Poemas, frases e mensagens de Adalbertolima

Seleção dos poemas, frases e mensagens mais populares de Adalbertolima

Nordestino, brasileiro acima de tudo. Poeta, escritor amador e organizador dos livros: Genealogia e memória de uma família, O Brasil nosso de cada dia e autor de "A luz do mundo"

AMÁLIA

 
Nunca vi tanta opulência
Gastando dinheiro em vão
Isso é não ter consciência
Tudo que ver ela quer

Amália sempre foi exigente
Ocupava seu tempo em lazer
Vivia no luxo e vaidade
Achando que isso é viver.

Amália não tinha a menor paciência
E não sabia o que é sofrer
Quando me via contrariado
Dizia: Quer jantar? vai fazer!

Amália vivia bem a meu lado
E achava bonito não ter o que fazer
Não sabia o que era pobreza
Simplicidade prá quê?

Amália só pensava em beleza
Viveu uma vida sem fé
Meu Deus que alívio de Amália
Aquilo não era mulher.

Não importa quanto pesa a massa
Se com minhas ágeis mãos afago
Recebo amor, e com amor também eu pago.
Pois não se pesam sentimentos em balança!...
A trilogia do amor, da fé e da esperança,
É uma virtude que pouca gente alcança.
E tu me dizes: - Não vais querer-me,
Tenho alguns quilos a mais!...

- Não importa quantos, o amor é
Capaz de perdoar tudo!
Afinal, as muito magras que me perdoem,
mas ser gordinha é fundamental.
 
AMÁLIA

CHUVA DE VERÃO

 
Chove, pinga e escorregam
Gotas miúdas como orvalho frio
Escorrem, molham e regam
E correm em direção ao rio

Ao cheiro de terra molhada
A natureza exuberante responde:
Solo repleto de frutas e legumes
Carinhosamente gerados em seu colo

Quanta chuva e fartura,
Milho verde, maxixe e coalhada
Cantiga de ninar a criançada
Pingos sonoros no telhado...

Árvores enfolharadas
Abrigam pássaros cantores
Que em sinfônica alvorada
Saúdam a aurora com louvores

E assim, dezenas e centenas
De pássaros canoros
Nos mais diversos galhos
Despertam o camponês para o trabalho

À noite a lua enamorada
Foge da nuvem e vai ao regato
Beija lascivamente as águas do rio
E envergonhada se esconde no mato
 
CHUVA DE VERÃO

QUEM TE ENSINOU A AMAR

 
Quem pôs a luz nas estrelas
E te deu olhos para vê-las
E te ensinou a amar?

Quem mandou o sol brilhar
A águia alçar vôo e pousar
E alimentar o rebento?

Quem impôs limite aos mares
Deu compreensão e voz aos falares
E velocidade ao vento?

Quem deu vida aos planetas
Cores às borboletas
E aos pensamentos teus?

Foi Deus que na noite escura
Deu vida e luz às criaturas
Quando tudo era trevas

Quem pôs nos campos as ervas
E a semente na terra
Para a erva germinar?

Quem ordenou à nascente
A procurar o regato
E desembocar no mar?

Quem pôs o néctar nas flores
As asas no passarinho
E sal nas águas do mar?
 
QUEM TE ENSINOU A AMAR

OS REVOLTOSOS NA CASA DE MARIANO GRANDE

 
Mariano Grande (1877 – 1954) dava aulas, sem nenhum vínculo com o serviço público. Professor e político respeitado, nunca concorreu a cargo eletivo, nem ocupou serviço público remunerado, trocava seus prestimosos serviços por amizade e compromisso com o meio social em que vivia. Construíra uma casa rústica, no Rodeador, à margem esquerda do rio Riachão. Ali criou quinze filhos nascidos de dois matrimônios.
No vasto pátio, erguia-se majestoso pé de tamarindo e belos cajueiros que davam frutos, sombra, e amenizavam o clima bastante quente do sertão nordestino. Os netos de Mariano e os meninos da vizinhança corriam nos galhos daquelas frondosas árvores. Equilibravam-se como exímios trapezistas e nunca se soube de acidente entre eles.

