Poemas, frases e mensagens de matilde

Seleção dos poemas, frases e mensagens mais populares de matilde

o amor é um presente escondido num embrulho tosco

 
Não consigo respirar, não. Costumava pensar que o amor era um presente escondido numa caixa muito bonita, ornamentada com cores de arco-íris e flores de Primaveras que nunca chegavam. Costumava pensar que o amor morria depois agarrado a nada, desfazíamo-nos do embrulho e o resultado eram peças perdidas de puzzles que em nada eram semelhantes, nenhumas se encaixavam nas outras e eu desengonçava meia dúzia de gestos para tentar montar um quadro impossível. As mãos não pintam já. Descobri que o amor era de travo doce como os teus olhos, descobri que se escondia nos teus braços como se escondem alguns pelos mais envergonhados, encravados nos poros da tua pele. Descobri que o presente é uma benção iluminada e quero vive-lo porque o coração é um vadio que pertence ao amanhã, um vagabundo em ruas desconhecidas, labirintos semestrais de paixões quebradas ao meio, agito a bandeira da paz numa revolta interiror que brinca com a realidade fugaz que me reservam os últimos dias. Hoje viro-me ao avesso, faço o pino e rio-me de ti, acreditas? Toca com a língua o teu cotovelo porque é verdade que contigo não há cais de desânimo nem mágoa em desconsolo. Contigo a verdade pinta-se de tons claros e a negrura da vida estranhamente se reduz a nada, balanço o corpo em sinal de desejo, quero-te abraçar o corpo com a mesma força com que abraço a vida, cruel fado traçado a sangue sobre a tela. Fiz de mim melodias doces sonhadas pelo artista que sabe a música, fiz de mim a malandra e infértil decadência. Quero falar! Quero dizer! Quero contar! Deixa-me contar as estrelas penduradas no nosso tecto, deixa-me pintar a escrita com as lágrimas nos olhos e o coração a arder. Deixa-me. Deixa-me ir esta noite porque o caminho está traçado, há gorilas nas beiradas de uma janela que não existe, há um bem-querer enterrado nos dedos magros como os dias que me acham. Se quiseres vir enche-te de luto e estranha o canto desesperado dos meus passos, bailo esta noite com o vento a redemoinhar nos meus ouvidos. Rasgo a raiva, esburaco a inteligência que me sobra porque um dia nada saberei desta vida que tu não saibas e serás pano na manga da minha camisola. Rasguei-me. Lixei-me até ao osso. Hoje apregoo canções de deuses que não nos preenchem. Calai este desabafo. Tu, meu amor, acerca-te de mim e rouba-me um beijo, que ninguém nunca saiba desta minha loucura, que a conheçam pelas tuas palavras como tu ma conheces pelos silêncios. Eco.
 
o amor é um presente escondido num embrulho tosco

Bailarina foge da caixa de música

 
Sou assim, vou por aí com as latas de atum vazias no saco guardadas, atrás de mim ainda seguem coladas as tuas pegadas por um caminho que não conheces. O meu vestido de bailarina rasgou, tu trepaste-o com as botas de trolha e eu não consegui fugir mais às tuas mãos. Percorrem o meu corpo agora em vaidade quieta e calada, a pele está encurralada e não me esgoto de gritos e fugas. No quarto o escuro de terraços mudos, bagaços seguem-se aos cafés que se tomam desenfreadamente no café ao lado. Tu olhas e eu olho mas o balanço desajeitado das pestanas fecha os olhos dos que não querem ver, eu não vejo, tu não vês e vós? Páro ao fundo da rua com as mãos nos bolsos do corpo agora nu, a chuva serpenteia-se nos caracóis do meu cabelo, o sorriso esconde-se como um cão doente na casota fechada. Rompi os ecos da voz que em silêncio se altera, brindo então aos céus que me esperam com os braços abertos. A minha morte morre-me todos os dias na boca cerrada.
 
Bailarina foge da caixa de música

FAÇO PROPAGANDA À MINHA MORTE

 
Faço propaganda à minha morte em letra maiúscula de propósito.

Roubaram-me.
Roubaram-me o amor verdadeiro com palavras mansas e dei-me conta que a verdade não agita um cravo no meio da revolução. quero cimentar as feridas e construir um muro de berlim com a dor. Se for preciso ergo o meu cabelo, calço uns chinelos, ponho uns óculos amarelos e canto a paz e o amor. quanto ao resto acabou, julguei que era bom ter um irmão mas a pátria roubou-mo.
Qu'é da pátria afinal? está na etiqueta dos gestos, no perfume caro que compraste, nas sapatlhas converse e nada, nada me sabe agora ao velho e pisado vinho do porto. Até isso roubaram estes filhos da mãe.
Eu gosto de mim como sou, mãe, filha, avó (avó ainda não mas hei-de ser) e gosto-me como leitora, compradora, consumista, anarquista, enferma, doente. Gosto-me e pronto. Sei que enlouqueci mas o que é um escritor senão a sua loucura? Porque vós pobres sãos ainda não sabeis escrever a alma de pessoa ou o corpo de espanca, porque vóis manjais o orgulho, a fama e vestis a vossa pele com a hipocrisia de um derrotado patriotismo.
Eu calo-me porque a revolução de abril à muito que ma roubaram. Bateis-me e eu calo-me. matais-me e eu calo-me mas às minhas palavras não lhes chegais com a mão, não as matais porque já morreram.

FAÇO PROPAGANDA À MINHA MORTE EM LETRA MAIÚSCULA PROPOSITADAMENTE, COM A MESMA RAPIDEZ COM QUE ME DERAM VIDA HOJE ME MATAM. SOU UM PERSONAGEM, UM HETERÓNIMO E ISSO BASTA-ME PARA MORRER FELIZ.

adeus.
 
FAÇO PROPAGANDA À MINHA MORTE

A vida é um foco de incêndio em Verão seco

 
Nada me incomoda e tudo me maltrata, nada me derruba mas tudo me desperta e cravo nas paredes uma angústia destilada e suada pela pele tatuada de sempres. Nunca haverão gritos tão altos como os meus, as nuvens descem para me ver gritar, não aguentam a minha dor meu amor. Nada neste momento se ficará, nada resta, nada me é suficiente que não sejam os teus braços a envolver-me. Não me dependo em nada mas te adoro tudo. Não me respiro, não me vivo e só na tua vida encontro sentido para a minha como se fosse possível acreditar numa vida que já não se tem. Nada me pertence. Eu sou do mundo inteiro e não sou de ninguém, nem de mim. Páro de andar às aranhas, esta teia não me prende mais. Quero voar! Quero sair de mim para me ser no espaço em volta, tempos que havia de inventar nas minhas dores, a vida é um foco de incêndio num Verão seco.
 
A vida é um foco de incêndio em Verão seco