As nuvens...
Movem-se soltas, vagas,
Com ausência de cor ou acinzentadas;
Unem e desunem seus braços
Cúmplices, preenchendo espaços.
Roubam olhares, arrastam pensamentos,
Seguindo seu rumo dependente dos ventos.
E, como em muitos outros momentos,
Também aqui me cativam o olhar!
E o quanto me fazem pensar...!
Em que penso? Perguntarás retoricamente...
Não sei...talvez! Penso no que, provavelmente,
Também tu paraste para pensar,
Ou pensaste inconscientemente
Tentando não pensar...
Eu limito o meu pensamento em ti, em mim,
No «nós» que outrora fomos
E no que agora somos...
E dou por mim esquecendo o suposto fim
E revivendo o meio que geramos...
E penso e repenso nas palavras que dissemos,
No perto que estivemos
E no longe em que estamos...
Vem, morte!
Que venha a Morte e que me leve. É só isso que eu quero...
Que venha ela, e me leve para onde for. Não me importa...
Que me leve, se for a única solução de apagar este desespero.
Que me leve ao seu túmulo adormecido, que me abra a sua porta!
Que venha a Morte. Que me guie até si e me faça sua escrava,
Que me leve com ela. E que me deixe a arder no inferno,
Que possua a minha alma, tão mortal, tão frágil e cansada,
Se for esse o preço a pagar pelo meu descanso eterno...
Eu dispenso o perdão, apenas quero o teu mórbido manto...
Vem Morte! Em ti me refugio, em ti quero afogar aquela dor,
E nos escombros do inferno queimar a minha má sorte...
Vem Morte! Vem escuridão! Só eu sei como te desejo tanto!
Leva-me no teu sinistro seio adormecido, enche-me de ódio e rancor...
Guia-me até ás trevas e deixa-me penar pelo que não fiz...Vem Morte...
Vácuo
Pinto-me no espelho da vida
boiando na maresia da cobiça;
Ondas me puxam, ondas me arrastam...
Indagada em águas perdidas,
caída no solo da preguiça
avistando pegadas que se afastam.
Varro-me do chão para a pedra fria,
de ouvidos surdos, boca calada
olhos inchados de substância lacrimal,
pernas atadas, cabeça vazia
sem caminhos, sem estrada,
um vácuo descomunal!
Sigilo de fada
De asa presa sobre a mesa de retalhos de memória
Rasgo pedaços de tecidos manchados de história…
Uma vaga de azia cai sobre a noite caótica;
Longe vai agora o sabor a fruta exótica
Da tua boca molhada, doce, desfrutada.
Um chamariz rompe de súbito a fria madrugada,
É o coração que reclama a alma mumificada
Imersa no desejo inconfessável de te venerar…
Miro o céu revestido de mágoa que não vai desnublar
Como que por castigo, por te amar sigilada…
Raízes profundas
Incapaz de desenraizar este sentimento que me revolta,
Deambulo por entre as horas e no tempo me escondo
De um futuro que temo encarar sem os teus braços á minha volta.
Anseio pela independência da minha mente, busco uma nova rota
Mas ainda sinto o teu cheiro que ficou no meu ombro...
As minhas pálpebras pesam, a minha cabeça estala,
Gera-se um vazio ímpio que se dilata a cada segundo
De desolado silêncio na árdua ausência da tua fala;
Tento libertar o que guardo, mas a minha voz se cala
E é agora, também, prisioneira deste sentimento profundo.
Trilhos
Como o vento que me bate no rosto,
Procuro em ti um encosto.
Um luar em noite de lua nova,
Quando os barcos atracam, por fim, no cais.
Não vens. Nem sei, tão pouco, por onde vais,
Quando o sol sadio morre pela lua.
Cresce em mim a certeza.
Como a frieza fermentada pelo norte.
A certeza de que sou tua.
E o que sou eu no teu caminho?
Uma gota de orvalho arrefecido?
Sigo os trilhos da minha sorte.
Abro a cama. Tentando calar a boca,
Encolho-me num abraço ausente, teu.
Mas a razão engana-me, dizendo que é meu.
E tu não dizes nada. Estarei louca,
Semeando uma quimera?
Não a oiço mais. Sei que me engana
Cerro a minha mão na tua, que me espera.
E perguntas-me o que sou.
E eu desenho-te nos lábios uma chama
E segredo-te ao ouvido:
“Sou aquela que te ama”
Lá fora
Lá fora, o Inverno. E as árvores agora nuas
De tão despidas pelos seus modos toscos.
Acenam-me e nelas sinto o aconchego
Que nem o Inverno é senhor de delir.
Venha o vento gélido das alturas
E as chuvas de Dezembro, no seu dorso.