... quase tudo que se consumia na casa dos Marianos era cultivado pela família e fabricado em casa mesmo, desde os alimentos de primeira necessidade, até a decoada, extraída da cinza de angico, e que, colocada no azeite de oiticica, tornava-se alvejante de roupas e material de limpeza [...] Todo ano, no dia 24 de junho, Mariano fazia uma fogueira de lenha verde, caprichosamente arrumada na frente da casa e fincava ao lado um galho florido de espirradeira. [...] O fogo crepitava na madeira verde, lançando centelhas que voavam alto e se apagavam como estrela cadente ao descerem. (SOUSA, 2006 p. 25)

Numa vasilha com água as moças faziam simpatia, colocando brasas incandescentes que giravam até se abraçarem em sinal de que, segundo a crença, davam respostas a seus questionamentos relacionados ao futuro: casamentos e príncipes com os quais sonhavam casar. A fogueira cuspia centelhas acompanhadas pelo olhar curioso das crianças, até se desfazerem como foguetes explodindo no ar.
Na mesma época das festas juninas, acontecia também a desmancha de mandioca, então, a casa ficava cheia de gente habituada a lidar em oficina de farinha. Os homens faziam girar uma enorme roda, chamada bolandeira, prensavam, e torravam a farinha. As mulheres, raspavam a mandioca e espremiam a massa, enquanto cantavam músicas, para aliviar a fadiga dos movimentos repetitivos. Na pausa dos versos e em cada mudança de nota musical, faziam inconscientemente um exercício de respiração.
O aviamento era um galpão coberto e em seus esteios, os trabalhadores armavam suas redes para dormir. Ao amanhecer, pássaros canoros, em alvorada, despertavam o trabalhador para mais um dia de labuta.
Cada um sabia suas atribuições e não esperava ninguém lhe mandar cumprir as tarefas. Antônio Delfina tocava a tropa que conduzia a mandioca da roça até o aviamento. Ele possuía uma égua famosa e um dinheirinho guardado, talvez pensando em casar-se com Antônia, a filha do padrasto.
Em dezembro de 1925 a Coluna Prestes entrou no Piauí. Sabendo por antecipação que os revoltosos se aproximavam do Rodeador, Delfina, escondeu o dinheiro do filho numa almofada e atirou-a no monturo, porque, por onde passavam, eles confiscavam suprimentos, animal de montaria e todo dinheiro da casa. Seu Antônio tinha apenas 15 anos quando o levante armado aboletou na casa de Mariano Grande. Sua mãe suplicara que não levassem o animal de montaria do filho, ele era órfão de pai e trabalhara duramente para adquirir o animal. Mas ninguém se apiedou das lacrimas de uma mãe pobre. Fizeram Candim montar na égua, em osso, por duas léguas, aproximadamente 12 quilômetros, até a casa de Zé Vicente, um ribeirinho tido como rico. Lá deram uns tiros para o alto e desincumbiram o cicerone da missão de conduzir a tropa. Muitas horas depois, Candim chega em casa, suado e fedendo.
- Papai, sangue fede?
- Fede, meu filho, mas você não está ferido, fez apenas aquele serviço nas calças. Vá tomar um banho e vestir uma roupa limpa...

OS REVOLTOSOS NA CASA DE MARIANO GRANDE

O poeta procurava na praia
Seus segredos, anseios e medos
Com as conchas misturados
Numa luta vã, o dia inteiro
Procurava o amor arrastado
Pela ressaca do mar bravio

Mas foi no rio, na pororoca
do delta com o mar que veio
A encontrar a fonte dos anseios
Numa garrafa boiando
E dentro dela,um gênio gritando
Para alguém o libertar.

O poeta destampou o frasco
A boiar, o gênio era seu medo
de amar, seu segredo querendo voar
Pois o poder estava trancado
Há muitos anos guardado,
No cofre do saber poetar

E então, libertou o gênio contido
E entre sorrisos e gemidos
Fez do livro, seu lazer, seu lar
Porque ler é massagear
a lâmpada poderosa e liberar
O gênio poético retido

Escrever é oferecer um tapete voador
Para que outros possam alçar vôos
maravilhosos, no mundo encantado
Da imaginação poética do escritor.
Em viagens fantasiosas de amor
Nos segredos e medos do coração.

Escrever é também oferecer
um tapete voador para que
outros possam alçar vôos
no mundo encantado da magia
de transformar a dor e o medo
o segredo e a vida em poesia..
 
OS REVOLTOSOS NA CASA DE MARIANO GRANDE

DESCONSTRUÇÃO

 
Ontem eu vi tuas lágrimas
Escorrerem aos quatro cantos
Como chafariz ou cântaro partido
Antes fosse apenas o pranto inocente
Do querer-me novamente como já houvera tido
De corpo, mente, alma e coração
No entanto a distância separar-nos veio
Da criança que mesmo adultos fomos
A brincar de esconde-esconde
E guardar meu bastão entre teus seios.

CÂNTARO PARTIDO

Hoje refaço meus planos
Desfaço sonhos mal sonhados
Rasgo projetos rascunhados
E os atiro ao mar!

Para a procela não soprar
Trazendo de volta os mesmos sonhos
E projetos que não pude realizar
Quebro o grilhão a me prender!
Porque quero viver e sonhar
Sonhos diferentes daqueles
Que hoje atirei ao mar.

