Poemas, frases e mensagens de RehggeCamargo

Seleção dos poemas, frases e mensagens mais populares de RehggeCamargo

eu queria falar a língua dos poetas

 
(poema traduzido em vários idiomas)

eu queria falar a língua dos poetas
ir ao céu e ao inferno
roubar-lhes os pensares
e todos os seus versos
balançar na corda-bamba
viajar nos seus mares

eu queria falar a língua dos poetas
do poeta universal
que vive e morre num poema
à beira do sistema
no submundo que ele cria
e recria pra manter-se vivo

eu queria saber rimar
a língua dos poetas
e na solidão dos dias
desejar o calor humano
de quem sofre
ao sentir tantas almas frias

eu queria
dos poetas
a língua
pra falar por mim
o quanto hei de versejar
em qualquer idioma
sem dizer que sou
o poeta da vida
o poeta que num canto
canta
o belo feio
o feio belo
da essência que verte em mim

porque
eu queria falar a língua dos poetas
seus clamores
amores
suas metas
da areia ao cimento
tocar os corações suas setas

sem que eu pudesse roubar
o que neles foi lapidado
pelo artista invisível
de mãos que regem o tempo

eu queria falar a língua dos poetas
e neste vero átimo
ter um pensar alado
que me ensinasse
segui-los mundo afora
toda hora
desde agora
eu queria

***
 
  eu queria falar a língua dos poetas

MALDITOS POETAS!!!

 
***

maldito caleidoscópio infrene!
maldito almoxarifado minguado!
maldito
sou maldito
na corda-bamba me explico

preciso alinhavar alguns pontos
...
tenho muitas peças pra dar o arremate final

maldito sou
maldito és
entre os frutos do ventre comum
gerador da estrela negra
teimosa em luzir diurna
mas que só aparece noturna
e real na folha em branco
antes que a inspiração durma

malditos poetas!
malditas estrelas fingidas!
tão iguais
camaleoas ante faces outras
aguardam a neutralidade
pra se projetarem e morrerem sós
gravitando em torno do personagem-mor
com visões lacrimais
de sangue e suor

mas
ao virarem pó
deixam o buraco negro
o vazio para que outras ocupem seus lugares

maldito sou!...
benquisto/malquisto/esquisito/causador de reboliço
a borrifar feitiço tal magia imprevista no espelhar
expectante de desconhecidos que prejulgam
o sumo de minha criação

malditos poetas prosadores!
maldito eu e meus eus entre eles!
maldita fonte de ilusões sublimes
de desilusões infames!
malditos lenhadores de fogueiras virtuais
onde se queimam os males!
malditos urbanos de corações ciganos!

proclamo meu manifesto num gesto
a oxigenar - mais e mais - dia após dia
pra propagar que até em ato de rebeldia
que a maior poesia vem d'alma fria
- paradoxal -
pra aquentar sem fogo
só com a energia da luz que
ao se apagar em mim
invade a trilha do leitor capaz de absorver
o sentido
o sentimento diminuto
compactado
moldado e aconchegado a um mundo cabível

malditos poetas!...
mal vistos
do mal, ditos
mal e mal
maus e maus;
do bem, sem mal;
malditas mentes veras de atmosferas!
serpentes a colearem sobre os sentidos!
pseudo-atletas do verbo de tempos inconstantes!
avante malditos!
da paz!
do amor!
do sangue
suor e páginas
de sorriso e de dor!

avante meu levante
doravante semanticamente sem mais aliterações...
quiçá outra metáfora:
"meta fora maldito os malditos de versos quebrados
que outro
aí do teu lado
teu perseguidor
reside em ti pra te socorrer
se de arroubos estás isento
pois sabes que teu viver é
de prova em prova
teus olhares de experimento

malditos poetas!!
baús de reações!!
não pertencem a este mundo!
encenam/encenam
pra brilharem na cena posterior
como estrelas à espera da noite

Maldito, maldito sou!
Malditos somos em nosso próprio livro!

