Mentes egoístas
Você está feliz em sua casa confortável?
Você está feliz com o alimento que pode degustar?
Você está feliz com seu corpo descansado e saudável?
Você está feliz com toda a sua família reunida, celebrando alguma data especial?
Enquanto isso,
os cavalos puxam dolorosa e silenciosamente pesadas carroças...
Enquanto isso,
os matadouros estão repletos de desespero, crueldade e dor...
Enquanto isso,
florestas inteiras estão sendo destruídas...
Até quando seguiremos nos importando apenas com a raça humana?
Enquanto vivemos nossas vidas repletas de conforto, a natureza sofre.
Não é isso em verdade lamentável?
Não sermos capazes de tratar o planeta com um pouco de compaixão?
Da minha janela entreaberta
Prove-me,
enquanto me verte o sofrimento;
Prove minhas carências
e revoltas.
Deguste
este vil sabor.
Porque pálido se fez hoje o céu,
e também meu rosto e
nebulosa ficou a paisagem
que avistei da minha janela,
entreaberta.
Meus olhos não aguentaram
ver a dor alheia estampada
em soluços e gritos
desesperados.
Embaçou meu olhar e
lavei meu vestido com lágrimas.
Oh perda inevitável,
porque vens interromper a alegria?
Meros mortais que somos,
um dia estaremos todos
gelados e sem vida,
como estes que agora partem.
E o vento esvoaçará
a tristeza no ar.
Súbita alegria
Súbita alegria...
Que substância pode assemelhar-se
ao teu fulgurante contentamento?
A minha forma contém o absoluto,
pressinto,
considerando que conforto há e
ele não vem de fora.
Inundada por inesperada felicidade.
Nada demais aconteceu,
então diz-me
a que se resume tua essência?
Súbita,
surpeendente alegria...
Dispersa minha mente,
e dela me desprendo.
Faz deste instante
de todo cristalino.
Floresce a alegria
e a mente silencia.
E um exuberante céu sobre mim
compartilha comigo
o que não pode ser visto.
Eu gosto de ser humana
Oh céu
porque revela-te infiel?
Eu gosto de ser humana.
Eu gosto desse corpo.
Eu gosto da minha fala,
e do pulsar do meu coração.
Eu gosto de enxergar o mundo com meus olhos.
Eu gosto das minhas mãos.
Eu me sinto bem respirando.
Eu me sinto bem sentindo meu sangue vivo e quente.
Oh céu pareces não me ouvir.
Eu disse que me agrada ser humana.
Por que é que um desafortunado dia chegará
em que não mais serei?
Inocência
Movida pela frágil vontade
Desprovida de maldade
Com inocência atiro-me
em braços estranhos
E esqueço-me de dores
anteriores.
Escoro-me
nos amados ombros
E mais uma vez creio
sermos imunes
ao inevitável fim.
Provamos do êxtase, da glória e
ventura, mas bem ali,
logo em frente pode estar
O gosto amargo da tristeza,
melancolia e quem sabe um leve desespero, decorrente da natural transitoriedade das paixões.
Pôr-do-sol dos amantes
Entardeceu,
a luz solar avermelhada
delicadamente se escondia,
o vento a soprar, sutil
e antes que se fosse o dia,
o primeiro beijo dos amantes,
suave como a poesia.
Mesa farta de morte
Quisera eu ser capaz de não sentir compaixão,
e me sentar à mesa farta com o resto dos homens,
a me deliciar com pratos cheios de sangue dissimulado.
Mas como poderia eu esquecer-me que há pouco,
sobre os campos ensolarados havia felicidade, havia vida.
A mesma inocência que agora nesses pratos encontra-se morta
caminhava a passos lentos, confiando nas mãos que vieram a degolá-la.
Ao testemunhar tamanha covardia me é inevitável a tristeza.
Como criança choro a minha dolorosa compaixão impotente,
que faz da minha tristeza mais triste ao me ver com as mãos algemadas,
sem nada significativo poder fazer, a não ser dizer que sinto muito
e me recusar a comer.
Presença
Eu sinto uma presença,
mas o que ela é?
Respostas me vem.
Mas de onde elas florescem?
Eu gosto de estar viva.
E algo parece viver comigo.
Que me acompanha.
Que me conforta.
Que me segura.
Que até me abraça
enquanto eu durmo.
Essa presença divina
me traz a nostalgia
dos céus.
Diário de uma jornalista
Três horas da tarde,
quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010,
Rio Grande do Sul, Brasil,
o sol queimava,
no céu nenhuma nuvem se via,
no refeitório do hospital o delicioso aroma
do café recém passado impregnava-se nos corredores,
Na maternidade, o choro de uma criança enchia de alegria os jovens pais,
na emergência, a ambulância chegava às pressas com mais uma vítima da violência,
no consultório uma senhora com dor na coluna, um senhor com falta de ar, um bebê febril, um homem com pressão alta.
Na rampa da UTI
corpos eram conduzidos um a um
à sala fria
que cheirava a morte.
E o ruído daquelas macas me causou medo.
Carros fúnebres estacionados.
Familiares recebem as notícias.
Desespero.
Dor.
E eu venho pra casa com minha máquina fotográfica,
espalhando lágrimas ao vento.
Desejo e dor
Ah vertigem tenebrosa...
Que ardor estranho despertas,
dor insignificante.
Provéns do meu querer, óh desejo inútil.
Acaso não és tu , desejo, que me fazes carregar dores ordinárias,sem grandeza alguma? Não és tu que corres em círculo?
Amantes ardem de desejo, mas o desejo nos conduz apenas ao querer mais, sem nunca chegarmos a uma satisfação plena. Seremos nós apenas isto, por mais que isto nos pareça enorme?