DESCONSTRUÇÃO
 
DESCONSTRUÇÃO

ROLINHA FOGO PAGOU

 
José Benedito se criou no interior do Piauí, até os 16 anos de idade. A partir de então, já alfabetizado, mudou-se para Picos. A memória de sua vida interiorana era saudosa lembrança de um passado distante. Boas lembranças, aquelas! Nem tanto... Jamais esquecera aquela rolinha fogo pagou que matara. Todo menino caça passarinho... os vizinhos registravam cada caça abatida, fazendo um risco no cabo do estilingue.

A baladeira de Zé Benedito tinha apenas um risco do qual muito se arrependia. Vergonha profunda que o acompanha até hoje. Tudo aconteceu quando um bando de rolinhas pousou na cerca de rama. Uma espécie de cerca provisória para separar a vazante, até que o rio surgisse com uma enxurrada nas primeiras águas e levasse tudo embora.

José atirou uma pedra no meio da ramagem – uma fogo pagou foi alvejada pela pedra, logo na cabeça... “Ô dó, da bichinha morreu... não dá uma farofa... é tão pequena!

Dizem que fogo pagou é galinha de Nossa Senhora, se o Benedito soubesse disso, não teria atirado uma pedra na rolinha. Agora, sem jeito, cinqüenta anos depois conta a história, para sensibilizar crianças a não caçarem passarinhos. Os sobrinhos nunca mataram pássaro algum. Seu filho, nem pensar! Matar passarinho, nunca!
Aconteceu que, quando o filho mais velho tinha sete anos, chegou em casa com uma rolinhazinha começado a empenujar.

- Meu filho, você tirou a bichinha do ninho?
- Não, pai. O pedreiro derrubou uma árvore para construir a casa de “seu” Nezim e tinha um ninho no galho. Ele me deu a rolinha. Posso criar?
- Agora é o jeito! Ela não tem mais ninho.

Imediatamente, Zé Benedito improvisou uma gaiola. Não exatamente uma prisão, mas uma casinha para proteger a ave, senão, gato comia. De dia, a gaiola ficava num galho de serigüela – longe do alcance bichano – à noite, gozava da liberdade de caminhar na casa toda e soltar seu excremento em qualquer parte.

Na sombra da árvore, poucos metros abaixo da gaiola, uma bicicleta... a bicicleta do Zé.E assim, aquela geringonça se incorporou à rotina da rolinha como mais uma peça no cenário de sua vida.

A bichinha cresceu, criou penas no ponto de voar. Zé Benedito convenceu o filho a soltar a rolinha e os dois procuram um bosque, mais longe de casa possível, longe de meninos. Mas, num descuido, fogo pagou alçou um grande vou para a liberdade e pousou numa árvore no jardim de escola. E agora – pensou José: “logo que os alunos chegarem, pobre rolinha...

Chamou o vigia e ambos se empenharam em fazer fogo pagou voar alto e unir-se à comunidade da espécie a que pertence. Tudo certo, a bichinha voou e sumiu no horizonte azulado.

Muitos dias depois, “seu” Zé monta a bicicleta e vai visitar a construção da Igreja de São Judas Tadeu, a meia légua de casa. Por acaso, olha para trás. Leva um susto! Fogo pagou está de carona na garupa. Agora é só pedalar, ir mais longe e se despedir da amiga, num matagal longe da cidade. Pedalou, pedalou... e ela ali, quietinha. Aquela bicicleta lhe era familiar – não representava perigo.

Andou horas a fio, e, finalmente... ”voa bichinha, voa”.. Ela se foi. Tomou novos ares e direção ignota. Como administrador da obra, José se demorou muito por ali, passando orientação aos operários. Eis que vê dois meninos, cada um com uma baladeira na mão e resolve questioná-los.

- Meninos, eu crio uma rolinha solta por aí, não vão matar ela!
Um menino olha para o outro, trocam olhares de espanto.
- O senhor cria uma rolinha?
- Criiio, bem mansinha. Não vão matar a bichinha!

Naquele pau, tinha uma rolinha – disse um deles – “eu di um tiro nela... ela só olhou... aí eu di outro tiro e acertei. É essa aqui, a rolinha do senhor?"
 
ROLINHA FOGO PAGOU

DOCE MAR SALGADO

 
No mar de teus sonhos
Lancei meu navio
E por horas a fio
Fiquei a pensar.
A onda batia
Na encosta da serra
E longe da terra
Sob a luz do luar
Eu pude enfim
Teu corpo puxar
Pra perto de mim
E afogar teus desejos
Com carícias e beijos
Nas ondas macias
De meu doce mar.
 
DOCE MAR SALGADO

MENINO TRAVESSO

 
Sou um menino travesso
Deixo tudo pelo avesso
Dobro as esquinas, a rua
Esses dias, peguei a lua
E com arte magistral
Enfiei num alfinete
E pendurei no varal.