ó escolha metafísica inopcional etc. e tal!
ó babel de amores como flores!
uma que inda vou colher
mesmo sem ela ser a mais bonita
mas que a farei mais bela na escrita

ós e ós e oh!
fuga em liberdade!
maldita vida que me faz bendizê-la
se no negror do céu consigo ver uma estrela
como um poema que farei... indelével...

****rehgge

(((
 
MALDITOS POETAS!!!

3 cortes de Rehgge Apaixonado.

 
Dias tão iguais, não mais.
Tua presença, ímã que atrai,
muda a cenário, a cor, meus ais
se fazem inusuais.
Canto em todo canto até
romances paranormais.
Assim, eu te faço estar num
paraíso incolor, sem dor,
num ritmo improvisado de amor...
E tua lembrança preenche
meus sonhos emocionais,
tais nossos embalos a todo vapor,
até outros mais de juntos olharmos
a vida sem nos perdermos jamais.

Por onde andarás, ó musa de meus devaneios!?
Todos os meus desejos a ti pertencem, e nem
sabes o quanto é difícil contentar-me
apenas com os meus pensamentos
de viver sem nunca tocar em tuas mãos, mas
tão-somente reinventar-te para fugir à morte,
até que a morte ouse apagar este meu
improvável esquecimento.

Sempre serei infeliz porque um dia te quis.
Mas lá na frente alguém diferente jamais saberá
desta minha tristeza companheira e,
entre risos e festas, com todas as arestas,
estarei ciente dos castelos de areia que te fiz
mas as ondas os levaram ao som do silêncio
dolorido que em mim habita.

>>>:
 
3 cortes de Rehgge Apaixonado.

'quem me dera' & 'e o barco vai...'

 
quem me dera.

quem me dera
um dia
fazer um poema
que resolva o dilema
d'alma que chora
quem me dera
confortar o peito que implora

quem me dera
um dia
trazer o belo pra fora
se um verso corrobora
e resume
tudo que não digo
neste sentir que se aflora

quem me dera
um dia
fazer um poema
que seja como a açucena
o perfume de Helena
que de tão bela
seja ornada como lema

quem me dera
indouto
fazer um poema
pra descrever
o riso de quem acena
de quem flerta com a vida
no sonho, no engenho
de sentir tudo
e tentar externar
até em palavras que não tenho

quem me dera
um dia
fazer um poema
que diga tudo
de minha pequenez plena

aí então eu direi
a meu dúbio coração
:
fiz um poema
neste dia

quem me dera
se de agora em diante
eu me tornasse mais falante
neste átimo de magia
que um simples sentimento
fez-me súdito da poesia

***

e o barco vai...

o outono me magoa
está nua a árvore da rua

noutra estação renasce seu verdor

temo não ver o inverno
nem outra primavera
talvez
nem outro verão meus olhos hâo de ver
outro outono que me magoa

sou folha amarelecida no chão
sou o vento - a chuva - o calor

a incógnita natural
na estação que o tempo leva

***
 
'quem me dera'  &  'e o barco vai...'

belofeio belofeio feiobelo feiobelo...

 
o belo vinha do belo
do belo que não existia

na terra do feio
o feio era tão feio
que até belo parecia

belofeio belofeio
feiobelo feiobelo

entre os dois
só o olhar
diferencia

tudo que há
a tudo
de quem não sabe
e pensa que sabia

feiobelo belofeio
o vazio pra se preencher
e pintar a cor de cada dia

***
 
belofeio belofeio feiobelo feiobelo...

2 poemas: trupicos & gira sol.

 
+++++++++++++++++++++++

trupicos.

tô mais inseguro
que barco sem poita

tomei um laxante
não acho a moita

rabugento
não sei se açoito a vida
ou se a vida me açoita

no espírito
que me vem de manhã
e comigo pernoita

eta jabaculê do balacobaco!

ai-ai-ai
quem trupica também cai

pra mudar de opinião
sem que ela seja afoita

vou correr atrás do vento
meio uó do borogodó
qu'essa labuta só me coita

***

+++++++++++++++++++++++++

gira sol.

