraças, vais dormir entretido, não é? Pois claro, ganhar forças, ganhar forças para consolidar, para ver se a gente consegue num grande esforço nacional estabilizar esta destabilização filha-da-puta, não é filho? Pois claro! Estás aí a olhar para mim, estás a ver-me dar 33 voltinhas por minuto, pagaste o teu bilhete, pagaste o teu imposto de transação e estás a pensar lá com os teus botões: Este tipo está-me a gozar, este gajo quem é que julga que é? Né filho? Pois não é verdade que tu és um herói desde de nascente? A ti não é qualquer totobola que te enfia o barrete, meu grande safadote! Meu Fernão Mendes Pinto de merda, né filho? Onde está o teu Extremo Oriente, filho? Ah-ni-qui-bé-bé, ah-ni-qui-bó-bó, tu és 'Sepuldra' tu és Adamastor, pois claro, tu sozinho consegues enrabar as Nações Unidas com passaporte de coelho, não é filho? Mal eles sabem, pois é, tu sabes o que é gozar a vida! Entretém-te filho, entretém-te! Deixa-te de políticas que a tua política é o trabalho, trabalhinho, porreirinho da Silva, e salve-se quem puder que a vida é curta e os santos não ajudam quem anda para aqui a encher pneus com este paleio de Sanzala e ritmo de pop-xula, não é filho?
A one, a two, a one two three

FMI dida didadi dadi dadi da didi
FMI ...

Come on you son of a bitch! Come on baby a ver se me comes! Come on Luís Vaz, 'amanda'-lhe com os decassílabos que os senhores já vão ver o que é meterem-se com uma nação de poetas! E zás, enfio-te o Manuel Alegre no Mário Soares, zás, enfio-te o Ary dos Santos no Álvaro de Cunhal, zás, enfio-te o Zé Fanha no Acácio Barreiros, zás, enfio-te a Natalia Correia no Sá Carneiro, zás, enfio-te o Pedro Homem de Melo no Parque Mayer e acabamos todos numa sardinhada ao integralismo Lusitano, a estender o braço, meio Rolão Preto, meio Steve McQueen, ok boss, tudo ok, estamos numa porreira meu, um tripe fenomenal, proibido voltar atrás, viva a liberdade, né filho? Pois, o irreversível, pois claro, o irreversívelzinho, pluralismo a dar com um pau, nada será como dantes, agora todos se chateiam de outra maneira, né filho? Ora que porra, deixa lá correr uma fila ao menos, malta pá, é assim mesmo, cada um a curtir a sua, podia ser tão porreiro, não é? Preocupações, crises políticas pá? A culpa é dos partidos pá! Esta merda dos partidos é que divide a malta pá, pois pá, é só paleio pá, o pessoal na quer é trabalhar pá! Razão tem o Jaime Neves pá! (Olha deixaste cair as chaves do carro!) Pois pá! (Que é essa orelha de preto que tens no porta-chaves?) É pá, deixa-te disso, não destabilizes pá! Eh, faz favor, mais uma bica e um pastel de nata. Uma porra pá, um autentico desastre o 25 de Abril, esta confusão pá, a malta estava sossegadinha, a bica a 15 tostões, a gasosa a sete e coroa... Tá bem, essa merda da pide pá, Tarrafais e o carágo, mas no fim de contas quem é que não colaborava, ah? Quantos bufos é que não havia nesta merda deste país, ah? Quem é que não se calava, quem é que arriscava coiro e cabelo, assim mesmo, o que se chama arriscar, ah? Meia dúzia de líricos, pá, meia dúzia de líricos que acabavam todos a fugir para o estrangeiro, pá, isto é tudo a mesma carneirada! Oh sr. guarda venha cá, á, venha ver o que isto é, é, o barulho que vai aqui, i, o neto a bater na avó, ó, deu-lhe um pontapé no cu, né filho? Tu vais conversando, conversando, que ao menos agora pode-se falar, ou já não se pode? Ou já começaste a fazer a tua revisãozinha constitucional tamanho familiar, ah? Estás desiludido com as promessas de Abril, né? As conquistas de Abril! Eram só paleio a partir do momento que tas começaram a tirar e tu ficaste quietinho, né filho? E tu fizeste como o avestruz, enfiaste a cabeça na areia, não é nada comigo, não é nada comigo, né? E os da frente que se lixem... E é por isso que a tua solução é não ver, é não ouvir, é não querer ver, é não querer entender nada, precisas de paz de consciência, não andas aqui a brincar, né filho? Precisas de ter razão, precisas de atirar as culpas para cima de alguém e atiras as culpas para os da frente, para os do 25 de Abril, para os do 28 de Setembro, para os do 11 de Março, para os do 25 de Novembro, para os do... que dia é hoje, ah?

