Preta perdeu jeito de ser preta
A preta quer virar-se branca,
Cabelo caído nos ombros
Sacude a cabeça e regala os olhos
Pintados de morte.
Não venham a dizer que sou racista,
O que vos digo é pura verdade;
Preta de unhas de gel,
Já não arranha o ventre da terra
Já não vai a fonte, nem carrega o pote,
Pra cabelo da branca não desalinhar.
Não, não digam que sou preconceituoso,
Esta é verdade que vos digo;
Preta de lábios de batom,
Já não bebe maruvo
Nem sopra fogo num fogão à lenha.
Preta perdeu jeito de ser preta;
Perdeu tranças que brincavam com o vento
Na sanzala. Perdeu jeito de fazer prato de fuba,
De caldo de amendoim ou de chabéu,
Que vovó Tchica lhe ensinara,
Nas três pedras triangulares dum fogão,
Improvisado por ti-Zé.
Não, não me digam que isso
É xenofobia!
Barbeiros já não têm mãos a medir;
Cada fio de cabelo cortado na cabeça
Da branca, tem seu destino-cabeça da preta.
A preta já não usa tranças,
Que tia Tchinda soube fazer, à luz do candeeiro a petróleo.
O que vos digo é verdade palpável;
É o que se vê na baixa pombalina
Ou nas ruas de grande Paris.
Preta já não sabe dançar o batuque,
Já não sabe escutar o silêncio
Dos embondeiros,
Já não fala quimbundo,
Já não fala manjaco ou crioulo.
A preta só fala pretuguês, embutido
Na sua cabeça, cabeça de cabelo morto.
Preta ganhou o jeito da branca,
Perdeu o pôr do sol na sanzala
E o som do tam-tam dum corpo a enterrar.
Se me dizerem que tudo isso
É racismo
É preconceito ou xenofobia,
Declaro-vos;
Opositores da cultura africana.
Adelino Gomes-nhaca
Por quê o divórcio?
Por quê se divorciam os casais?
Ao altar subiram de braços dados,
Aos olhos de Deus juraram amarem-se,
Será que o amor é mortal?
Se mortal for, o que será da paixão
Compartilhada nos momentos felizes?
Choram corações no raiar do silêncio,
E no mutismo da verdade sangram almas
Na hora de anunciar a morte discutida,
Olhos fingem não ver o passado
Nem o presente assombrado
No olhar desalentado das crianças
Família desfeita, almas perdidas
Filhos dispersos, futuro incerto,
Nos corações desfeitos sepulta-se o amor
Longe do altar que os unira na paz e alegria
Adelino Gomes-nhaca
Sou apenas dono das minhas emoções
Por aqui vim expor minha dor d’alma,
Não sou poeta nem romancista,
Sou apenas dono das minhas emoções,
Que partilho de coração pra corações
Não sou mentor das sofridas dores,
Nem professor das discórdias
Que nasce e morre precoce,
Sou apenas um amante da poesia
Não sou fazedor das dissonâncias,
Nem árbitro das desavenças,
Sou apenas um apaixonado das concórdias
Mil vezes precisas no meu cantinho de lágrimas
Não sou juiz nem advogado do teu ideal,
Sou apenas admirador do teu mundo emotivo,
Habitado pelas emoções que brotam da tu’alma,
Dispensadas do banco de réu da comarca
Não sou guardião nem bibliotecário da tua poesia,
Sou apenas teu amigo no luzir da verdade,
Que ao ver-te partir, “faço da tripa o coração”
E nada mais acalma minha dor
Adelino Gomes
O nosso amor quinhoado
Minha inseparável companheira,
És dona dos meu sonhos,
Olhos dos meus olhos,
És minha escolhida hospedeira
Eu sou… jardineiro do teu coração,
Cultivador indomável da paixão
Que na tua alma, cintila de amor,
Vindo do céu nas asas do condor
Eu sou tua sede
E tu és minha fonte de águas cristalinas,
Beberei de ti, o suco que me concedes
Nas manhãs e noites de namoro
Nos prados ou no morro
Da felicidade do nosso amor quinhoado
Adelino Gomes-nhaca
Mãos cálidas e cheias do nada
Ando fungando sem tempo,
Tempo que não soube ganhar
Quando tive todo o tempo
Nas mãos cheias do nada fazer.