Mas a gangorra do tempo
Fez a mamãe voltar
Ao seu tempo de criança
Vendo a lua balançar
E quando o vento tocava
A lua quase arrastava
Na grama do meu quintal

A mamãe não teve medo
De revelar o segredo
Da criança que há nela
E sem sequer ficar vermelha
Arrancou do varal a lua
E como uma jóia sua
Pendurou-a na orelha
 
MENINO TRAVESSO

LEMBRANÇAS

 
Pálidos raios do ocaso
Tocam suavemente as brancas asas
De uma garça, no crepúsculo das lembranças
Das Aves Cheias de Graça que rezávamos
No entardecer, quando crianças.

E no colo da mãe, quando a noite vinha
Rezavam-se o terço e a ladainha
À Nossa senhora, mãe das criaturas
Agora, pois, a outra mãe sorridente
Coberta pelo véu da bem-aventurança
Intercede por nós lá nas alturas...
Derramando bênçãos em abundância.
 
LEMBRANÇAS

PERCALINA VERDE-DRUMMOND

 
PERCALINA VERDE-DRUMMOND
(Prosa-poética)

O trem de ferro sai do Rio de Janeiro levando a encomenda do Coronel: doze volumes encadernados com percalina verde-drummond. Verde a mata, longes horizontes, sonhos embalados na caixa de pinho. Passa a mata, passa o tempo, passa o vento na janela. O vagão sacode a caixa revestida de alumínio. Se a coleção não chegar incólume ao destino, o coronel não paga a conta.
O menino franzino espera ansioso. O burrinho pega a caixa na estação e rompe mata adentro, gerais afora, levando um universo no lombo - um assombro: ninguém por ali tinha uma biblioteca tão grande. Burrinho não sabe ler, ainda assim, dissemina a cultura na cidade de ferro. Foi ele o responsável pela formação acadêmica do menino franzino que me ensinou a escrever.
Verde a mata, longes horizontes, sonhos encadernados em percalina verde, embalados numa caixa de pinho. Mata verde, percalina verde, burrico alazão leva esperança para o menino. Tudo trancado, inviolável. Só quem tem a chave do saber abre as portas do mundo: o olho mágico de Osíris e a beleza nua de Vênus abraçada pelos tentáculos da Medusa. Tudo isso numa caixa de pinho.
Numa caixa de pinho vêm os sonhos e se vão. Pela janela do último trem, vê-se um rosto pálido no esquife. Finda a saúde, as lembranças são guardadas em ataúde. Plantado no campo santo, o poeta espera tanto a ressurreição dos mortos, quanto a consagração da poesia. Passa a vida, passa o tempo, passa o vento. Passa o trem da morte todo dia, mas as palavras não passarão.
 
PERCALINA VERDE-DRUMMOND

CUIARANA

 
O sertanista no trem
levava os teréns
que podia levar:
uma rede, um facão
e uma pá.
Ajudava a sapar
alguma trincheira
que fosse cavar.

E, no meio da noite,
na mata Mafrense,
muitas léguas distantes
da civilização,
a lenha acabou,
e o trem parou,
porque a caldeira
não tinha pressão.

Ribeiro desceu
sem sol, nem luar.
Deixou logo o trilho
e pegou uma senda
sem luz e sem brilho
sem nada enxergar,
sobre os olhos a venda
da noite escura
e por sobre abrolhos
começa a pisar.

É aqui o lugar;
vou cavar uma fossa.
Preciso abrigar-me
e esperar a aurora
que não tarda a chegar.
Sem temer o perigo
de bicho selvagem,
o bom sertanejo,
com muita coragem,
fez ali seu abrigo
para descansar.

E, assim, na trincheira
por ele cavada,
a noite inteira
ficou a pensar...
Até que um raio solar
a incidir sobre os olhos
da fossa gelada
o fez levantar.

O dia amanhece
no topo da serra,
e o trem parece
querer galopar
como corcel arisco
nas rédeas do trilho.
Mas aquele filho
mineiro
não pode escutar
senão o clangor,
naquela manhã
do triste acauã,
solitário a cantar.

Veloz sobre os trilhos,
na curva dos montes
mais claros que via,
a semana inteira
o trem desafia
o tempo e o espaço,
quão rápido se sente
e, a cada dormente
que vê passar,
apita e fumega
mandando avisar:
cumpri a missão;
é o ponto final,
a última estação.

Mas, em longo percurso,
ninguém se dá conta
de que o companheiro
do norte mineiro
abandonara o trem
e seus passageiros
além, muito além.
E, por outro caminho
andando sozinho,
Ribeiro está.

