MOLDURA
Meus olhos rasgam o azul
as pedras se levantam contra mim
meu corpo flutua
ora sou verso sou reverso
rasgo o vestido que teço
minhas folhas são lanças
salgo meus pássaros
depeno as pétalas das minhas borboletas
e meu sonho desfalece
nessa imensa vaga que se tece
sou a tua ausencia
no fio elástico da minha moldura
HORA INTRANSITIVA
Da maleta janela semi aberta para a rua
ele espreita
o mêdo não tem sexo
o mêdo é feio
e o belo me assusta
com sua bondade
eu não sei quem é voce
mas os seus circunflexos fascinam
não há mais tempo para dizer
o que não foi dito
a cada segundo o relógio a bomba
e a língua deslocam o verbo intransitivo
Esse cão que lambe os pés do dono
conhece das verdades do amor
que eu não conheço...
UM INTERMEZZO
(líricas de um evangelho insano)
Enquanto o tempo
desfolha meus olhos
a placenta orvalha a semente
a semente reflui
germina o eixo
vegetal partícula azul de ti
em minha alma
em minha mente
Ceifo e colho desta inquietação
do sangue de teus grãos
guardo nas águas
do meu éter
os teus sonhos escritos
nos meus ossos.
A verve de tua essencia
incensa-me beija-me
esta minha boca
salivada de chão!
ASSIM VERDE
Porque te vejo negro!
Pálido, obscuro,
Porque maldito e impuro,
verde sangue,
na alma te pintei de azul!
Verde rosto, verde feno,
verde tinto, amarelo veneno,
cálice de sombras,
te pintei o pó!
Assim mortífero, assim nú,
verde-ébano, verde- crú,
neste inferno de Dante,
entre os meus arfantes seios,
de verde-leite, lírio e azeite,
de alma-verde,te amamentei ó Jó!
Ah...impudico verde de cinza errante,
que ainda respinga com essa luz vazante,
reflexos fugidios desse azul alado.
Mariposas dançam, negro é o telhado,
a noite é sempre verde, de azul molhado,
refletindo em gotas este negro prisma,
este insólito verde,
que do azul do céu não cisma.
Verde-sol, verde-morte,
verde barro,
porque te vejo negro,
na alma
te pintei de azul!
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100 reticencias
Diga-me 100 reticencias........................
diga-me do eco que não ouço
da voz que não escuto
da ausência em que me oculto
diga-me ponto faminto
da lúbrica aureola desse teu labirinto
sempre dor e desencontro
diga-me olhando-me nos olhos
voce que me envolve a pele
com esse doce crepúsculo
e me veste de auroras as minhas sombras
que não há mais que reticencias
além de todas as ausências
quando a vida se nos faz encontros
sem reticencias...
POEMA EM CLARO/ESCURO
Quando as luzes se apagam
a vigília escurece a aurora
e os ciclones pela noite vagam
e o verso já não sabe mais onde mora
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Se o rumo perdeu por insano
se o vento rebateu forte a mirada
e a gota maior que o oceano
explodiu-lhe em quimeras passadas...
.........................................................
Assim o teu poema não dito
aquele que guardaste sem memória
no verso do verso ainda não escrito
....................................................
que o digas em outra plaga
pois nunca o disseste em claro dia
a esta alma que de ti se apaga
UM PENTAGRAMA PASCAL
FELIZ PÁSCOA!
Quando o vento sopra as estrelas
tudo o que se guarda
se move
Pois quem traçou o caminho dos ventos
dos turbilhões
também deixou escrito o das estrelas
e um pentagrama de gaivotas...
e quem está em cima
também embaixo está
Desde a primeira pedra te espero
à beira do rio onde nasce o milho
lá onde se pescam os peixes de sangue e jade
e a aurora esparge o pólen
A pedra foi revolvida!
Vem!
ETERNAMENTE
Claro que te busco
mesmo quando a noite de mim se esconde
e pincela com asteriscos duendes
as colméias do meu céu brusco
Claro que te busco
nas entrelinhas das minhas sílabas
escritas perdidas entre as nódoas
da árvore lanhada
Claro que te busco
no claro escuro das minhas raízes
além dos meus pensamentos
neste vaso andarilho de geratrizes
que acende os dias e noites
de meus sonhos pagãos
te busco sempre no altar ancestral da minha carne
nú e revestido de nenúfares em celestial canção
Sou apenas torso e composição sobre a lousa fria
que aleita o ritmo a acustica dessa liturgia
dessa busca dessa plangente melodia
na câmara ardente do gozo do coração
deste hemisfério que sangra
entre os teus rios fragmentados
Claro que te sei quando entranhado
lingan sorvo delfim
te hospedas eternamente no secreto de mim!
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Haicais 34/33/32
34
Folha seca ao vento
flutua na morna brisa
o lamento escreve
33
Borboletas aladas
sopram as flores do tempo
florescem ao vento
32
Na boca do lírio
a seiva viva lavra
o pólen do verso
Que fizeste tu com minhas flores?
Antes de Heráclito as águas e as flores já eram de fogo e sangue!)
Que fizeste tu antes e depois do agora?
sopras e apagas e mesmo assim floresces
que fazes tu com essas flores do agora?
deixei-te bilhetes à porta do acaso
escrevi -acasos por bilhetes
escrevi no vaso no vento
escrevi na chuva e fora do tempo
e não me ouviste
então canto para não morrer
canto porque a flor sangra/tenho fome
e é preciso não morrer além das palavras
e mesmo assim só tu és ainda minha ventura
e desventura como diz Borges
Inesgotável e pura!