Enquanto tempo se desfazia
Como bolinhas de sabão,
Nas minhas mãos cheias do nada fazer,
Sorriam forças que o tempo levou.
Hoje, curvado na bengala do tempo,
Deambulo atrás do tempo
Pelas ruas destemperadas do tempo,
Que não quis aproveitar no tempo.
De mãos estendidas nas curvas do tempo,
Tento remediar o passado escorregadio
Com o vazio das minhas mãos
Cálidas e cheias do nada,
Por nada fazer enquanto havia tempo.
Adelino Gomes-nhaca
Vá em paz poeta Aquazulis
Domador de almas,
Tão cedo partiste,
Partiste sem despedir-se
Do Alentejo adormecido
Que te encantava e inspirava,
Na hora de fazer das palavras
O alimento da alma,
Que só tu sabias confecionar
No silêncio das madrugadas
Do Alentejo que te chora.
Partiste pra o azul dos céus
com o qual nos prendavas
Nos teus encantos poéticos.
Partiste, poeta aquazulis
Mas o teu legado não terá fim
No azul dos nossos corações.
Vá em paz, domador de corações
Que Deus o tenha entre os arcanjos.
Adelino Gomes-nhaca
O tempo pode fintar a velhice
Queria falar de ti, de nós
Dos tempos idos da infância
Dos toques tidos sem importância
Dos beijos adiados por inocência.
Tempo voa sem estacão,
Quando lembro nosso esconde-esconde
No pomar de N´ha Matilde
Concluo quão forte era nossa paixão.
Passa o tempo
Passam amores e dissabores
E do passado renasce nosso eterno amor.
O tempo pode fintar a velhice-não topo,
Minha paixão por ti
Rejuvenesce quanto mais velho for o tempo.
Adelino Gomes-nhaca
O mal e os sóis da verdade
Se o mal ocupa a alma
Não há nada que o tire,
E quando vem à tona,
Pelas bocas sem freios
Ou pelas mãos guiadas
Por mentes torpes,
Definham-se corações,
Tornam-se malditas as palavras ditas
E nenhuma norma as torna dóceis
Por mais que forem fustigadas
Pelos sóis da verdade,
A verdade nunca se esconde
Mas é escondida por ti e por mim,
Na nossa ignóbil hipocrisia
Adelino Gomes-nhaca
A verdade Acima de Tudo
A verdade nunca deixou de ser verdade
Quer faça sol, quer faça chuva,
Resistiu ao vento leste, nunca lamentou
Foi violada, estripada, nunca chorou
Viu passar tufões que a levaram ao precipício
Mas de lá saia intacta, sempre verdadeira,
Fiel a razão, sua companheira ao longo dos tempos,
Enfrentou vendavais sem vacilar nem lamentar
Se os homens fossem verdadeiros como a verdade,
A razão andaria de braços dados com a felicidade,
O paraíso desceria dos céus pra viver eternamente na terra
Os rios correriam tranquilos pelos prados
As manhãs seriam dóceis como o cantar dos pássaros
E os pastos encheriam dos sorrisos das crianças
Adelino Gomes-nhaca
Como distinguir lágrimas achadas?
No canto d’olho
Nascem lágrimas,
E numa emotiva confusão,
Pingam molhadas da razão
Que não sei dizer qual.
Pingam na dor, na alegria…
E mais, não sei dizer
Porque pingam e respingam
Sem pedir permissão aos olhos
Que olham e expelem-nas
Nos cenários da dor ou de alegria,
Por quê nascem lágrimas?
Na dor ou na alegria, pingam
Molhadas da razão, mas qual?
Achei lágrimas num pomar,
Serão elas da dor ou d’alegria?
Mais, não sei dizer,
Porque pingam e respingam
Envoltas em emoções,
Que os olhos não podem ver.
Adelino Gomes-nhaca