Poemas, frases e mensagens de Paulo-Galvão

Seleção dos poemas, frases e mensagens mais populares de Paulo-Galvão

P'ro Zé

 
Esta é uma singela homenagem a ZéSilveira, um autor que muito admiro e estimo pela escrita e, na adversidade, pela atitude perante a vida.

Da árvore Silveira
caíram as folhas
Cansadas de lutar
Quando o outono,
Sobremaneira,
Chegou
(Foi tal a rasteira).
Mas no fim-de-tarde,
Mesmo antes
Da noite fria
Se aproximar,
Dos frágeis ramos,
Sem alarde,
Brotam versos
E um canto
Que é um encanto
Para quem o escutar!
 
P'ro Zé

Café simples

 
o pano de limpeza
que esfrega o balcão
não remove a tristeza
entranhada,
colada, espelhada
no brilho baço
de extremo cansaço
e desilusão,
nas longas horas
vazias,
no acentuar as esporas
que amargam os dias.
 
Café simples

Meio-dia

 
uma pergunta
surge,
insistente,
no alto da cumeada;
uma resposta
urge,
silente,
para retomar a jornada.

(Na meia-idade),
A meio do dia,
o trilho certo
para descer a encosta,
é um livro aberto
de efémera poesia;
versos e refrões,
sonho e saudade,
mas, o necessário conforto
é amor e amizade.
 
Meio-dia

Chuva miudinha

 
lá fora,
desliza na vidraça
a gota cristalina
espelha a retina
no instante que é agora.

são projetos e planos
que assim se esvaem
e dissolvem,
numa poça da praça.

ignorados nos danos
pela indiferença
que passa.
 
Chuva miudinha

Ciúme

 
surge no rosto
um veio indelével
carregado de raiva latente
lavada em sal.
a tão previsível
explosão de nada,
erupção de fel
sem racional,
irrompendo inflamada.

no rosto oposto,
indiferente,
bate a palavra absurda
irada e surda
que a pele não sente
e o coração não chora:
apenas ignora
a ignomínia final.
 
Ciúme

Verso Mau

 
quando
a voz muda
nos muda
o verso é bom

quando
a letra inerte
te diverte
o verso é bom

quando
sem finesse
e sem saber porquê
um certo não sei quê
acontece
o verso é bom

o verso é bom
não só
quando
tem som
em dó
menor
ou noutro
tom
de um astro
maior
 
Verso Mau

insignificante

 
procuro um fonema
sem significado
ou significante
para um poema
irrelevante.
sem qualquer sentido
e de contudo nulo.
em côr grés,
surrealista,
sem pés
nem cabeça varrida.
mas sem ser demais,
porque há vocábulos
a mais,
a fervilhar como ais,
neste problema
sem fim à vista.
procuro uma saída.
 
insignificante

Cegueira

 
quando os óculos
mal veem
para além da lente
o que as pálpebras leem
é o triste acumulado
de azedos obstáculos:
sombra, olhar ausente.

na penumbra dos olhos
fantasmas e escolhos
de um triste fado
sempre presente.
 
Cegueira

Album Duplo

 
Como comentário ao meu texto - LongPlay - Luka escreveu um poema de que gostei muito por captar e olhar noutra perspectiva a essência do LP. Publico agora os dois num Album Duplo, agradecendo a expressão que Luka dirigiu ao meu texto.

a toda a hora
e a seu jeito
gira o disco
com defeito,
tem um risco
tatuado,
indelével sinal
que silêncio retém.
mas todos sabem
que é amado
por quem o adora
no som imperfeito
quando ri e chora
Paulo alvão

Quando ri e chora
todo o som de uma melodia
para uns perfeito
para outros
triste agonia.
Mas que importa
o defeito do disco
se o que traz à memória
é um tempo
de uma história
a canção
vinda de um disco riscado
talvez por mim
tatuado
kirinka luka
 
Album Duplo

Marintimidade

 
de tantos tons
te pincelas, azul marinho!
o vento o redemoinho
que te uiva outros sons
sobre a tua mansa planície.

de tanta luz
te iluminas, mar extenso!
a lua prata, o oiro imenso
do sol que te faz jus
sobre a tua mansa planície.

de tantos humores
te vestes, mar mistério!
os elemento em despautério
te beijam d’amores
sobre a tua mansa planície.

que voz insondável
encerras, mar profundo!
elevas á superfície
a lua o vento e o sol,
- um sonho imutável
sobre a tua mansa planície.
 