Na sombra da mata,
sem sol poder ver,
não podia saber,
nem onde estava
e rompia a trilha
que convergia
para as fendas do outeiro.
Era o fim da senda
em que longe via
guerreiros tenazes,
nativos da terra,
bem no pé da serra,
a tribo Aroazes.

Mas o sertanista
sequer teve medo
daquele arvoredo,
que tanto queria
guardar o segredo
da tribo que, um dia,
em suas entranhas,
a mata escondia.

Seu corpo cansado
de tanto andar
por horas a fio,
de sede aflito
procurava um rio
para sua sede acicatar.
E, por sorte,
águas Aroazes
do rio Sambito
o salvaram da morte!

E, quando recobrou
o vigor e a força,
viu no espelho das águas
uma sombra de moça.
Doze anos, talvez não mais,
curtida de sol, pele tenaz,
cabelos negros,
seios róseos como romã,
corpo esculpido pelo vento
da cor do pecado de Tizo
e cheiro de maçã do paraíso.

Cabelos negros, mamilos rosados,
ralos pêlos pubianos no regaço,
nudez de corpo e alma cunhatã tinha.
Ribeiro desejou tê-la em seus braços,
mas subir frondosa árvore não podia.
Na copa mais alta do jequitibá,
jovem índia aroazes se escondia.

Então resolveu, da mente inventar,
uma língua possível que pudesse levar
alguma mensagem qualquer àquela
mais linda selvagem, tão perfeita e bela,
mais linda e bela que a índia Alencar.

- Jequiriti, jequitá!

Gritou Ribeiro
em seu linguajar e, como por encanto,
tomado de espanto e palpitação,
viu cunhatã descer
do mais alto galho
do frondoso jequitibá,
porque, ao nascer,
pajé lhe dissera:
Tu és a deusa Jequiriti-Jequitá,
palmeira frondosa, trepada no galho.
Quisera o espírito bom te mandar
cento e quarenta e quatro luas
e um deus de longe, vem pra perto
teu nome chamar.

- Jequiriti-Jequitá.

Sem nada falar,
Jequiriti-Jequitá
acenou para o deus
que há doze anos esperava.
Precisava fazer
o que pajé lhe ensinava.
E, pelo aceno, Ribeiro sabia,
naquele momento:
Jequitá queria
instrumento de branco
para o chão escavar.

E ela, num salto felino,
numa mão tomou a pá;
na outra, o facão.
Passou a cortar
a rala caatinga
e, depois, a cavar;
desenterrou a cuiapitinga.

Cuiapitinga bem guardada,
há tanto tempo enterrada
no tronco do jequitibá.
Que cunhatã virou sobre si
derramando o líquido precioso,
escuro e cheiroso, daquela cuité
que pelo corpo a escorrer
fazia nascer a deusa-mulher.

E logo que seu corpo nu
se viu embebido
pela porção mágica do pajé,
atrelou-se em insaciável libido
ao sertanista em longo abraço
e entregou-se todinha
ao deus que ela tinha
por tanto tempo esperado.
E, em gozo medonho, caíram
no sono pós-coito,
abraçados dormiram.

Longas horas se passaram
e, quando acordaram,
valentes guerreiros dançavam
e aos deuses cantavam,
sem nenhuma maldade,
a poderosa dança
da fertilidade
enquanto mulheres jogavam,
nos corpos despidos,
após os gemidos,
e para consagrá-los
aos deuses Aroazes,
límpidas águas lançavam
sobre os corpos vorazes
de amor saciados
dos deuses Jequitibá
e Jequiriti-Jequitá.

O sol já pendia quando
o valente cacique Cuiarana,
na rede deitado,
mandou chamar o pajé
para invocar os espíritos
sobre marido e mulher:
os deuses Jequitibá
e Jequiriti-Jequitá.

Feita a pajelança,
em silêncio todos ficaram,
esperando a voz da selva falar
cuiú-cuiú a cantar.
Anuncia, por fim,
a vinda da criança.
O tempo será
nove luas
para curumim chegar.

Mas, enquanto dormia,
Ribeiro a sonhar
intrigado ficou,
porque parecia ouvir
carimbamba cantar:
“Amanhã eu vou”
“Amanhã eu vou”

Sem demorar veio
a noite de um novo dia...
Cuiarana e toda tribo bebia
aluá de milho e fumava diamba.
A carimbamba calou-se;
Ribeiro aproveitou-se
da alucinação da tribo
para empreender sua fuga
antes que nascesse o herdeiro
do cacique, seu filho, o deus
Cuiarana Jequiriti-Jequitibá.

Precisava fugir, porque
curumim, uma vez nascido,
o pai seria oferecido
com a deusa Jequiriti
em sacrifício a tupã,
na primeira aurora da manhã,
E só havia um jeito de salvar
da morte a deusa Jequiriti:
se o espírito de Jequitá
levasse em suas asas
o deus Jequitibá.