Com os cabelos, crescer-me-á o sossego
E a vontade incessante de existir.
Ainda que apartados.
De olhos esbugalhados
Defronto o sono que quer reinar.
Não deixo sequer escapar
Uma oportunidade de te sentir.
Sem nunca deixar de te sentir saudade.
Levito, como me ensinaste, sem medo de sucumbir.
Porém, deixa-me triste de tanta ilusão criada.
De tanto sentir os nossos corpos num só, e mais nada.
E não saber em que maré te esperar.
Espero-te, crédula, sem me lembrar
De teres dito que vinhas. Vens?
Não importa a resposta. Não digas nada.
Deixa o silêncio me dar respostas vagas.
Apenas vem.
Só tu
Só tu me fazes exprimir com agrado
Uma pequena contracção do músculo facial,
Um sorrir de leve consensial
Incongruente ao meu fado...
Fado não! Perspectiva privada
De outros possíveis campos de visão,
Palavras surdas sem entoação
Projectadas numa mente aluada!
Só tu me vês mesmo quando não me quero ver,
Me ofereces a tua mão firme e persuadida
E me arrancas da mediocridade!
Aceitas, sem entender, este jeito estranho de ser
E tentas atenuar esta melancolia desmedida
Irracionalmente acrescida de leviandade...
E dói saber que te iludes e me tentas iludir,
Que sentes o que não sou apta de sentir,
Que não desistes mesmo quando te alego a desistir...
E estás quando não estás, quando não estou,
Quando me nego a deixar ir o que passou,
Sem exigir nada, sem retorquir o que sou!
O falar e o dizer
Há quem fale e não diga. Eu opto por dizer e não falar. São escolhas.
A fala torna-se repetitiva e trivial. Fala-se por falar, mas não se diz por dizer. A fala instala-se entre o dito e o não dito, por isso, nem sempre, tem significado algum.
Eu digo que o dia está lindo, e está deveras lindo! O sol irradia o espaço, clareia-me os olhos, expande-me a calma. O chilrear dos pássaros, que pousam no telhado, combina tão bem com o sol e o céu desmaiado de azul. Tudo isto vos parece, pateticamente, estéril, eu sei! Mas o parecer é algo que assenta, perfeitamente, na superficialidade. Acho que está tudo dito, não está?
O dia está lindo, é um facto. E não o digo por dizer. Não vou falar que o dia está lindo. Falar com as paredes não é bem um passatempo preferido, embora o pratique muitas vezes, como resultado da doidice.
Estar doida tem o seu lado bom. E a doidice é relativa. As mentalidades também. A doidice é capaz de admitir o que é e o que não é, conscientemente. Embora não pareça muito coerente um doido distinguir a realidade da doidice. Mas a doidice admite, mostra-se e, a sanidade esconde, tapa, dissimula, inventa, manipula.
Estou sã na minha doidice, mas doida na minha sanidade. Será? Como pode um doido saber se é um doido saudável? Não sei, devo ser doida supérflua. Apenas sei que posso afirmar, seguramente, que a doidice me faz bem, sinto-me bem nela. A sanidade magoa-me, por isso evito-a, não a desejo.
Digo, então, que sou doida. E se o digo é porque, realmente, o sou, senão limitava-me a falar.
Felicidade
Oh… pudesse eu escrever assim! Descercar-me da ordinarice que aspiro e machadar a mente, ao ponto de a revelar com a mesma proporção com que nos embates.
Pudesse eu sentir essa pureza imune ao ar imundo oriundo das volições devassas que caracterizam estes retalhos de carne que deambulam. Retalhos de carne pútrida de que também sou feita.
Pudesse eu conhecer mais que a sombra que, própria, me ofereço, por me agradar a pacificidade que julgo encontrar. Idiota! Sim, eu sei… é medonha idiotice sequer pensar subsistir na sombra o sossego. O sossego não reside no ermo, reside em cada um. Basta o deixar habitar, abrindo alas até aos escombros recônditos da alma.
Pudesse eu falar a língua que tu falas. Quem te ensinou? O Amor? Sim, o Amor… esse grande vivido Senhor que afortuna, somente os mais dignos, de aprender e acarretar a sua palavra. Pudesse eu, um dia, conhecê-lo também…
Pudesse eu possuir esse brilho com que te pintas todas as manhãs. Essa brilhantina que resiste á chuva miúda, ao vendaval adolescente de temperamento agreste e á geada do longo Inverno tenebroso.
Pudesse eu possuir a chave da porta da câmara onde trancas as mágoas, que escondes de outros olhos. Pudesse eu possuir a chave que te veste tão pura e descobrir que não és uma fábula, Felicidade, mas de carne como eu.