Anjo
Acabava perdendo a visão.
Sua imagem a mim, um borrão.
Que escuridão!
Andarei a tato.
A reconhecerei no toque.
Cante-me. Vibrará o mundo.
Só assim chegarei a ti.
A ideia do esquecimento.
A ausência da sua linguagem.
Diga-me ou confie-me um segredo.
Escreva em mim, como uma carta.
Uma carta endereçada ao seu coração.
Laranjeiras
Justificarei minha amizade.
A cada passo que o tempo passa.
Como um pajem, que segue.
Minha saudade não terá fim.
A confissão da escolha.
Observaram-me em um jardim,
E apontaram:
"Lá, escolho você"
Amigo, categoria do silêncio.
Onde calo-me em prazer.
Onde o riso interno fala aos olhos.
Fui escolhido, para ser um amigo.
Compartilhamos e admiramos.
Vejo-me como uma engrenagem.
Escuto, compreendo e aconselho.
Observo a magia.
Desabafo, olham-me e coragem.
Sou a retaguarda.
Como um cão.
Farejo o medo.
Errante, o mesmo medo que o meu.
E escrevo meu nome.
Assino, ao lado do teu.
E quando chamas lá estou.
Com um fogo a crepitar,
Uma luz na escuridão.
Uma Ordem
Pedem-me para mudar.
Que sou grosseiro.
Não vejo graça em nada
Não gosto de ninguém.
Pedem-me que mude.
Uma mudança em mim ou de lugar?
Se eu aceitar, estarei me abandonando.
Que espécie de amigo é esse?
Que dono sai e deixa a casa aberta?
Não é um pedido.
Esse sou eu.
Um papel amassado.
Uma mancha.
Um tropeço.
Esse sou eu.
E eu aqui querendo ficar.
Aceitando os defeitos dos outros.
Amando em mim o que existe deles.
Sendo eu, sendo eu mesmo.
E não me querem.
E não me aceitam.
E eu fico sozinho,
Sozinho e triste.
Mas continuo sendo eu, fiel,
sendo eu mesmo.
É o que sinto...
Logo cedinho a brisa irá lhe acordar.
E seu cheiro perdido na casa, infestará.
Brilhando, abrirás os olhos e nua como presente, me procurarás.
Tateando na claridade de seu sorriso.
Vai achar. Achar a espera do seu acordar.
Você iluminada em cadencia; sorrindo mulher; um novo dia me entregarás.
Largo um beijo em seus lábios sonolentos.
Te servirei um amor amanhecido.
E irei dizer o que vejo.
" a mais bela mulher que há "
Tudo uma festa será o amanhã de manhã.
Mais bem cedinho amor, cantaremos nossa música.
Acordaremos o mundo com amor.
Um desenho na manhãzinha de nosso quarto.
Há de ser um belo dia.
O de amanhã de manhã.
E mesmo que não volte.
Que se vá.
Será como Deus queira.
Porque amanhã estarei perdido em mim mesmo.
Procurando você; esperando você.
Nua como a noite, a alegria de nossos segredos.
Os olhares achados, e confidências, apenas nossas.
O que fizemos...? O que faremos...?
Tudo para você.
Amanhã, antes de amanhecer, estarei esperando.
Arrumado, com ouvidos nervosos para ouvir nosso canto.
Amanhã será você o Sol de nossa casa, meu coração.
E irei dizer o que sinto.
" encontrei o paraíso em você "
Vibrante Safari
A correnteza leva a barca.
Corta as águas, um rastro de meu caminho.
Eu sigo da margem, pés no chão.
Você sentada, teu cabelo trançado.
Segue para casa, junto a teus pais.
Abandona aqui um índio velho.
Seus olhos contemplam o alto das árvores.
Encontro-me oculto, mas a observo.
Onde estarão teus pensamentos?
Nunca peguei-me tão curioso.
Deixo pegadas, lento, sem querer voltar.
Que Mboi Tu'i a proteja, Aisó.
Agora não a terei sob a proteção de minha flecha.
Como se percebesse minha presença.
Vagueia os olhos de céu por toda a margem.
Tiro os galhos do meu caminho e deixo que me veja.
Um imenso sorriso ilumina teu rosto.
E meu peito contrai, acemira, mal posso respirar.
O que fez a mim? Jogo-me no rio, cinco braçadas a alcanço.
"És louco, Cauarê"
Ela estende a mão e toca meu rosto...
"Desce, desce minha Clara, desce pra mim"
Imploro, mais para os espíritos do que para ela.
"Não posso, sabe que não posso"
Seguro-me na embarcação.
Que leva meu corpo.
Que deixa outro rastro.
Ela se debruça em minha direção.
Abandona seu guarda-sol, e faz um grande mal.
Tem os lábios sobre os meus.
Tudo que tinha descoberto.
Os homens que venci.
As terras que conquistei.
Todo sofrimento que passei.
As mulheres... Como deixaram de existir em um momento?
Meus olhos se abriram em susto. Meus lábios...
Um riso preso, escapou de sua garganta.
Ela piscou ainda próxima de mim.
Tocou meu nariz com o seu.
Loucura. Eu conhecia a loucura.
"Não podemos ficar junt..."
Ela tentou dizer.
Impulsionei meu corpo e rodeei sua cintura.