No centro da ocara,
frondosa palmeira
o vento torcia,
enquanto por ela
Ribeiro subia
e, por sorte,
soprou vento forte
feito tufão,
derribando ocas,
levando ao chão
quase toda taba.
E, na copa altaneira
da grande palmeira,
Ribeiro cortou
uma enorme palha.
E, como uma gralha,
Ribeiro voou...

Passada a tormenta,
Cuiarana juntara
o que sobrara de seu
pra reconstruir a ocara
como presente do deus,
no alto da palmeira.
A vinte metros do chão,
Ribeiro deixara
o grande facão.

Cravado na palmeira,
o presente do deus
que trouxe a sorte
livrando da morte
Jequiriti-Jequitá.
Agora sozinha
podia esperar
nascer curumim,
sem ter que morrer
com Jequitibá.

Meninos!
Não minto;
eu canto o que sinto.
Meninos, eu vi
o corpo nu por inteiro
bonito e faceiro
de Jequiritii-Jequitá
Eu vi Ribeiro abraçar
e depois desmaiar.
Eu vi Jequiriti
trepada no Jequitibá.
Meninos, eu vi
Ribeiro por lá.
 
CUIARANA

CHUVAS DE VERÃO

 
Chove, pinga e escorregam
Gotas miúdas como orvalho frio
Escorrem, molham e regam
E correm em direção ao rio

Ao cheiro de terra molhada
A natureza exuberante responde:
Solo repleto de frutas e legumes
Carinhosamente gerados em seu colo

Quanta chuva e fartura,
Milho verde, maxixe e coalhada
Cantiga de ninar a criançada
Pingos sonoros no telhado...

Árvores enfolharadas
Abrigam pássaros cantores
Que em sinfônica alvorada
Saúdam a aurora com louvores

E assim, dezenas e centenas
De pássaros canoros
Nos mais diversos galhos
Despertam o camponês para o trabalho

À noite a lua enamorada
Foge da nuvem e vai ao regato
Beija lascivamente as águas do rio
E envergonhada se esconde no mato.

...

Adalberto Antônio de Lima
 
CHUVAS DE VERÃO

PINGOS DE AMOR

 
Faz tanto tempo...
A lua ainda era menina
Havia mel na boca da noite
No soalho, no chão
No agasalho
Tudor era suor
Tudo respirava amor
Que pingava como orvalho
Doce orvalho no coração

Há pouco se pôs o sol
Atrás de minha orelha
Noite amena vem
Olho pela janela do tempo
Graciosamente, uma garça
Batendo as asas, sobrevoa o rio
Caio num espasmo. Pasmo...
Passa novamente a garça
Disfarça a lembrança
Desenrola a tranças do tempo
E se vai.

Outra vez no final da tarde
A noite vinha trazendo
Fogo na taça de vinho
E o céu derramava estrelas
Estrelinhas como fogos de artifício
Centelhas de amor , ofício divino
Paixão que arde no final da tarde.

Passa o tempo...
Sopra o vento
E indaga carinhosamente
Cadê a lua, cadê o mel
Nos lábios rosados da aurora
Cadê o fogo da juventude?
Só vejo quietude!
Nenhum canto?
Ignoro, olho a gaiola e vejo apenas
As penas de meu pássaro canoro
Um canário amarelinho
Bico calado coçando a perna
Um sonho, uma lembrança apenas
Tudo se foi assim tão de repente
Como lembranças no final da tarde.
 
PINGOS DE AMOR

ROLINHA FOGO PAGOU

 
José Benedito se criou no interior do Piauí, até os 16 anos de idade. A partir de então, já alfabetizado, mudou-se para Picos. A memória de sua vida interiorana era saudosa lembrança de um passado distante. Boas lembranças, aquelas! Nem tanto... Jamais esquecera aquela rolinha fogo pagou que matara. Todo menino caça passarinho... os vizinhos registravam cada caça abatida, fazendo um risco no cabo do estilingue.

A baladeira de Zé Benedito tinha apenas um risco do qual muito se arrependia. Vergonha profunda que o acompanha até hoje. Tudo aconteceu quando um bando de rolinhas pousou na cerca de rama, uma espécie de cerca provisória para separar a vazante, até que o rio surgisse com uma enxurrada nas primeiras águas e levasse tudo embora.

José atirou uma pedra no meio da ramagem – uma fogo pagou foi alvejada, logo na cabeça... “Ô dó, da bichinha morreu... não dá uma farofa... é tão pequena!