FMI Dida didadi dadi dadi da didi
FMI ...

Não há português nenhum que não se sinta culpado de qualquer coisa, não é filho? Todos temos culpas no cartório, foi isso que te ensinaram, não é verdade? Esta merda não anda porque a malta, pá, a malta não quer que esta merda ande, tenho dito. A culpa é de todos, a culpa não é de ninguém, não é isto verdade? Quer isto dizer, há culpa de todos em geral e não há culpa de ninguém em particular! Somos todos muita bons no fundo, né? Somos todos uma nação de pecadores e de vendidos, né? Somos todos, ou anti-comunistas ou anti-faxistas, estas coisas até já nem querem dizer nada, ismos para aqui, ismos para acolá, as palavras é só bolinhas de sabão, parole parole parole e o Zé é que se lixa, cá o pintas azeite mexilhão, eu quero lá saber deste paleio vou mas é ao futebol, pronto, viva o Porto, viva o Benfica, Lourosa, Lourosa, Marraças, Marraças, fora o arbitro, gatuno, bora tudo p'ro caralho, razão tinha o Tonico de Bastos para se entreter, né filho? Entretém-te filho, com as tuas viúvas e as tuas órfãs que o teu delegado sindical vai tratando da saúde aos administradores, entretém-te, que o ministro do trabalho trata da saúde aos delegados sindicais, entretém-te filho, que a oposição parlamentar trata da saúde ao ministro do trabalho, entretém-te, que o Eanes trata da saúde à oposição parlamentar, entretém-te, que o FMI trata da saúde ao Eanes, entretém-te filho e vai para a cama descansado que há milhares de gajos inteligentes a pensar em tudo neste mesmo instante, enquanto tu adormeces a não pensar em nada, milhares e milhares de tipos inteligentes e poderosos com computadores, redes de policia secreta, telefones, carros de assalto, exércitos inteiros, congressos universitários, eu sei lá! Podes estar descansado que o Teng Hsiao-Ping está a tratar de ti com o Jimmy Carter, o Brezhnev está a tratar de ti com o João Paulo II, tudo corre bem, a ver quem se vai abotoar com os 25 tostões de riqueza que tu vais produzir amanhã nas tuas oito horas. A ver quem vai ser capaz de convencer de que a culpa é tua e só tua se o teu salário perde valor todos os dias, ou de te convencer de que a culpa é só tua se o teu poder de compra é como o rio de S. Pedro de Moel que se some nas areias em plena praia, ali a 10 metros do mar em maré cheia e nunca consegue desaguar de maneira que se possa dizer: porra, finalmente o rio desaguou! Hão te convencer de que a culpa é tua e tu sem culpa nenhuma, tens tu a ver, tens tu a ver com isso, não é filho? Cada um que se vá safando como puder, é mesmo assim, não é? Tu fazes como os outros, fazes o que tens a fazer, votas à esquerda moderada nas sindicais, votas no centro moderado nas deputais, e votas na direita moderada nas presidenciais! Que mais querem eles, que lhe ofereças a Europa no natal?! Era o que faltava! É assim mesmo, julgam que te levam de mercedes, ora toma, para safado, safado e meio, né filho? Nem para a frente nem para trás e eles que tratem do resto, os gatunos, que são pagos para isso, né? Claro! Que se lixem as alternativas, para trabalho já me chega. Entretém-te meu anjinho, entretém-te, que eles são inteligentes, eles ajudam, eles emprestam, eles decidem por ti, decidem tudo por ti, se hás-de construir barcos para a Polónia ou cabeças de alfinete para a Suécia, se hás-de plantar tomate para o Canada ou eucaliptos para o Japão, descansa que eles tratam disso, se hás-de comer bacalhau só nos anos bissextos ou hás-de beber vinho sintético de Alguidares-de-Baixo! Descansa, não penses em mais nada, que até neste país de pelintras se acho normal haver mãos desempregadas e se acha inevitável haver terras por cultivar! Descontrai baby, come on descontrai, arrefinfa-lhe o Bruce Lee, arrefinfa-lhe a macrobiótica, o biorritmo, o euroscópio, dois ou três ofeneologistas, um gigante da ilha de Páscoa e uma Grace do Mónaco de vez em quando para dar as boas festas às criancinhas! Piramiza filho, piramiza, antes que os chatos fujam todos para o Egipto, que assim é que tu te fazes um homenzinho e até já pagas multa se não fores ao recenseamento. Pois pá, isto é um país de analfabetos, pá! Dá-lhe no Travolta, dá-lhe no disco-sound, dá-lhe no pop-xula, pop-xula pop-xula, iehh iehh, J. Pimenta forever! Quanto menos souberes a quantas andas melhor para ti, não te chega para o bife? Antes no talho do que na farmácia; não te chega para a farmácia? Antes na farmácia do que no tribunal; não te chega para o tribunal? Antes a multa do que a morte; não te chega para o cangalheiro? Antes para a cova do que para não sei quem que há-de vir, cabrões de vindouros, ah? Sempre a merda do futuro, a merda do futuro, e eu ah? Que é que eu ando aqui a fazer? Digam lá, e eu? José Mário Branco, 37 anos, isto é que é uma porra, anda aqui um gajo cheio de boas intenções, a pregar aos peixinhos, a arriscar o pêlo, e depois? É só porrada e mal viver é? O menino é mal criado, o menino é 'pequeno burguês', o menino pertence a uma classe sem futuro histórico... Eu sou parvo ou quê? Quero ser feliz porra, quero ser feliz agora, que se foda o futuro, que se foda o progresso, mais vale só do que mal acompanhado, vá mandem-me lavar as mãos antes de ir para a mesa, filhos da puta de progressistas do caralho da revolução que vos foda a todos! Deixem-me em paz porra, deixem-me em paz e sossego, não me emprenhem mais pelos ouvidos caralho, não há paciência, não há paciência, deixem-me em paz caralho, saiam daqui, deixem-me sozinho, só um minuto, vão vender jornais e governos e greves e sindicatos e policias e generais para o raio que vos parta! Deixem-me sozinho, filhos da puta, deixem só um bocadinho, deixem-me só para sempre, tratem da vossa vida que eu trato da minha, pronto, já chega, sossego porra, silêncio porra, deixem-me só, deixem-me só, deixem-me só, deixem-me morrer descansado. Eu quero lá saber do Artur Agostinho e do Humberto Delgado, eu quero lá saber do Benfica e do bispo do Porto, eu quero se lixe o 13 de Maio e o 5 de Outubro e o Melo Antunes e a rainha de Inglaterra e o Santiago Carrilho e a Vera Lagoa, deixem-me só porra, rua, larguem-me, zórpila o fígado, arreda, 'terneio' Satanás, filhos da puta. Eu quero morrer sozinho ouviram? Eu quero morrer, eu quero que se foda o FMI, eu quero lá saber do FMI, eu quero que o FMI se foda, eu quero lá saber que o FMI me foda a mim, eu vou mas é votar no Pinheiro de Azevedo se eu tornar a ir para o hospital, pronto, bardamerda o FMI, o FMI é só um pretexto vosso seus cabrões, o FMI não existe, o FMI nunca aterrou na Portela coisa nenhuma, o FMI é uma finta vossa para virem para aqui com esse paleio, rua, desandem daqui para fora, a culpa é vossa, a culpa é vossa, a culpa é vossa, a culpa é vossa, a culpa é vossa, a culpa é vossa, oh mãe, oh mãe, oh mãe, oh mãe, oh mãe, oh mãe, oh mãe...