Bira não vê a pira
de sua cremação indolor
dá o pira
e se atira
num banho de raios ultravioleta
que até da borboleta
rouba a cor

na cozinha enfurnada
erra no tempero
excede no sal

e lá do terreiro
vê a sala e o quarto
onde num reflexo
gira, gira o sol

e se põe festeira
la pras bandas
da gafieira
com um homem mulato
do mato
com sapato de dançarino

e nem se lembra do menino
que gira ao seu redor

ela precisa viver
deixar um pouco
a lida normal
sem retroceder
até o próximo carnaval

no vendaval da ilusão
vê-se sair pela rua
descalça
sem destino
com a flor
símbolo
de sua sofreguidão

largou pra trás a tristeza
pra ver o desfile
lá do pontilhão

e se tinha um figurante
com a mesma ideia
mirando-a
com um girassol na mão

+++++++++++

****
 
2 poemas: trupicos & gira sol.

aerocontraste 1 e 2.

 
v..... a .... g.... o....

vejo no dia
a cor
a gente
a coreografia
o agente
que move
num repente
a dança
de viver somente
mas
quem-diz-que
não vibra
na frequência
fecha a mente em zoom
assimila
a contra maré
dos anseios chulos
cega-se à vala comum

ora
há gente
que sorri
apenas com o que sente

essa
gente
quebra o compasso
&
ao som da cidade
faz-me continuar
vendo e vivendo
os detalhes
do porquê existir
não pela metade

((()))

em terra
encontrei o mar

no mar
sem mais terra
encontrei o espaço

além do espaço
fugiram-me as palavras

no vazio
na imensidão
aprisionaram-se

***
 
aerocontraste 1 e 2.

Fruto Exótico.

 
Morena cravo e canela
Sabor exótico
Faz fuzuê
Desfila na viela.

E as sirigaitas cantam
(duas em conversê):

'Que quenga mais vulgar
A biscate do barraco 69
Se acha tão sensual
Só porque tem 19,
Só marido eu tive 9;

'E eu então:
Que até com painho
O mandachuva
Já fiz um 'love',
Me chamam de chocadeira
Lá no forró da plebe
Que desentorto prego 'dosome'
A troco duma dose
De Bola de Neve,
Essa aí pensa que é açaí
Da vila das Palmeiras
E nós frutinhas comuns
Xepas lá da feira...'

E dois pingaiada
No boteco de quase nada
Dão uma bizoiada no remelexo
Andar da bundinha empinada
Quando o vento
Levanta sua saia rodada:

'Ah, que frutinha exótica
(em duo manguaçado)

Será que será
PEQUI - "vem já aqui"
CAGAITA - "meu desejo baita"
ARATICUM - "sem zumzumzum"
ARAÇÁ - "encher meu picuá"
MURICI - "Vem cá beleza tupi"
CAPISTEL - "tô pra ti cabeça-carrossel"
MAMACADELA - "teso numa piscadela".

Qual o sabor dela
Do meio da forquilha
Coberta pela calcinha amarela?'

Ela se foi lá na curva
Quando retornar
Todo mundo desvia o olhar
E mil outros comentários farão,

A fruta diferente do pomar
Os machos querem provar

As fêmeas invejosas
Se mordem
Que nem escorpiões
Nervosas

Uns tapas nela ainda vão dar!

******
 
Fruto Exótico.

7 poemas de segunda numa segunda-feira.

 
7 poemas de segunda numa segunda-feira.

da beira mar um aceno
meu medo da gangorra
dum querer além

virei às costas
me afoguei em terra

de tanto procurar
teu último adeus
que as ondas levaram

****************************

já não me culpo
de todo dia querer morrer

culpo-me
apenas por resistir
ao que morreu em mim

desmotivado
apenas cuidando do meu corpo

sobrevivendo
a uma vida tão igual

***************************

tudo que tenho
foi-me dado de graça
até um caminho

há uma senda
que me leva ao objetivo
de uma luz negra
apagada
no fim de qualquer jornada
pra me iluminar

que me fará ser eu mesmo

nem que eu morra
no afã de acendê-la

****************************

um amigo me deu às costas
sem eu nunca dele precisar

talvez porque não desejasse
ter que me encarar

e ouvir
que nem a meu enterro precisaria vir

e nem virá
pois ele já morreu
no diário que incinerei

na borracha que passei na mente
simplesmente
porque à partir do fato
encarei-me pra ver
que só precisava de mim

