Vergonha de mirar as estrelas
Não saberia dizer o que sinto realmente
quando percebo cair sobre nós as luzes do céu.
Borboletas esvoaçando sobre o aroma das flores,
fazendo-me lembrar tristemente
que as estrelas se apagaram na noite tão escura,
entre o furor do nevoeiro insano
cobrindo os mastros e impedindo as gaivotas
de um sobrevoo gracioso sobre as ondas,
mesmo agora que floresceram os lilases
e uma última estrela lança raios até o infinito
acendendo faíscas em minha alma dolorida,
fazendo-me o peito queimar como fornalha.
É na solidão derramo lágrimas escondidas
com vergonha de mirar outra vez as estrelas,
desesperado porque não sofre com minhas lágrimas,
nem se preocupa com os momentos de solidão
que deixou instalados no peito tão dilacerado.
Pássaro transitório
Na verdade,
a felicidade
foi como
um pássaro.
Pousou,
cantou.
Não ficou!
Encantou
e partiu.
Em Sampa, não sei viver diferente
Não sei viver diferente
nesta cidade cinzenta
de estupidez e gasolina.
Respirando anidrido carbônico
serei andarilho eterno,
pernas curtas
entre mentes apagadas,
entrementes reminiscências
das avenidas longas
ficam retilíneas se regadas aos vapores
de mais uma garrafa de vinho.
Sob marquises e viadutos,
vejo as plenas verdades
escondidas sob o corte esmerado
do terno Armani sobre a camisa lilás,
suada até o colarinho neste inicio de outono,
nas tabernas da alma,
celebrando com festa
o réquiem de mais um funeral.
No mais, a vida é festa.
Resgatando a nevoa do tabaco,
resistente teia tece a aranha,
na vida recheada de sacanagens
de meninas ajoelhadas
sem culpa soprando trombetas
puxadas pelas tranças
deixando livres as rédeas
sem problemas cavalgando arrojadas
no lombo de um cavalo baio.
Hiato providencial num inverno
Depois de uma pausa hiemal,
hiato que queria providencial,
uma estação não trouxe linimentos,
o espírito ainda sofre tormentos
ainda me vejo sob temporais.
Queria ter podido deixar rastros
em todas as gotas do orvalho,
em cada pingo da chuva na vidraça.
Ter deixado rastros de esperança
a cada rolar da lágrima teimosa
insistente em enterrar em cinzas
as tantas noites enluaradas
antes desse agoniado esquecimento ...
Na obscuridade de um adágio nulo
Queria poder sentir pela janela
a brisa vernal farfalhando a folhagem,
na tarde inundada da tépida aragem,
sonolenta em meu rosto crispado.
Não queria permanecer num casulo
apenas solfejando um versos triste
na obscuridade de um adágio nulo,
sem sequer janelas por onde aviste
tímido desvão nos seus sentimentos
Adônis caído no cais
Desde a magia da luz que se deu,
alçando o capuz, fulgindo no breu,
pendão sofrido, fogo de Prometeu,
há um Adônis no cais caído aos sinais,
que se livra da bílis em atos reais.
Muito foi prestado para os mortais,
da sabedoria Eterna muitos sinais,
mas ainda há segredos salvos fatais.
Há um Adônis no cais caído aos sinais,
nas faixas finas do arco iris de gris,
que se livra da bílis em atos reais,
desde a magia da luz que se deu,
alçando o capuz, fulgindo no breu.
Um Adônis no cais caído aos sinais,
saberá que destino do feixe de luz
é responder chamados, inalar os sais,
pintar a cútis com giz de metais,
desde a magia da luz que se deu,
para depois enfim, com o lápis lazuli
alçando o capuz, fulgindo no breu,
pendão sofrido, fogo de Prometeu,
trilhar os caminhos da purificação.
livrar-se afinal da bílis em atos reais.
paixão irreprimível
Ainda amo.
Queria ao menos poder
manter silêncio sobre isso,
mas a intensidade desta paixão
é irreprimível.
Me deixa perdido, zureta,
me deixa sem razão,
com ânsias de sair à varanda
e muito louco uivar para a lua cheia.
Ao marulhar doce das ondas
Ao marulhar doce das ondas,
sentindo a brisa suave,
trilhar o caminho do horizonte
sob o voo inclinado do albatroz.
Aqui e ali choram gaivotas,
impetuosas envidam esforços,
para enfrentar a inclemência do vento.
Deixo-me ficar sonolento
vendo as ondas na praia quebrarem,
Ouço embevecido os sussurros do brisa,
ao longe salta alegre um golfinho,
logo nas profundezas desaparece
como uma seta prata célere se vai.
E quando morre a luz
resta-me ser andarilho pertinaz
vagando através de anseios e sonhos
que não vê o vento das venturas,
sente-o apenas acariciando a alma.