Mãe, eu quero ficar sozinho... Mãe, não quero pensar mais... Mãe, eu quero morrer mãe.
Eu quero desnascer, ir-me embora, sem ter que me ir embora. Mãe, por favor, tudo menos a casa em vez de mim, outro maldito que não sou senão este tempo que decorre entre fugir de me encontrar e de me encontrar fugindo, de quê mãe? Diz, são coisas que se me perguntem? Não pode haver razão para tanto sofrimento. E se inventássemos o mar de volta, e se inventássemos partir, para regressar. Partir e aí nessa viajem ressuscitar da morte às arrecuas que me deste. Partida para ganhar, partida de acordar, abrir os olhos, numa ânsia colectiva de tudo fecundar, terra, mar, mãe... Lembrar como o mar nos ensinava a sonhar alto, lembrar nota a nota o canto das sereias, lembrar o depois do adeus, e o frágil e ingénuo cravo da Rua do Arsenal, lembrar cada lágrima, cada abraço, cada morte, cada traição, partir aqui com a ciência toda do passado, partir, aqui, para ficar...

Assim mesmo, como entrevi um dia, a chorar de alegria, de esperança precoce e intranquila, o azul dos operários da Lisnave a desfilar, gritando ódio apenas ao vazio, exército de amor e capacetes, assim mesmo na Praça de Londres o soldado lhes falou: Olá camaradas, somos trabalhadores, eles não conseguiram fazer-nos esquecer, aqui está a minha arma para vos servir. Assim mesmo, por detrás das colinas onde o verde está à espera se levantam antiquíssimos rumores, as festas e os suores, os bombos de lava-colhos, assim mesmo senti um dia, a chorar de alegria, de esperança precoce e intranquila, o bater inexorável dos corações produtores, os tambores. De quem é o carvalhal? É nosso! Assim te quero cantar, mar antigo a que regresso. Neste cais está arrimado o barco sonho em que voltei. Neste cais eu encontrei a margem do outro lado, Grandola Vila Morena. Diz lá, valeu a pena a travessia? Valeu pois.