A trouxe comigo, caímos os dois no fundo do rio.
Ela se debatia, mas era tarde.
Meu coração nunca mais me perdoaria.
A joguei sobre meu ombro, enquanto gritava, enquanto me batia.
"Eu a roubo para mim"
Um grito ecoa pela floresta.
Ando mil pés e meu povo se assusta.
Confusos não perguntam, mas sabem.
"O resto de sua vida será ao meu lado."
Ela se levanta e avança sobre mim.
"Meu pai irá matá-lo!"
Mostro os dentes, rugindo sem arrependimento.
"Você fará isso por ele... Maracaimbara!"
Contratualismo
Eu estou louco para falar com você.
Mesmo que não entenda, eu concordo.
Mesmo que não goste, eu quero.
Mesmo que me exclua, eu observo, atento.
Religiosamente eu lhe dedico meu tempo.
Espero que logo fale comigo, ou se vire em minha direção.
Eu estou encantado por você.
Cubra-se, eu a espreito.
Culpado! Cometo o maior de todos os crimes.
Espero da morte, pois a desejo ardentemente.
Delicia terrena, como desejo vagar em teu jardim.
Quando moldaram-na, contemplavam as nebulosas de vento de pulsar.
Há um magnetismo em seu ser que nos dobra ao seu caminhar.
Pudesse eu matado mil homens em batalha.
Quem me dera ter declarado guerra.
Fui omisso e perdi a juventude,
O amadurecer, a velhice, e a dor em lhe perder.
Sinos não se dobrarão nunca mais na abadia de meu coração.
Repousa na Ponte de Milvio o cadeado do paraíso dos sonhos.
Ele se realizará, verás.
Ainda, mesmo que não saiba quando, ainda viveremos.
Fui-me hoje. Uma viagem sem volta.
Perdoe-me a pressa, o trem não espera.
Volto para buscá-la, e mesmo que não vá, estarei.
Pois foi.
Pois é.
Será. Sim será, sempre, uma honra lhe amar.
Solar
Há calor.
O Sol banha meu corpo.
Roupa.
Queima meus ombros.
Marca.
Machuca meus olhos.
Pestanas.
Não permite que o encare.
Um farfalhar em meus tornozelos.
Selvagem.
O vento brinca com meus cabelos.
Pele negra.
Cristais de areia alva, alva.
Contraste.
Sinto o ferver das ruas que aquecem-me.
Aquecem minhas pernas.
No ar, o delicioso mesclar do banho
do suor,
da umidade,
nosso calor.
Tuas tranças, caçador.
Seu sorriso.
A voz que chama meu nome.
Suas mãos.
O reflexo do desejo.
A sede.
Olhar tímido e singelo.
A paixão.
Que arde, arde, arde, em mim.
A Última Malerba
Eu estarei sempre aqui.
Serei tua garantia.
Se vires ao longe um desastre,
Tire o lenço da cabeça.
Solte teus cabelos e corra.
Sinta o peito doer, mas corra.
Pule, muito alto, e continue.
Abra os braços, libertadoramente.
Grite meu nome, e corra até mim.
Irei abraçá-la, apertá-la.
Um conforto longo e sensível em meus braços.
Não será uma prisão.
Não será uma obrigação.
Prometemo-nos.
Ficaremos serpenteando a margem do destino.
Brincando com o futuro que podemos ter.
As milhares de possibilidades.
Tudo de uma só vez.
Malerba, agora essa é sua hora.
Deixou muito por outros.
Venha para meu mundo, pise em minha terra.
Aqui deixarás de ser uma, para ser a única.
Quando Malerba?
Quando a vida deixou de ser vivida para virar você?
Derrama de Fadas
Giram mil Girassóis.
Ao pé do Dragoeiro.
Em beira-rio.
Para lá do morro,
Ao alto da colina,
A fim de vê-la.
A passada da frota.
O flutuar das flores,
Que levam o corpo,
Em brisa, em saudades.
Morre aqui o Sol.
E acaba-se o calor,
Fim do dia.
Azul espaço.
É noite,
Para renascimento.
E todos olham o céu.
Bem lá, solitária e bela,
Ela brilha, a Lua.
Noite
Abandonei nossa história por medo.
A insegurança que experimentava ao teu lado era dolorosa por demais.
Cada pedido meu não atendido.
Cada olhar seu que vaga longe, longe de mim.
Cada pelo do meu corpo que transmitia a minha alma todo o prazer em experimentar a emoção da saudade inexplicável em tocá-la, beijá-la, e compartilhar por toda minha ascensão,
Fatias,
Pedaços,
Pesos,
Meus,
Com os teus.
É muito fácil sentir sua falta.
Você é poderosa em ludibriar meu corpo e alma.
Tens-me em mãos, e amassas tanto de mim.
Ficamos por aqui.
Esse jogo de culpa.
Essa pirraça solitária.
Essa carência sem fim.
Que só destrói meu orgulho e tira meu sono.
Madrugadas que vagueiam-me para perto de você.
Noite pós noite, frio ao calor, estou a teu lado.
Em pensamento e presença.
Quem me dera fosse pecado sentir o que sinto.
Quem me dera a espera fosse antídoto para a dor.
Porque Beija-Flor, não procuro entender o mundo.
Todos a sua volta não compreenderão as sombras que habitam meus delírios.