Um trago de amor
A mesa estava posta. A sala, vazia. Exceto pela mulher que, com um cigarro preso entre os dedos, observava a lenha crepitando na lareira. Travavam uma guerra silenciosa, o cigarro e a madeira, para ver quem primeiro viraria cinzas. Mas ela própria já havia vencido aquela disputa.
O cenário era melancólico. As chamas projetavam na parede a sombra daquele fantasma amargo, que parecia aguardar resignadamente o dia do juízo final. E aguardava mesmo, embora esse dia estivesse distante.
Aquela noite ela esperava seu futuro marido. Ela não o conhecia ainda, mas estava escrito que seria assim. Ao contrário de sua irmã mais jovem, que deveria ser feliz apenas ao lado de um homem que de fato a merecesse, ela precisava zelar pela família.
Tentava consolar-se. Afinal de contas, o homem era rico. Poderia cobrir-se de joias e perfumes caros. Mandaria coser vestidos de seda pura e moraria em uma verdadeira mansão, repleta de criados que fariam todas as suas vontades.
Um arremedo de sorriso surgia em sua face. Amargo também. Parecia que adivinhava que não seria esse seu destino, e, ainda que fosse, talvez ela não fosse tão superficial quanto julgavam.
Voltou o olhar a porta. Um tiquetaquear incômodo a inquietava, parecia avisar a todo momento que ninguém viria. E se viesse e não gostasse dela? Se não viesse, era sinal que sua reputação fora suficiente para assustá-lo. De todo modo, ela saía perdendo.
Levantou-se do sofá, impaciente. Foi olhar-se num espelho. Havia duas dela. Uma tão imóvel quanto uma fotografia, presa dentro do espelho na mais completa resignação; e outra igualmente imóvel, mas tão agitada quanto as sombras nervosas que se levantavam contra a luz. Apesar disso, achou-se bonita. Apesar dos cabelos pretos e dos olhos também pretos. Apesar de não parecer, em nada, com aquela que parecia ser a personificação da beleza.
Do lado de fora da casa, o assoalho rangeu. Alguém vinha, pensou, e batidas na porta confirmaram suas suspeitas. O coração falhou uma batida. As mãos nos cabelos repararam o penteado sofisticado.
Abriu a porta com o sorriso que havia ensaiado. Entretanto, ele logo esmaeceu.
— Ah, é você.
O desprezo em sua voz, ao reconhecer o rapaz parado à soleira. Deu-lhe as costas, retornando à sala, mas a porta permaneceu aberta em um convite silencioso.
Parecia que não, mas suas pupilas enigmáticas vigiavam-no pelo reflexo do espelho. Costumava fingir que não sabia seu nome e frequentemente se referia a ele como “garoto estranho”. Tinha que admitir, contudo, que há algum tempo sua impressão sobre ele havia mudado.
Ele já não era o moleque pálido e magro, meio desconjuntado, do qual se recordava. Tornara-se um rapaz atraente, de ombros largos e traços marcantes – exceto, talvez, por aqueles cabelos terrivelmente desalinhados. Naturalmente, deveria amadurecer ainda antes de tornar-se um homem de fato. Ganharia alguns centímetros, engrossaria os pelos do rosto. Entretanto, já naquela época seus olhos detinham um brilho trágico, que sugeria um peso maior do que alguém tão jovem deveria carregar.
Eles não eram tão diferentes, afinal.
— O que faz aqui?
Aproximou-se, muito mais do que era necessário, apenas para soprar a fumaça em seu rosto.
— Vim pedir que fuja comigo.
— Fugir? – ela pareceu se divertir – Não seja tolo garoto. O que eu poderia querer com uma criança você?
— Eu posso cuidar de você.
— Oh, cuidar da sua mãe o tornou perito em mulheres?
— Eu sei tratar uma mulher.
— Eu não sou qualquer mulher.
Por um instante, a observação provocou um pesado silêncio, mas o garoto não desistiria tão fácil.
— Deixe que eu prove o meu amor e verá.
— Amor? É com isso que pretende me conquistar? Seu amor não é mais real que qualquer outro sonho, garoto. Acorde enquanto há tempo.
— Não. É você quem está sonhando. Está presa em um pesadelo, não vê? Deixe-me acordá-la...
— Com um beijo de amor eterno? Ora, não me faça rir.
— Ria se é o que deseja.
Ela tentou escapar da onda de excitação que envolveu seu corpo naquele momento, porém um pulso sólido a susteve. Como um pássaro indefeso que se choca acidentalmente contra uma janela, ela se chocou contra o peito forte do jovem, mas suas asas há muito haviam se partido.
Permaneceu sem reação, com a cabeça inclinada sob a pressão do beijo inesperado, até que o calor daquela boca penetrou-a, provocando um súbito estremecimento. Ela sentiu-lhe os lábios, macios, frescos na cálida aspereza de uma barba recente, tomando os seus. Então suas mãos se crisparam sobre os ombros do homem. Sim, deu-se conta de que ele já era um homem, afinal, e amava com uma paixão arrebatadora, a qual ela se entregou febril.
— Vá.
Disse quando ele se afastou.
— Mas...
— Vá.
Quando a porta se fechou, um riso espontâneo e estranhamente sensual escapou de sua garganta, como se tivesse, de repente, recuperado a juventude perdida em anos de amargura. Havia provado do fruto proibido, polpa saborosa oferecida à fome, pelo qual seria um milhão de vezes expulsa do paraíso (a cada despudorada lembrança).
Estava pronta para enfrentar seu destino.