Pela vaga de fundo se sumiu o futuro histórico da minha classe, no fundo deste mar, encontrareis tesouros recuperados, de mim que estou a chegar do lado de lá para ir convosco. Tesouros infindáveis que vos trago de longe e que são vossos, o meu canto e a palavra, o meu sonho é a luz que vem do fim do mundo, dos vossos antepassados que ainda não nasceram. A minha arte é estar aqui convosco e ser-vos alimento e companhia na viagem para estar aqui de vez. Sou português, pequeno burguês de origem, filho de professores primários, artista de variedades, compositor popular, aprendiz de feiticeiro, faltam-me dentes. Sou o Zé Mário Branco, 37 anos, do Porto, muito mais vivo que morto, contai com isto de mim para cantar e para o resto.

Não me resta acrescentar mais nada.
Podem ver a 2ªparte do video no meu perfil.
Um dos maiores poetas portugueses.
 
FMI de José Mário Branco

Os pássaros caem das árvores

 
O Sol escalda longe e nada mais que morno me sinto.
A chuva que teima em não descolar coloca uma nostalgia acrescida na já enfadada vida.
Sento-me no musgo e sinto a humidade subir pelos meus ossos.
Um banho deveria ser de dentro para fora.
Tento renovar-me mas o velho EU é ditador esclarecido.
Á minha volta as árvores murmuram entre si como se eu ali não estivesse. A minha falta de capacidade para entender o mais simples faz-me pensar em não mais cortar o cabelo.
Por estranho que pareça a Natureza decorre na minha presença.
Pareço ser um fantasma de alguém que ainda nem sequer nasceu.
Uma toupeira fareja os meus pés parecendo aborrecida por comida não serem.
Uma minhoca escorrega ligeira e sem cú nem cabeça rapidamente se afunda no úterino húmus.Uma ladina raposa morde o próprio rabo talvez comemorando o facto de ainda ter previdência materna.
Enquanto observo a vida correr solta e sem tempo as minhas mãos fazem rituais antigos.Aves diversas chegam em bandos.
O restolhar de penas,folhas e mortalhas,o jogo de luzes e sombras baralham os meus sentidos.
Um coelho cheira a erva mas não reconhece o efeito e sai sem pressa. O Sol parece perder o fulgor.Olhos ao alto.
A copa das árvores está pejada de aves.A vista custa a habituar-se.
Uma massa viva que só pode ser a mesma tem os seus olhos em mim.
Os meus movimentos.Antigos, automáticos parecem hipnotizar as aves.
A musica vem do nada.No momento em que o fogo inicia o gozo, a brisa ganha melodia, as notas esparsas vindas das aves roçam a perfeição...Até as árvores parecem pulsar um baixo sub-terreno.
O fumo percorre-me.A musica faz-me levitar. Não consigo evitar uma lágrima. A beleza sempre me emocionou.
A lágrima sendo colírio faz-me ver o estranho do caso.
As aves,grandes,pequenas,médias,coloridas ou pardas, todas parecem seguir, com os olhos, o fumo na sua marcha ascendente.
A descoberta deixa-me agradávelmente perplexo. Como se de incenso se tratasse faço movimentos circulares com o meu cigarro artesanal.
Os pássaros ondulam na direção do dito como se nada mais vissem.
O meu sorriso abre-se e Jesus está sentado a meu lado.
Encho-me de fumo até rebentar e depois dum folêgo sopro-o para o topo das árvores!
Nesse momento todas as aves abrem os bicos em uníssono,parecendo inspirar profundamente e de seguida caem mortas no chão.
A minha tristeza não é comparável ao meu espanto quando vi,juro que vi, um sorriso em cada bico das ditas avezinhas.
 
Os pássaros caem das árvores

Voltas e voltas

 
Como se de uma noite de sono se tratasse estou de volta a onde nunca estou. O comprimido tropa faz o efeito necessário e até as dores se tornam velhas conhecidas.
Escorando-me numa velha cadeira ponho a minha alma a nú perante ninguém, talvez tentando justificar tanta acção.
Não sinto nem tempo nem distância, como se todos aqueles e aquilos que amo lá estejam, congelados na pureza da ausência, aguardando o meu regresso.
Sinto em mim um rio de Vida correr livremente e já me sinto parte do Fim, seja ele qual for, aguardando em Paz mais essa mudança.
Os afectos, que cada vez menos me enlaçam, são jóias que teimo em guardar, queridas, junto ao peito, na doce certeza da sua intemporalidade.
As palavras que me encontram avulso cimentam algo que sempre esteve em mim e nem minha mãe poderia ter feito melhor.
Ao espelho vejo as marcas de tantas gargalhadas e não posso evitar mais um sorriso ao ver que aquilo que nos marca é o que nos deu prazer.
Reconheço e agradeço o conforto e segurança construidos pelo meu Ego mas tento não me deixar confortável na certeza da mudanças vindoiras.
Não querendo mais fugir a um corpo que ainda é meu vejo as escadas que me vão levar a pastos verdejantes e desligando-me das redes vou sózinho para o colo do velho Morfeu continuando a alimentar a fantasia de acordar numa nova realidade...
 