******************************

por você
sempre fiz bobagem

mas hoje criei coragem
de te matar em mim

assim

ainda farei outras
e por outras enfim

e se não és mais
minha única bobagem

ponha a mão na consciência
dá um breque na demência

eu tô curado
não venha acender o estopim

tá queimado
desde o momento que parti
e tu disseste sim

adeus
por enquanto

***************************

no trem
uma criança pobre
pede um biscoito
a mãe de chinelo de dedo

isso me entristece

pois a política
de um dedo em riste
aponta o quão triste

são todas as estações
em que desembarcam
os olhares de crianças

que nem sabem
da pobreza extrema
de todos
que veem elas descerem

do trem que vai e volta
lotado de esperanças

******************************

o óleo diesel do córrego fétido
parece um arco-íris horizontal
sobre os dejetos da civilização

quanto dói em mim
ver o arco da aliança
tão belo sob as nuvens

imperecível

neste olhar passageiro
de tanta desnatureza
sufocando meu basta

e empurrando-me
a um vale verde
em que eu seria mais humano
sem um plano de fuga

***
 
7 poemas de segunda numa segunda-feira.

O CANTO DO UIRAPURU

 
 
poema de Rehgge Camargo
declamação de José Silveira

O CANTO DO UIRAPURU

Daqui só eu o escuto
Meu uirapuru esquecido
Em meu nicho insondável,
Mas se estivesse aqui
Neste canto agradável
Por ti nascido
Apenas seria,
Apenas seria
Só mais um canto
Só mais um em desarmonia.

Me vejo de lá
Me vejo
De pureza temerário
Triste, solitário,
Não seria a vida
Apenas um canto
Num 'canto' imaginário?

Canta uirapuru , canta
A nossa lida ordinária,
Canta que inda te vejo
Na floresta temporária.

"Canta, canta
Canta e dorme,
As luzes se acendem
Sob as luminárias;
Canta, canta
Canta e dorme
Se já não durmo
Em poesias várias."

Ah!
Se eu fosse o passaredo
Daqui não precisar
Conviver com esta gente,
Ser igual ao uirapuru
Que distante canta triste
Mas vive alegremente...

Ah!
Se daqui eu cantasse somente
Sem rosto
Sem ser pássaro
Numa melodia em torrente
Que me saísse do peito
E um coral cantasse
À vida ausente!

****
 
 O CANTO DO UIRAPURU

quem sabe se eu tivesse o dom.

 
,

(This poem has traveled the world and been translated into over ten languages)

Se eu tivesse o dom
De nunca esperar o raiar do dia
E contar no céu estrelas cadentes
Como se fossem espaçonaves
Aterrissando em gotículas
Nas noites;

Se eu tivesse o dom
De ser mais veloz que a luz,
Em câmera lenta
Passearia sobre as campinas
Como um pirilampo
Pousando aqui, ali
Rumando incerto
Em alegres toques
Que não sinto
Mas que sinto num sonhar
Seu invisível toque;

Se eu tivesse o dom
De antever o presente
Da felicidade
Que sempre esteve ausente
Quem sabe
Eu não mais sonharia
Com um Universo paralelo
E uma fuga dormente
Fantástica
De ter na fuga
Uma fantasia como semente;

Se eu tivesse o dom
Ainda
De jogar meus rascunhos fora
E reescrever mil metáforas
Quem sabe
O futuro me aguardasse
E me desse de presente
O passado
Em que livre sendo criança
O mal não povoasse minha mente;

Se eu tivesse o dom
De ainda
Esperar
De ser mais veloz que a luz
E pousar em qualquer lugar
E antever o presente
E escrever mil metáforas
Quem sabe...

Quem sabe
Eu teria - de novo -
O dom de sonhar...
Quem sabe
Eu aspirasse o odor pueril
Das manhãs
E ficasse desesperado
Pra contar a todos
Que vagam como pirilampos
Quão belo é o despertar.