Marintimidade

Crisálida

 
enredada
num vasto fio
de consoantes
e sílabas dissonantes,
a palavra nua
aguarda
sem pose,
que a voz subtil
possa ser sua;
e que nessa metamorfose
um verso volátil
o arco-íris desprenda.
 
Crisálida

Realce

 
há camisas
de cores garridas
primavera-verão,
quando à rua saem
é uma bênção.
e há aqueloutras
de meia-estação,
que ao sair das montras
se diluem
no cinzento padrão
das vias agitadas
por vidas apressadas
e na multidão vão…
com almas vazias.
 
Realce

Breve oração

 
antes que na beira
do velho telhado da eira
a frescura e a brisa
deixem um verso de nimbo argento
viajante oculto da lua,
as cigarras – amigas do feno
espreguiçado no extenso campo -
reúnem-se junto ao muro,
e com murmúrio muito antigo
em ato de contrição
vão pedindo perdão
louvando os restos do sol
diluído no arrebol.
 
Breve oração

Passageiro

 
todo o dia
o ouvi inquieto
num incessante lamento.

então, o que disse
o queixoso vento,
que se não já soubesse?

que tudo o que vem
passa também
e se desvanece.
 
Passageiro

Tapeçaria

 
a trama da urdidura
esconde enredos
e muitos mais segredos
presos em laços esparsos
que uma mão ata
e outra desata

num afã
dança um braço
de fio de lã
corre o novelo de tecer
entrelaçando nos arvoredos
cores e matizes
de dias felizes

entre as brechas
cabem imagens sonoras
vozes canoras
que agitam quando sonhas
veladas mentiras
cerzidas com brandura.
 
Tapeçaria

Problema Bicudo

 
Na verdade da tangencia
Toco nos bicos dos peitos,
Dois hemisférios perfeitos
De vibrátil saliência

E nessa quente circunferência
A que os dedos estão sujeitos
há excepcionais direitos
nas questões de ciência.

O calor os corpos dilata,
É do conhecimento geral,
Mas p’ra saber a área exacta

De uma elipse sensual
Só a tecnologia de ponta
De conceito digital.
 
Problema Bicudo

toxicoIndependente

 
gosto de versos
efervescentes
e universos
resplandecentes
pulsando,
fervilhando
de imagem e cor
por vezes soluçando
num desgosto de amor

o meu delírio
é o arrobo sentimental,
dependência emocional
tornada vício
que não faz mal

ainda que digas
que são sentimentos piegas,
adoro o estilo empolado,
do impulso arrebatado
escaldante
e provocante,
para noutra dimensão
viajar sem razão
 
toxicoIndependente

Apollo

 
da tua mão
na minha
brotaram fios vibrantes
luminosos incandescentes,
que a lira esperava.
e eu que ansiava,
soube então,
que mesmo antes
já te tinha.
 
Apollo

Gigante delirante

 
parece impossível
que em certa ocasião,
no estrondoso nível
de um placo risível
o ofegante elefante
em grande sobressalto
tenha visto então
o seu sapato alto
de retórica eufórica
perder o tacão,
e no esguio salto
a frase heróica,
o poema pertinente
e o fonema eloquente
rebolarem no chão
 
Gigante delirante

Limite

 
dorme o recostado e preguiçoso sofá ao início da sabatina tarde. O ar denso e quente de um outono, ainda preso ao estio, tem algo de pegajoso que agarra à superfície onírica da pele.
Oiço a chuva chegar por entre os segundos do minuto, os minutos das horas, através de ritmo desconexo que a princípio é quase impercetível, mas que pouco a pouco num “crescendo et accelerando molto” inunda a vidraça e o silêncio onde faço balanços e avaliações, planeio sistematizo cenários para o jovem que já não sou.

na paleta resignada
de um parado tom cinzento
- cortina disforme que esconde o horizonte -,
há sinais do braço do vento
pincelando um longo e circular gesto
de onde surgem sons moldando silêncio
- um murmúrio profundo que oscila,
pontuado a espaços por silvos de humor inquieto -
que me trazem sempre ao ponto das incertezas
aonde me encontro
com as minhas fraquezas.

- terei de lá alguma vez saído?
 
Limite