Voltas e voltas

Pedra Viva

 
Sentado na margem dum rio observo os carraceiros criar estreitas relações com os bovinos que ruminam nos pastos.
Como se de um bailado se tratasse, a ave voa primeiro em frente dos cornos do animal recordando-lhe algo de muito antigo. Depois suavemente poisa no luzidio lombo do quadrúpede e começa a sua caçada. Com bicadas cirúrgicas cata o animal de insectos indesejados enquanto enche o bandulho. O bovino dá livre acesso ao alado companheiro e não é raro que a sobremesa seja comida directamente das portentosas orelhas do paciente animal.
Enquanto contemplava esta cena, sentado em paz, na beira do rio, reparo nos meus pés,que calçando as minhas pesadas e enlameadas botas, repousam a seco numa pedra que desconfio já aqui está faz muito. A principio foi como se uma fresca brisa me lavasse inteiro mas á medida que me focava somente naquela pedra, nos seus contornos, cores, texturas,cheiros e tudo o mais foi como se ela mesmo me tivesse perguntado algo.
"Tens tu consciência da minha existência e utilidade?"
Custou-me a agarrar o momento mas a medo enfrentei a dúvida. Tristemente tive que admitir que o meu respeito por aquilo que me é diferente deixa muito a desejar.
Com esta consciência mas com uma vontade ainda maior de fazer melhor retiro os pés daquele corpo firme e ajoelhando-me na relva coloco as mãos em concha, que retiro cheia de frescas águas daquele rio e em agradecimento lavo aquela pedra para que ela possa ser para outros o que é para mim.
A Vida!
 
Pedra Viva

Improviso após susto

 
A Morte cruzou-se uma vez mais no meu caminho.
Inexplicávelmente, como já vai sendo hábito, a coisa correu pelo melhor.
No meio da minha ânsia e desdém pela vida alguém toma as rédeas por momentos e tudo acaba bem.
As pernas bambas e o gosto a perigo nos lábios duram segundos e o foco surge limpído e brutal.
A Vida continua e senão acabou é bom que continue para melhor. O carro volta á estrada, seguro como sempre, e em horas tenho o melhor sorriso das últimas duas décadas.
Ao menino e ao borracho põe Ele a mão por baixo.
Borracho não sou, mas menino hei-de ser sempre.
Com esta firme certeza agradeço uma vez mais a Vida que continuo a Ser e prossigo alegremente.
 
Improviso após susto

Onírico Real

 
Encaro os sonhos nos olhos e sorrio confiante.
Estas maravilhosas manifestações dum Real ainda não concretizado são afinal aquilo que nos faz avançar no desconhecido.
Alguns parecem ter condenado os sonhadores a um exílio forçado.
O desdém com que somos enfrentados deixa pouco lugar a esperança mas felizmente o Sonho não necessita de companhia e sabe que quem desdenha quer comprar.
Enquanto, fora do tempo, observo a pequena realidade que me rodeia deparo com os sonhos a tomarem forma e consistência a cada esquina.
Esta, ainda solitária, constatação enche-me de paz e confiança.
Sinto que nunca vivemos tempos tão abençoados e fantásticos e isto leva-me a flutuar de novidade em novidade. De sonho em sonho vou vivendo um gozo quase ansioso e indizível , bem longe de qualquer pesadelo exterior a mim.
Sem grande esforço vivo a vida que sempre quis e construo os meus sonhos a par e passo, usando respeitosamente aquilo que tenho e aquilo que me é dado a utilizar.
Só ou acompanhado, rindo ou chorando, pouco ou nada interessa.
A certeza de que nada será como d´antes chega para que eu enfrente o que vier de peito aberto, cajado na mão e sorriso nos lábios.
Por vezes sinto que tudo isto não passa dum belo e terrível Sonho.
Alguns acordam para ele, outros vivem-no até ao fim.
 
Onírico Real

Esponjas

 
Como me entristece o facto de continuar a ser uma esponja.
A permeabilidade confude-me o Ser.
 
Esponjas

Linguagem

 
Penso...Penso...
Escrevo...Escrevo...
Falo...Falo...
Oiço...Oiço...
Repenso...Repenso...