Dizem que fogo pagou é galinha de Nossa Senhora, se o Benedito soubesse disso, não teria atirado uma pedra na rolinha. Agora, sem jeito, cinqüenta anos depois conta a história, para sensibilizar crianças a não caçarem passarinhos. Os sobrinhos nunca mataram pássaro algum. Seu filho, nem pensar! Matar passarinho, nunca!
Aconteceu que, quando o filho mais velho tinha sete anos, chegou em casa com uma rolinhazinha começado a empenujar.

- Meu filho, você tirou a bichinha do ninho?
- Não, pai. O pedreiro derrubou uma árvore para construir a casa de “seu” Nezim e tinha um ninho no galho. Ele me deu a rolinha. Posso criar?

- Agora é o jeito! Ela não tem mais ninho.

Imediatamente, Zé Benedito improvisou uma gaiola. Não exatamente uma prisão, mas uma casinha para proteger a ave, senão, gato comia. De dia, a gaiola ficava num galho de serigüela – longe do alcance bichano – à noite, gozava da liberdade de caminhar na casa toda e soltar seu excremento em qualquer parte.

Na sombra da árvore, poucos metros abaixo da gaiola, uma bicicleta... a bicicleta do Zé.E assim, aquela geringonça se incorporou à rotina da rolinha como mais uma peça no cenário de sua vida.

A bichinha cresceu, criou penas no ponto de voar. Zé Benedito convenceu o filho a soltar a rolinha e os dois procuram um bosque, mais longe de casa possível, longe de meninos. Mas, num descuido, fogo pagou alçou um grande vou para a liberdade e pousou numa árvore no jardim de uma escola. E agora – pensou José: “logo que os alunos chegarem, pobre rolinha...

Chamou o vigia e ambos se empenharam em fazer fogo pagou voar alto e unir-se à comunidade da espécie a que pertence. Tudo certo, a bichinha voou e sumiu no horizonte azulado.

Muitos dias depois, “seu” Zé monta a bicicleta e vai visitar a construção da Igreja de São Judas Tadeu, a meia légua de casa. Por acaso, olha para trás. Leva um susto! Fogo pagou está de carona na garupa. Agora é só pedalar, ir mais longe e se despedir da amiga, num matagal longe da cidade. Pedalou, pedalou... e ela ali, quietinha... a bicicleta lhe era familiar – não representava perigo.

Andou horas a fio, e, finalmente... ”voa bichinha, voa”.. Ela se foi. Tomou novos ares e direção ignota. Como administrador da construção, José se demorou muito por ali, passando orientações aos operários que trabalhavam na obra. Eis que vê dois meninos, cada um com uma baladeira na mão e resolve questioná-los.

- Meninos, eu crio uma rolinha solta por aí, não vão matar ela!
Um menino olha para o outro, trocam olhares de espanto.
- O senhor cria uma rolinha?
- Criiio, bem mansinha. Não vão matar a bichinha!

Naquele pau, tinha uma rolinha – disse um deles – “eu di um tiro nela... ela só olhou... aí eu di outro tiro e acertei. É essa aqui, a rolinha do senhor?"
 
ROLINHA FOGO PAGOU

CÂNTARO PARTIDO

 
Ontem eu vi tuas lágrimas
Escorrerem aos quatro cantos
Como chafariz ou cântaro partido
Antes fosse apenas o pranto inocente
Do querer-me novamente como já houvera tido
De corpo, mente, alma e coração
No entanto a distância separar-nos veio
Da criança que mesmo adultos fomos
A brincar de esconde-esconde
E guardar meu bastão entre teus seios.

CÂNTARO PARTIDO
 
CÂNTARO PARTIDO

TODO DIA É SANTO

 
O santo é santo todo dia
Todo dia é dia santo
O santo peca todo dia
Eu peco todo dia santo
 
TODO DIA É SANTO

LAGARTIXA DE ESTIMAÇÃO

 
Ninguém comprava meia dúzia de lagartixas
Que eu criava no muro, porque não venderia
Por dinheiro nenhum, mas um anum
Foi catando uma a uma, sem se apiedar
Levou quase todo meu gado
Deixando apenas um par.

Como afugentar anuns?
Então, feito espantalho, postei-me vigilante
Mas ele levava uma a todo instante e novamente, voltava.
Pousava num galho de amora, depois no muro
e voava mundo afora com uma lagartixa no bico.
Balanço os braços, grito, mas ele não se assustava

O equilíbrio ecológico parecia ameaçado
Por outro lado, um par de lagartixas se salvava
Escondido na calha.
Não perdi a batalha, pois a espécie se refez.
E, em meu plantel, em vez de meia dúzia,
tenho agora seis.