(Rehgge, 1/4/09)

******
 
quem sabe se eu tivesse o dom.

APITO DO TREM.

 
 
poema de Rehgge Camargo
declamação de José Silveira

APITO DO TREM

Carpi com enxada cega meu roçado e plantação
Copiei o joão-de-barro, fiz meu ranchinho no chão
Minha ciência era abrir picada com meu foião
Remirava a estação, colhia café das seis às seis
Comemorava Festa de São João e Folia de Reis.

"Sempre quis saber de lá daqui dalém
Meu sonho chegava, viajava no apito do trem."

Um picadão, mão calejada, nome no dedão
Pescava nos lagos límpidos de minha terra
De serras e um regato que ia pro grotão...
Meu Deus, o rádio, a impaciente mocidade
Me seduziu, fechou deste casca grossa a visão
Que se abriu curiosa à ciência da cidade.

"Sempre quis saber de lá daqui dalém
Meu sonho chegava, viajava no apito do trem."

Peguei o trem, cá estou saudoso dalém daqui
Encorujado, triste, feito sabiá no alto do jequitibá,
Valia mais meu cercado de balaústre, meu ranchinho
De tranca na porta, tramela na janela, que a prisão
Deste casarão de pedras e cimento cobrindo o chão.

"Agora quero saber de lá daqui dalém
Meu sonho volta, viaja no apito do trem."

O dinheiro é o sangue, a terra o coração
A ciência não traz pra este mar de construção
O cheiro, e o verdor natural do meu sertão,
Aqui tudo é diferente, a gente sofre, a gente sente
Que no céu se apagaram tantas estrelas
Que só brilham sobre o trem de Presidente.

"Agora quero saber de lá daqui dalém
Meu sonho volta, viaja no apito do trem."

.......................................................................

vocabulário:
foião - facão
picadão - cigarro de palha
casca grossa - homem rústico
abrir picada - abrir caminho, trilha
 
APITO DO TREM.

atrás das pálpebras.

 
atrás das pálpebras.

atrás das pálpebras o amor, lisonjeiro, desfila nas trevas.
haverá outro, tão perdido, que se manifeste à luz do dia pro louco, enigmático, escondido
sob os disfarces da razão até que o delírio dele se apodere atirando-o a um corpo onde
enterra, sem desejo, a oferta mais terrível da vida?

atrás das pálpebras vagam sonhos natimortos capazes de moldar olhares funestos e
enfurecidos numa sinfonia de réquiens dissonantes pela única certeza pendente:
a da inércia dos pulos emocionais a vazarem em gotas lacrimais no vasto
oceano: espelho da própria existência.

atrás das pálpebras tecem-se teias de inconformismo, prazeres ineludíveis,
situações indescritíveis de uma prisão inobservada pelo interior de almas
gravitantes, geradoras da realidade.

atrás das pálpebras mora o esgotamento de novos experimentos, um dínamo vagaroso e, talvez,
a libertação de tudo esteja no ato de fingir sobre coisas e fatos inalcançáveis para, após, somente
se observar a intermitente metamorfose dos peregrinos de uma certeza única, ou, ainda, nichos
de interiores cegos, surdos e mudos com intuições irrespondíveis.

***
 
atrás das pálpebras.

GRADE RAIL / RAILGRADE

 
GRADE RAIL / RAILGRADE

GRADE RAIL

Se um dia
recostado na divisória
de idas e voltas
nesta pista sem limite
e o destino sombrio
ser-me só presságios
de ideias incineradas
na fornalha
de quereres em cinzas
e a ira se sobrepor
à bondade resquicial em mim,
estarei observando
não inobservado...
viajarei a mil cidades
saltando as emboscadas
na velocidade da luz,
e se lesmando
meu corpo
inatingir o objetivo
em pensares fúteis
terei a dimensão exata
de quão inúteis
são meus sobressaltos emocionais
tão desiguais
tão inerciais
quanto meus olhos
ao ônibus de saltimbancos
à direita
a carreta do circo teatral
à esquerda...
e eu no meio
sério
tentado
sem talento
a qualquer função
pra fugir da situação
que a distância não resolve
apenas absorve minha indecisão
rodando nas faixas infindas
da rodovia a lugar nenhum
de um cão sem dono.