Vivendo uma vida recheada de simbologias e significados preconcebidos dou por mim amarrado a uma linguagem que não me satisfaz. Tudo o que digo fica aquém do queria/devia dizer e perco-me em atalhos e rodeios que receio fugirem aos temas.
Sinto-me rodeado de dogmas que clamam que os destruam pois estão velhos e decrépitos.
Pensava eu com os meus botões...Como quero eu estar?Melhor que o meu vizinho?Ou sabendo que ele está bem?...Perdido nesta questão interna reparei na lógica irrefutável do meu raciocínio e mais uma vez me vi obrigado o rejeitar a realidade que me rodeia e criar uma nova. Sempre preferi saber que o vizinho está bem a saber que estou melhor que ele e é essa a minha realidade. É impossível para mim viver bem numa esfera disfuncional logo só tenho que ajudar a esfera a funcionar melhor.
Leio livros na ansia de nada saber. Procurando a cada passo desconstruir o anterior.
Quase cegando com o brilho do Sol a comer-me as córneas todo eu sinto uma vida além.
Escolhendo desviar os olhos daquele brilhante hipnotizador acordo a esponja que há em mim e procuro o melhor neste momento saboreando-o tal qual coral filtrando plancton.
Aquilo que somos nao sao as palavras que nos descrevem mas sim os silencios entre elas. Sentido isto como poderei eu falar convictamente do que quer que seja?
Aquilo que sinto pelas palavras só encontra paralelo no que sinto pelas pessoas. Ora as amo ardentemente ora fujo delas como Jesus da cruz.
Querem-me fazer acreditar em valores mais altos, em coisas úteis, em factos concrectos, em verdades universais, quando na verdade eu apenas quero o silencio, a paz, a contemplaçao, o AMOR.
Ainda há umas meras dezenas de milhares de anos sussurávamos a medo, grunhiamos de prazer ou berrávamos de terror ou fúria e assim a vida corria simples.
Hoje sao milhoes de púlpitos e pregadores a cada esquina.Um televisao para cada alma.
E palavras, muitas palavras,iradas,confusas,compadecidas,sofridas,difusas,meigas,leigas ou eruditas todas tao válidas e bonitas como ocas e finitas. As vozes sao demais para um Homem ter vontade de falar.
Algo desiludido comigo mesmo sento-me a escrever e encontro-me novamente.
Encontro quem sempre fui. Quem nem sabia que era. Quem morria se fosse. Quem matava para ser.
As palavras podem encerrar um potencial mas o poder reside no detonador do mesmo.
 
Linguagem

Suavemente

 
Perdi a minha angústia com tal suavidade que quando dei por mim já era feliz assim.
 
Suavemente

Os poetas também precisam de carinho!

 
O Homem nasce poeta?
Ou nasce o Poeta homem?

Desconfiando sempre daquilo que motiva a pena tento atentar apenas na palavra. Mastigando-a gostosamente ausente de quem me a deu assim sigo eu.

Aquilo que alguém escreveu é sempre mais Belo que Eu mas o sentido é meu.

Relendo-me vejo claramente aquilo que quero e sou, mas vês-me tu assim? Não creio e nem o queria.

Como a maioria também eu procuro as palminhas alheias e o ocasional afago. Consolando-me assim pelas minhas vãs necessidades acabo enojado de mim e dos lisonjeadores.

Trilhando o fio desta liríca navalha resvalo da minha solitária altivez para a criança carente de aprovação que sempre fui.

O poeta sobranceiro emite pareceres que julga dignos. Distribuindo gratuitamente, ou nem por isso, a sua criação aos indignos dos mortais ansiosos por provar a beleza num corpo alheio.

A criança expectante, aguarda o reflexo dos seus actos buscando livre e inconsciente as balizas para o seu futuro. Sensível e delicada espera o Amor em todas as esquinas chorando quando o não vê.

Lutam os livros por olhos que os leiam e os poetas atraiçoam-se por uma rosa morta e cheirosa.
Sózinhos na página culpam a pena e será que vale?
 
Os poetas também precisam de carinho!

Obrigando-me a escrever

 
Vasculho á pressa o meu intìmo.
Necessito de motivos válidos que me forcem a pena.
Deixando-me enlear pelo fumo que sempre me rodeiou constato, sem mágoa, que já pouco tenho a dizer a mim mesmo.
Descanso a mente, adormeço o ego e arregaçando as mangas parto para aquilo que pede para ser feito e não descrito.
Poderão ser as palavras aquilo que nos afasta do que desejamos?
 
Obrigando-me a escrever

O sangue dos outros

 
Os elmos tristes com as mocadas sofridas pingam fluidos.
Descansa a espada no calor das tripas alheias.
Os braços possuidos por uma raiva primitiva são deuses da guerra.
De sacão a lâmina deixa o ninho vivo e o sangue volteia no ar.
A lingua sôfrega saboreia o sabor da vitima e os braços já buscam a próxima.

