Alguma prosa subjetiva
Que primavera é essa oh meu Deus! Dores, de cabeça, de existência, de amor... Gostos, doces, amargos, e sem graça. À espera da luz no fim do que mesmo? A sombra sempre foi acolhedora, pra quem não havia descoberto a beleza dos atos, fatos e sentidos. Essa dualidade de sentimentos e sensações; amor-raiva, cansaço-euforia, desapego-esperança, vai nos arrastando pra um lugar comum em que a única certeza é estar-se deslocado. Mas tentamos. Deslocamo-nos. Pra onde mesmo? Eu, particularmente, e por incrível que pareça, em direção à verdade de tudo isso. Em direção daquilo que ainda me encanta, mas que assombra. Memórias que aparecem a todo instante e pedem abrigo na minha mente. Enquanto dou alguns passos à frente, outros pra trás, vou me envolvendo e tentando me desvencilhar. É tudo tão contraditório!
Imagino chegar o dia em que haja só tranquilidade. E temo esse dia! Minhas inquetações estarão sanadas. E eu nem quero isso. Quero viver em poesia, por favor. Quero que as coisas deem certo, e que sejam intensas. Tranquilidade e nada não me resolvem. Enquanto esses tempos vão passando, lá estou, esperando a banda passar, com um coração corroído por aquele “tu” ausente do meu lado.
(Poder) Até não mais.
Toma um frasco, uma caixa, uma seringa, uma etiqueta, uma lembrança, um cheiro, uma forma, um preço.Eis a felicidade. Felicidade?
(Venho puro e ileso.
Mas és tão sedutor!
Qual o preço?)
Tua mente, traga-a; tua vida, agora, arrebatada.
Há uma regra: não pode haver humanidade.
Ficarás duro, não sentirás dor.
Nem remorso, temor.
Ficarás pleno, euforia atravessando o espírito.
Pleno até arrebentar. Pois não poderás sair desta forma simplória.
Homem, ou máquina de consumo, não haverá diferença.
A criança chorará de fome, a mulher sofrerá dores piores que a do parto.
Não chegarão as lamúrias a te afetar.
Que esperas?
É a tua tão sonhada glória.
Coloque o preço sobre os outros, ludribrie-se pelas luzes, pelo aroma do prazer.
Tudo ao teu redor, compráras, conquistarás, terás.
E tua vida?
Perderá a última partícula humana, que dói, que tem piedade. Que ama.
Glória!
A ordem dos fatores não altera o produto
Pra que todo esse dilaceramento? Feito gelo e fogo. Não, isso não é uma crônica, tampouco seja alguma coisa. É um amontoado de letras, sílabas, palavras, sendo extraídas daquele lugar em que os tempos andam difíceis. Embora tu te ocupes dessas tantas e corriqueiras atividades do dia a dia ou consuma afoito algum tipo de arte, pra tentar suprir e escapar de ti mesmo, há situações pesadas ou inertes.
...
Ouve! Coração cansado demais pra ser sentato. Há muito mal-entendido, e foi-se o tempo de querer explicar. Tu deve cuidar-te sempre e da tua consciência. Isso não é tudo, porque veja bem: tu até tenta... Sabe o que está faltando e o que precisa. E que tudo está perdido, mas que nem sempre.
...
Então tu vai sentar à sombra, quase à tardinha, e te lembrar da vida. E tu descobre que esse vento morno, talvez seja capaz de levar tudo embora (quisera eu!). Tu és um peregrino, e na verdade, tu está sempre meio sozinho na estrada. Mas tu ainda corre o risco, porque tu gosta, sabe como é. Uma boa dose de solidão e quietude viva. Ver o nascer de cada dia e ouvir cada elemento que ta lá, na estrada, pulsando. Cada beleza discreta, e também verdades cruas.
...
Já nem sei mais o que sou
Se existo
O que existe?
Se tu existe
Eu sou?
Se sou o nada
Tu é também
Logo, tudo é nada
Então há uma ordem natural
Não se assuste
Se o tudo virar nada
Mas
A gente tem essa mania
De querer nadar contra a corrente
Ou contra o nada
Que é tudo.