.......................

RAIL GRADE

If one day
lying on partition
round trips
no limit at this track
and the dark fate
me just be omens
ideas incinerated
the furnace
that you do want to ashes
and will overlap
resquicial goodness in me,
be watching
not unobserved ...
I will travel a thousand cities
skipping ambushes
the speed of light,
and slugs
my body
unattained goal
futile to think about
I have the exact dimension
how useless
are my emotional somersaults
as unequal
as frames
as my eyes
the bus acrobats
right
the theatrical trailer of the circus
left ...
and I mean
serious
tempted
untalented
any function
to get away from the situation
that the distance does not solve
only absorbs my indecision
running endless bands
the road to nowhere
a stray dog.

***
 
GRADE RAIL / RAILGRADE

Por que amo essa mulher

 
Porque ao vagar pela Paulista, quase à altura da Augusta,
a vi esconder o rosto atrás do leque e me fitar por entre os
repetidos movimentos no mesmo instante em que eu pressentia
uma canção romântica, inaudita, talvez "Aline", e senti-me
numa daquelas ruas chiques de Manhattan que Paulo Francis
decantava em prosa e verso. Levei comigo seu olhar penetrante
duma virgem dentro dum cubículo de vidro transparente
que se insinuava só pra mim no burburinho duma rua
de Amsterdam, a Veneza do Norte.

Porque levei comigo a rara fantasia difícil de dissipar-se como
o nevoeiro londrino em que, andando ao acaso, de repente,
se esbarra numa mulher, convida-a para um café com chantilly,
e descobre que ela, além de simpática, é leitora de Poe,
Pessoa, Mario Quintana, Camus, etc., e chora quando
ouve "As rosas não falam", de Cartola. Aí ela diz adeus,
chama um táxi que se perde na distância da avenida com
a cabeça virada como se quisesse dizer algo mais com
o mesmo olhar, talvez, de um fragmento esperançoso,
entorpecedor desde quando passei à sua frente.

Por que amo essa mulher enigmática, magnética e extra-sensorial
que, numa plataforma dum cais de Lisboa, num ato impulsivo
e frenético, descalçaria seus sapatos de salto agulha e mergulharia
no mar pra alcançar a embarcação na qual eu me encontrasse
sem perder o lenço branco, amassado em sua cerrada destra,
só pra dar-me o último aceno até que eu dormisse o sono
profundo... mas que, num último ato de sobrevida, eu, muito louco,
saísse do quarto com a história de "Romeu e Julieta" ao revés, debaixo
do braço, e fitasse, pela claraboia, nos meus ângulos de visão
possíveis, todos os astros... e...nesse epílogo vital, eu não
me permitisse deixar de sonhar pra encontrá-la às gargalhadas,
mostrando-me o céu, o céu de sua boca, o céu duma aeronave
em voo constante que jamais pousasse...

Por que amo essa mulher que, num olhar, leva-me a tantos lugares
de luares cândidos sobre paraísos mutantes, extravagantes,
de choros proibidos... Por que fui me distanciando no vaivém da rua
com o olhar retro ao visgo que me prendeu por não vê-la estranha...
Por que, num instante, me apaixonei sem nem ao menos escutar
sua voz... Porque, talvez, meu amor resida numa ilha inacessível,
defronte ao meu olhar...e a vida toda senti-me preso, desencorajado
para abordá-la...

Por que amo essa mulher até o deslimite do que penso em lhe
oferecer desde agora... até estarmos numa varanda contemplando
o vazio e, já velhinhos, ela iniciar a conversa com a seguinte frase:
"Porque ao vagar pela Paulista, quase na altura da Augusta, o vi ,
ali, acompanhando-me com os olhos...eu me abanando
despreocupada e tão carente... e, num segundo, meus horizontes
abriram-se quando meu olhar e meu pensamento ficaram contigo..."

