Crisálida
enredada
num vasto fio
de consoantes
e sílabas dissonantes,
a palavra nua
aguarda
sem pose,
que a voz subtil
possa ser sua;
e que nessa metamorfose
um verso volátil
o arco-íris desprenda.
Realce
há camisas
de cores garridas
primavera-verão,
quando à rua saem
é uma bênção.
e há aqueloutras
de meia-estação,
que ao sair das montras
se diluem
no cinzento padrão
das vias agitadas
por vidas apressadas
e na multidão vão…
com almas vazias.
Breve oração
antes que na beira
do velho telhado da eira
a frescura e a brisa
deixem um verso de nimbo argento
viajante oculto da lua,
as cigarras – amigas do feno
espreguiçado no extenso campo -
reúnem-se junto ao muro,
e com murmúrio muito antigo
em ato de contrição
vão pedindo perdão
louvando os restos do sol
diluído no arrebol.
Passageiro
todo o dia
o ouvi inquieto
num incessante lamento.
então, o que disse
o queixoso vento,
que se não já soubesse?
que tudo o que vem
passa também
e se desvanece.
Tapeçaria
a trama da urdidura
esconde enredos
e muitos mais segredos
presos em laços esparsos
que uma mão ata
e outra desata
num afã
dança um braço
de fio de lã
corre o novelo de tecer
entrelaçando nos arvoredos
cores e matizes
de dias felizes
entre as brechas
cabem imagens sonoras
vozes canoras
que agitam quando sonhas
veladas mentiras
cerzidas com brandura.
Problema Bicudo
Na verdade da tangencia
Toco nos bicos dos peitos,
Dois hemisférios perfeitos
De vibrátil saliência
E nessa quente circunferência
A que os dedos estão sujeitos
há excepcionais direitos
nas questões de ciência.
O calor os corpos dilata,
É do conhecimento geral,
Mas p’ra saber a área exacta
De uma elipse sensual
Só a tecnologia de ponta
De conceito digital.
toxicoIndependente
gosto de versos
efervescentes
e universos
resplandecentes
pulsando,
fervilhando
de imagem e cor
por vezes soluçando
num desgosto de amor
o meu delírio
é o arrobo sentimental,
dependência emocional
tornada vício
que não faz mal
ainda que digas
que são sentimentos piegas,
adoro o estilo empolado,
do impulso arrebatado
escaldante
e provocante,
para noutra dimensão
viajar sem razão
Apollo
da tua mão
na minha
brotaram fios vibrantes
luminosos incandescentes,
que a lira esperava.
e eu que ansiava,
soube então,
que mesmo antes
já te tinha.
Gigante delirante
parece impossível
que em certa ocasião,
no estrondoso nível
de um placo risível
o ofegante elefante
em grande sobressalto
tenha visto então
o seu sapato alto
de retórica eufórica
perder o tacão,
e no esguio salto
a frase heróica,
o poema pertinente
e o fonema eloquente
rebolarem no chão
Limite
dorme o recostado e preguiçoso sofá ao início da sabatina tarde. O ar denso e quente de um outono, ainda preso ao estio, tem algo de pegajoso que agarra à superfície onírica da pele.
Oiço a chuva chegar por entre os segundos do minuto, os minutos das horas, através de ritmo desconexo que a princípio é quase impercetível, mas que pouco a pouco num “crescendo et accelerando molto” inunda a vidraça e o silêncio onde faço balanços e avaliações, planeio sistematizo cenários para o jovem que já não sou.
na paleta resignada
de um parado tom cinzento
- cortina disforme que esconde o horizonte -,
há sinais do braço do vento
pincelando um longo e circular gesto
de onde surgem sons moldando silêncio
- um murmúrio profundo que oscila,
pontuado a espaços por silvos de humor inquieto -
que me trazem sempre ao ponto das incertezas
aonde me encontro
com as minhas fraquezas.
- terei de lá alguma vez saído?