Na mente do artista nada existe a não ser a beleza da Vitória.
As causas do Mal nada são em tempo de luta.
A escolha foi feita egoticamente e já nada á a fazer.
Os braços gritam mudos estraçalhando carnes desconhecidas e mornas.

Um bailado mortal acontece e as peças encaixam.
A lei do mais forte continua actual e Darwin rebola de gozo na campa.
Mais uma vez o melhor venceu e um pelourinho nasce numa praça.
Os chicotes estão em exposicão e não faltam costados.

Chegam Homens esterilizados em busca de corpos frescos.
Com arte e sem sentido os sacos pretos são fechados.
Fazem-se contas á Morte e é preciso fazer alguma coisa.
Não se pode tingir um campo de vermelho sem um motivo.

Os gigantones provam o sangue alheio e temem pelo seu.
Tal qual cão que provou carne humana a vida em sociedade torna-se um risco.
Até quando conseguirão manter as mandíbulas cerradas.
Um dia chegará em que faremos brindes com o sangue de outros.
 
O sangue dos outros

A Saudade é um luxo

 
A chuva canta docemente á minha janela.
Cheiros novos trazem memórias antigas.
Jogo com as palavras até conceber aquilo que sinto.
Validando a vida com pequenos sons desnecessários.

As extremidades geladas pedem um corpo amado mas distante.
Temendo que amor demasiado possa matar desconfio.
Estribando os meus sentimentos na razão acabo sorrindo.
A veracidade do que sinto não esteve ,nunca , em causa,
Mas será sensato dar lugar a todos os sentimentos?

Afogando-me naquilo que não tenho acabaria por não ser.
Aceitando aquilo que vivo acabo criando algo novo.
A solidão que nunca assumi cuspiu uma saudade que prezo.
Partilhando as minhas mágoas com o vazio descubro aqueles que me amam.

A Saudade á um luxo que só sente quem já foi feliz.
 
A Saudade é um luxo

Não creio!

 
Não creio nas palavras que homens escrevem acerca de Deus. As obras humanas parecem-me a maior das vaidades.
Não creio em padres, políticos, conselheiros, psicólogos, pais ou outras ferramentas dum passado moribundo. As suas palavras cheiram a medo e o meu Amor chega para afugentá-las.
Não creio em cruzes, imagens ou fados. São para mim podres simbolos dum poder que quero morto.
Não creio em lei, moral ou justiça escolhendo viver apenas de acordo com aquilo que sou, não com aquilo que os outros esperam que eu seja.
Não creio no pecado sinal para mim do nosso pequeno e desmedido humanismo. Pecam os rios, as pedras ou as árvores? Não creio...
Creio num espirito humano que deseja a santificação sem questionar de onde vem esse desejo. Num espirito santo não creio...
Não creio no ego como ferramenta do Ser nem no ter para parecer.
Não creio em arrependimentos ou meas culpas que nos impedem de ver quem realmente somos.
Creio sim no assumir de toda a nossa Humanidade doa ela a quem doer.
Não creio em sociedades sejam elas quais forem mas acredito mais que nunca na família que vamos criando neste processo que é viver.
Não creio na morte pois ela não precisa da minha crença para ser.
Não creio na estabilidade, segurança ou harmonia pois sinto que tudo isso nos faz passar ao lado do que é estar Vivo.
Creio em mim e em ti sabendo o quanto ambos estamos limitados á nossa pequena parcela de realidade.
Não é por muito querer ou crer que mais vou ser.
Creio eu....
 
Não creio!

Uma questão de tamanho

 
Nascemos numa agradável mas modesta escala.
Concebemos o milimetro e o kilómetro mas além ou aquém disso falham-nos os sentidos.
A observação do que nos rodeia não confirma aquilo que a ciência prova e cada vez nos sentimos mais ansiosos.
A vontade de conhecer mais e melhor e a audácia de nada respeitar fazem com que o ciclo continue inexoravelmente. A lei do mais forte é apenas outro nome para a evolução. E sem dúvida seremos amanhã melhor que ontem fomos.
O futuro já começou e muitos de nós ainda não vimos mencionados nos manuais escolares.
Sentado, sem nada desejar, sem nada aceitar, sem nada crer, reconheço a diversidade dos caminhos desconfiando que os meus olhos apenas evitam que eu veja demais.
Dou por mim a sonhar-me capaz de atravessar paredes mas á ultima da hora duvido de mim mesmo e acabo a assobiar pelo canto do olho.
Tento pensar pequeno e acabo a vegetar com o aborrecimento da tarefa, o mundo atómico, quantico ou outro que tal são coisas das quais me interessa ler para não ter que as ouvir ou pensar.
O mesmo me acontece quando dou por mim a aumentar a escala. Pensar em milhões de anos, quilómetros, anos-luz, ou outra medida qualquer apenas me põe a pensar..."O que é que isso interessa?"
Resta-me apenas viver nesta minha bela carapaça tentando usá-la da melhor maneira para usufruir deste fantástico bónus que é um dia ter nascido.
Apesar de me sentir tantas vezes fora da minha escala o meu corpo acaba sempre por me trazer de volta ao que sou suposto ser.
 