COMENTÁRIOS/CRÍTICAS:

Sua sensibilidade me assusta. Lindos versos. Vou continuar levando sustos de alegria por outros versos...
Enviado por Ana Maria Carvalho em 29/12/2008 10:08
para o texto: LAGARTIXA DE ESTIMAÇÃO (T1354851)

Adalberto,muito divertida sua poesia...essa coisa de colecionar lagartixas deve ser mesmo de sua infância...eu catava girinos!Afetuoso abraço,
Enviado por Anne Lieri em 28/12/2008 09:08
para o texto: LAGARTIXA DE ESTIMAÇÃO (T1354851)

Muito importante este texto exaltando a preservação da espécie,um abraço,felicidades e feliz ano novo...
Enviado por fabio brandao em 27/12/2008 17:03
para o texto: LAGARTIXA DE ESTIMAÇÃO (T1354851)
 
LAGARTIXA DE ESTIMAÇÃO

ASSIM SÃO OS POETAS

 
Estive em teu mundo. Longe muitas léguas e tão distante no tempo...Vi minha história em poucas linhas e em muitas letras de boas tintas.O mundo, o ser imortal, o animal – uma tela pintada com letras. A ostra exposta, a casa aberta – o mundo com as portas escancaradas para a vida ou para a morte? Morre a ostra para que linda pérola se revele. Assim também são os poetas...

CRÍTICAS/COMENTÁRIOS:
Sandra:
"Escreves bem demais poeta.São textos perfeitos".
Enviado por sandra canassa em 22/01/2009 12:54
para o texto: ASSIM TAMBÉM SÃO OS POETAS (T1398254)

Teresa Cristina:
"Fecha-se a luz do dia e eles morrem a cada noite em que o poema atravessa a escuridão do quarto... Porém tão logo se ligue o interruptor da inspiração... Como um sopro de vento, como uma canção do pensamento: ele acende-se em poesia de novo! E vive assim... Também!! Um cheiro...amigo!"
Enviado por flordecaju em 22/01/2009 11:30
para o texto: ASSIM TAMBÉM SÃO OS POETAS (T1398254)

Teca:
PROFUNDAMENTE POÉTICO E BELO!! BJOS
Enviado por Teca em 22/01/2009 11:23
para o texto: ASSIM TAMBÉM SÃO OS POETAS (T1398254)
 
ASSIM SÃO OS POETAS

A IMAGEM DA JANELA

 
Que vê teus olhos através do cristalino - vidraça dos olhos - Uma tela, uma galha seca, uma mortalha? Uma linda imagem traçada na linha da imaginação? Paixão pela natureza, pela vida, pelo amor. Na verdade, as três coisas refletem o sentimento guadado no coração. A imagem da janela, não muda, o que muda são os olhos, o olhar, o amor, a paixão de quem vê. Duas pessoas olham ao mesmo tempo, através da mesma janela e cada uma pinta sua tela com a tinta que existe dentro dela.

CRÍTICAS/COMENTÁRIOS:
Nossa! Lindo pensamento, você escreve muito bem, um grande abraço!
Enviado por Angelike em 22/01/2009 15:35
para o texto: A IMAGEM DA JANELA (T1398683
 
A IMAGEM DA JANELA

PASSA, PASSA, PASSA

 
PASSA, PASSA, PASSA...

O mágico das letras sonolentas
Em versos lentos passeava
Na lentidão de cada passo
Parado, em pé, feito compasso
Traça círculos na mente
De repente, em versículos,
Velozmente, a vida passa
Passa a vida, passa o tempo
Passa boi, passa boiada
Passa o vaqueiro todo dia
Só a poesia não passa

Passa o sol, passa a lua
Passa o caminheiro na rua
Passa o vaqueiro na estrada
Passa boi, passa boiada
Passa o tempo, passa o vento
Passa rápido, passa lento
Passa o velho, passa o novo
Passa o vaqueiro de novo
Passa tocando a boiada
Passa o vaqueiro todo dia
Só a poesia não passa

Passa uma geração e vem outra
Passa a saudade, a alegria
Passa a noite, passa o dia
Passa o sol e se levanta
Passa a chuva, enche os rios
Passa o rio, enche o mar
Passa boi, passa boiada
Passa rápido, passa lento
Passa a poeira com o vento
Passa a noite, passa o dia
Só a poesia não passa.

O vento vai em direção ao Sul
Vai em direção ao Norte
Volteia o Leste, Oeste.
Gira sem parar
O que é e o que será:
O que acontece
O que acontecerá?
Nada de novo, no céu,
Na terra, no mar.
Passará o céu e a terra
Mas a palavra não passará.
 
PASSA, PASSA, PASSA

Chove, pinga e escorregam
Gotas miúdas como orvalho frio
Escorrem, molham e regam
E correm em direção ao rio

Ao cheiro de terra molhada
A natureza exuberante responde:
Solo repleto de frutas e legumes
Carinhosamente gerados em seu colo


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