***
 
Por que amo essa mulher

por entre águas.

 
+++++-

por entre águas
paira o simulacro instigante
do carrossel e sons vitais

desvio-me dos engodos
do destino, suas mágoas

remo no rio sem-fim da tolerância
de dúvidas & acertos
na errância de ventos & pêndulos

por estas águas voltarei
de mais um rascunho à fuga
que o tempo consome pouco a pouco

por entre águas
em flertes
sou o único ser
a me afastar da mesmice
a me afastar de mim mesmo
com o silente propósito
de micro-ondas em meu ouvido
lentamente dissipando meus castelos de areia

***
 
 por entre águas.

cá com meus botões...

 
nem bonito nem feio
nem defeito nem qualidade
quando o amor é verdadeiro
o resto é futilidade

***

O homem começa a ver quando começa a raciocinar.

***

O pássaro que voa nas alturas tomou muitos tombos aprendendo a voar.

***
 
cá com meus botões...

Nota de rodapé.

 
+++++

Escreva poemas,
mas, se te insultarem,
recite palavrões.

+++
 
Nota de rodapé.

parti por ti.

 
parti
depois do "suma"
que Nhá Chica me deu

quis pular do viaduto
mas lá embaixo
supondo tonto meu sangue jorrar
vi uma fileira de luto
pela morte de um fruto
que de maduro caiu
sem dizer adeus
aos filhos seus
aos amigos paus d'água
lá de São Matheus

parti
depois da última surra
que Nhá Chica levou
do meu rival

(pô! até dei um puta home theater zero pra ela
e 6 cds piratas!)

mas... parti
na farra da batucada
meio na transversal
sob os cabos de aço do tróleibus
na cidade de enxoval
de capuz
que nem sequer
me viu cair
me viu existir
ao vivo
correndo da tristeza a flux

passa o desfile
de carros em profusão
e uma roda de curiosos
saiu da procissão
ladeada com o carnaval
ali constataram:
morreu mais um fulano de tal

(pô! me vi , ali, num caixão, na Rio-Santos
vindo pra Sampa, mas passou pela minha cabeça
que, meio sem rumo, eu nem soubesse que tinha morrido)

la vem
lá vem
o bombeiro
o paramédico!
querem me ressuscitar
não adianta
já morro faz tempo
no morro
em fatos dum jornal

cuidem de meus trecos
morrer é tão normal
recriem minha arte no adobe
no corel
sou só mais um número
um maluco que foi pro beleléu

Será que a Chica vai chorar?

*****
 
parti por ti.

não cubram de flores meu túmulo!

 
não cubram de flores meu túmulo
nem reescrevam minhas memórias

me procurem em túneis
onde o trem não passa

no escarcéu do mar
no barco à deriva
e marujos desesperados

me busquem em frases
de para-choques de caminhões
a um triz do precipício
da colisão

pensem com seus botões
no clímax que os agonizam

no alçapão que destrava
e os prendem
quando desconectados se encontram
no lapso memorial fremente

oh, me procurem
nas fendas de rochas inalcançáveis
que alcançam o centro da terra

nas sendas mortais
que precedem a fúria

nos escombros da catedral
atingida pelo míssil
ao lado do cemitério florido
onde jazem meus restos mortais
e os dos animais meus amigos
desde o corte do meu cordão umbilical

me procurem no vácuo
onde o cão de capa preta
deseja trepar com as virgens
santas de um incesto
na fragilidade da carne

oh! não cubram de flores meu túmulo!
minha vida foi o cúmulo
da paz branca que se traveste
em cinzas ao vento
no lado obscuro
do sangue carmesim...

o lado roxo
pigmentado de preto:
o folículo não-coagulante
dolorido de um câncer
no universo abstrato

em que os espíritos
de sodoma e gomorra
se divertem
muito além de céu e inferno
inimaginável
na dimensão
onde o lixo humano gravita

sem meios de voltar
para escrever sua passagem
à partir da morte

***
 
   não cubram de flores meu túmulo!

Rehgge Camargo
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"o poeta absorve, filtra e exala."