Palavras caídas de um pedaço de papel
De um pedaço de papel,
caiu súbito uma palavra
quando a linha quebrou.
Interrompido o verso,
um quase nada sobrou
do pensamento inédito.
Dúvidas e ansiedade,
instaladas na mente,
febril treme o poeta
mentindo a si mesmo
dizendo aos ventos
que isso não importa.
Rabisca rápido rol,
deixa que o sol aqueça
assim salva o poema
resolve de vez o dilema
deixando as palavras
chacoalhando no papel.
Ingenuidade
Vi na enganada alma,
ilusões perdidas;
esperanças
destruídas pela escuridão.
Vi as marcas tão amargas,
cicatrizes.
Nas crateras das explosões;
a fé ainda permanece.
Há marcos invisíveis,
caprichos do destino,
fatalidades.
Tempo passado;
no decorrer do tempo,
sobressaltos,
caminhos inesperados.
Ao longo dos anos,
confesso ter sido ingênuo,
infantilidade,
até simplório e ameno,
mantendo a fé e a esperança,
credulidade,
sem vergonha de sonhar.
Suspiros das palavras
A cada dia que passa
perdemos palavras.
Algumas saem pela janela
nas noites quentes de dezembro,
levam alegrias e sentimentos,
obrigando buscar sinônimos.
Há palavras mais desobedientes,
sempre haverá expressões amenas.
Outras permanecem serenas
impregnadas da tinta azul,
descansando ledas na folha
esperando afoitas os leitores
suspirando pela eternidade.
A visão da cabala
Lá fora o silêncio total,
imóvel um céu fatal,
de viaduto da avenida,
na cidade adormecida.
Sequer pássaros noturnos
revesavam-se em turnos
vigiando as ampulhetas
projetando silhuetas
sombras das asas arredias
nas aureolas frias
das lâmpadas amareladas
mal iluminando as calçadas.
Centenas de janelas
travadas às tramelas
- apartamentos herméticos
de habitantes hipotéticos
escamotearam a chaminé
e guardam o aroma do café
como tesouro do pirata
encerrado numa caixa de prata.
O gato do vizinho em solidariedade
suspira para os fios de eletricidade
imaginando numa clave de sol
notas do jantar tardio em bemol.
Tanta placidez e monotonia,
cochilei ainda na portaria,
quando dos últimos degraus do infinito
faiscaram inscrições em sânscrito
impossibilitando a visão da cabala
da fechadura da porta da sala.
Nem tambores, nem clarins
Nem tambores, clarins
demônios, serafins.
Observar bem,
lançar olhar atento
a todos convém
quiçá será portento.
Tomo tento
razões avento
não contento
sequer enfrento.
Nem duquesas, condessas
as direitas, às avessas.
Evitar o blefe
do vate magarefe,
derramar do calix bento
palavras em movimento
Outro evento,
mais que fragmento
o verso é rebento
da loa o sustento.
Não cutuque, retruque,
nos perfis, nos refis
Ajustadas às esquadrias
não serão palavras frias,
outro prosaico look
parecendo facebook.
Revista e editada em 31/08/2016, às 09horas16min