Uma questão de tamanho

Humanismo desmedido

 
Serei eu o mais escondido e dissimulado dos fracassos? Sou eu, essencialmente, a besta selvagem e predadora procurando no meio as razões para justificar o injustificável?
Escalpelizando o meu caminho encontro as razões para não me fazer a Ele, as razões para não caminhar. Tentando a custo não ir contra aquilo que invento acabo por me condenar a ficar estagnado apesar de toda as minhas acções.
Questionando, duvidando, escutando, falando, mas parado, rombo, boto, quase morto. De tédio, de desamor a mim e á Vida que quer e merecia ser vivida de forma mais digna e Maior.
Assustado pela calada e revolucionária revelação custo a cair na minha forma.
Como se todas as preguiças do mundo me agarrassem pelas golas com as suas longas e imundas garras e me embalassem com doce e narcótica melodia. O asco e a languidez andam de mãos dadas e reparo que são o mais vulgar dos pares.
Receoso olho no espelho que eu sou e começo a duvidar se gosto do que não vejo.
A Luta que nos faz avançar gasta-me o ânimo.
Condenado por crer em ideais criados por mim, acabo sempre a querer algo melhor. De mim, dos outros, do mundo, da Vida.
Acabo a querer apenas aquilo que ainda não é, adiando assim uma Vida que me aguarda.
 
Humanismo desmedido

Amor

 
Amor que me fazes rir.
Amor que me confundes.
Amor que atrofias.

O que será?

Desejo de quem só quer desejar?
Passatempo de quem não quer passar o tempo só?
Doença que se quer parasitária e incurável?
Utopia imaginada por poetas?
Sublime ambição dos vulgares?

Não. Não quero.
Não. Não creio.

Creio num Amor intocável por palavras...
 
Amor

O Amor

 
Ai tanto que se escreve sobre o amor.
Porra qué demais tanta primavera entre os mortais.
Já caguei se nem rimei mas ao menos não me calei.

A todos os que busquem o seu amorzinho através da escrita, façam um favor a vocês mesmos e saiam de casa em busca dele!

Um copinho de aguardente
Dois copinhos de aguardente
Estes poemas deixam a gente quente.
Um copinho de licor
Dois copinhos de licor
Um balde de água fria na cabeça e passa-te já o calor!
 
O Amor

O fazedor de nada

 
Como semente que sou, nasci de borla e de borla morro. A doce certeza de que acabarei a dar de comer ás plantas minhas amigas enche-me de paz.
Lendo, relendo, sentindo, escutando apenas o bater de todos os corações que amo sinto tantos lados dum mesmo prisma.
Os actos e as palavras passam por mim como vento não deixando mais que um gostoso arrepio ou um aroma quente a especiarias.
Detenho-me naquilo que parece não ter nada para ver e aí descubro tudo aquilo que nunca ninguém me contou.
Questionando sempre as minhas acções dei por mim a passar cada vez mais tempo parado e a amar cada momento disso. Os movimentos são apenas os necessários ao avanço da vida e a onda atinge uma constância que quase iguala o seu alcance.
Comecei a queimar o meu dinheiro e vi os meus amigos a partilharem o calor da fogueira comigo.
A liberdade que nos une é o Amor que nos separa e estamos mais juntos que nunca.
Escolhi não mais erguer a mão para fazer algo que vá contra o meu coração e nunca encontrei qualquer resistência que não conseguisse vencer.
Tantas vezes de mãos nos bolsos quando me apetecia meter mão á obra. Cansadas as orelhas de tanto ouvir e fechada a boca para não alimentar aquilo que quero criticar.
Desviada que foi a lente mais claro me pareceu o caminho e dei por mim lá.
Não preveligiando nenhum lado da realidade acabo por ter uma melhor prespectiva do todo e depois de subir não há queda possível.
Quase alheio ás mesquinhas dores dou por mim quase coberto de musgo tal a paz emanente de mim.
Contente com esta minha capacidade de não fazer nada prossigo para mais nada fazer.
 
O fazedor de nada

A necessidade estará em escrever ou em ser lido?
Somos o que somos ou somos o queremos ser?
Será a contemplação inimiga da acção?
Estas e outras, muitas, dúvidas me levam a escrever na ânsia de me conhecer melhor e talvez conhecer outros.