Cho(ver)*
Menino Roberto, deve ter uns sete anos. Ninguém realmente sabe como conhecê-lo, singularmente especial, talvez um desses personagens estranhos. Na casa em que morava, poderiam haver todas as dores e em Roberto, havia fantasia pouco explorada. Ele via, sabia, o que estava por vir, de algum modo. A inocência presenciando aventuras, povos amedrontados, catástrofes, vozes, gritos, sentimentos e a grande chuva, que ele se perguntava se poderia destruir seu lar. O pai, tão perto, tão distante, afeto afetado, qual a chance deles? Criança, criança, pequenez que necessita de um abrigo para crescer. Brilhantes olhos azuis, veja o que pode fazer a si mesmo, no ínicio da vida ainda. As cenas de sua mente, parecem tão reais, como se Roberto fosse o herói (ou a vítima?) de tramas épicas. A casa, a família, agora são o mundo. O que o menino vai levar, se houver salvação? A chuva intensa, realmente devastará? Roberto abraça o pai, traz-lhe o jornal, senta-se alegre ao lado dele. Eles têm apenas um ao outro, a distância deve diminuir, pr'o coração se acalmar. Enquanto Roberto viaja solitário, mundo afora, dentro de si mesmo, tenta dar algum sentido diferente ao tempo calmo que resta, pois, em seu íntimo, algo amedronta inicialmente, mas talvez haja um recomeço, depois que a forte chuva cair.
*Inspirado em "A Hard Rain's a Gonna Fall", de Bob Dylan.
Somos tão jovens
Somos tão jovens e temos uma energia imensa. Nossas ideias, loucuras, utopias, manias e atitudes caracterizam a geração. E haveremos de continuá-la.
Somos tão jovens e morremos. Morremos de amor, morremos de tédio, morremos raiva... Sentimentos aflorados, cabeça despreparada.
Somos tão jovens vivendo e lutando. Vivemos e lutamos, principalmente quando tentamos definir nossas bases. Aquilo tudo que queremos levar pro resto de nossos dias.
Somos tão jovens e as efemeridades também nos consomem.
Somos tão jovens e tão medíocres que escapamos num boêmio estilo de vida. Prendemo-nos numa realidade sem perspectiva. Pensamos sermos deuses fazendo uso de drogas, estarmos acima do bem e mal, por nossas ideias errôneas e pretensiosas. Falsos poetas à caminho da destruição. Só à espera da próxima festa.
Somos tão jovens que ainda acreditamos em deixar uma marca nossa no mundo. Acreditamos no amor. Acreditamos na paz. Acreditamos na igualdade. Acreditamos na justiça. Acreditamos que tudo de benéfico que podemos fazer a outro ser, é o que realmente faz sentido. E se não for isso, o que será então? Percorrendo uma estrada ora tortuosa, ora prazerosa, deixando pequenos fragmentos de luz que saem de nossos corações tão jovens.
Homem de lugar nenhum
Tenho um nome notável, mesmo assim sou ninguém, como todo mundo. Minha história uma estória falha. Vou contar dos meus nós. Como esse na minha garganta há algumas horas, até mesmo enquanto caminho impassível pela cidade. Faz um bom tempo que costumo andar solitário, no início foi grande passo para "a fuga", mas agora não faz mais sentido, é vazio, talvez eu seja também. Não importa se sou velho ou jovem, aquilo que se sente e é bem nosso, se dá na mesma intensidade, independe da estrada. Saturado de lutar contra o mundo, comecei a lutar contra mim. Descobri que, inevitavelmente, eu sou este lugar, eu sou algumas pessoas, e me perco de mim tantas e tantas vezes que... Aqui sou, nem sei bem se estou, e observo quem vem e quem vai. Dia desses conheci um tipo comum e amigável à primeira vista, porém, seu prazer máximo é contar com muitos admiradores, e nada tem a oferecer verdadeiramente à alguém. E me perguntei: é feliz? Com essa publicidade falsa que faz dele mesmo, o que ganha, com efusividade enfadonha, sorrisos afetados? Só consegue estender a mão ao seu próprio reflexo nada belo no espelho. Continuo por eu mesmo, por enquanto... O vazio crescente me acompanha. Já tentei preenchê-lo, assim como muitos homens. Usei da arte, da cultura, do dinheiro, do amor, enfim, do modelo que felicidade que nos é proposto. Ou seria imposto? Hoje não vou cantar ao amor, ele me deixou o nó maior de todos, só amanhã, quem sabe. Ah, bons tempos aqueles de esperança, mas a minha foi apunhalada. Talvez ela ainda exista, uma esperança não desesperada, e sim mutilada e ignorante, que me move sem precisar a direção. E será? Haverá algo que me tire das andanças desenfreadas, que desamarre os nós, diminua o nada, encontre a mim, vivifique a estrada? O que será?