Poemas, frases e mensagens de CláudiaFariaPereira

Seleção dos poemas, frases e mensagens mais populares de CláudiaFariaPereira

Permite-me ser de manhã

 
Relembra-me, logo pela manhã, o cheiro ameno do teu suor,
do teu plátano descoberto pelas mãos que o acariciam.

Celebro o teu corpo em esquina,
dobrado em ângulo na posição em que desperto.

Sucumbes à respiração que dança no teu pescoço,
à brisa morna e irrequieta que te ofereço em lábios.

Absorvo a tua pele como um poema que não li.
Mastigo-te, sabor, como paladar que desconhecia.

Sou, em ti.
Permanece em alma-corpo. Deixa-me ser em ti.

CláudiaFariaPereira
 
Permite-me ser de manhã

os sonhos também pesam

 
acordo com a melodia das
palavras à volta da boca
o rosto empedernido
e os braços arregaçados

levanto-me depois das horas sem
sono,
das não-ditas
malditas
palavras.

levanto-me antes dos minutos
que quero viver,
das não-escritas
tardias
palavras.

acordo sem a harmonia do
peso dos meus livros
os olhos embevecidos
e as mãos suadas

acordo com os sons da casa
levanto-me depois do tudo -
ando sem sentir o chão
e como pesados me são...

os sonhos!
 
os sonhos também pesam

Areias de onda colada nos meus pés

 
Trago nos pés a areia do teu corpo.
Caminhei-te como quem te persegue.
Passeei-te como quem te conhece.

E trago nos pés as
conchas que pisei
e a espuma sonora.

Trago nos pés
os seixos doridos
de negro e de maré.

Trago-te nos pés
como quem te segura.
E levo-te, para sempre.
 
Areias de onda colada nos meus pés

Diálogo de pedra em noite sussurrada

 
Minha manhã pautada em desalinho.

- Sussurro pelo teu corpo, na efémera letargia das primeiras horas. Quero musicar-me de ti.

Em pálpebra desarranjada, vejo-te serena a caminhar no meu cheiro, pelo meu sono que desmanchas sem palavras.

- Entro na tua paixão, tal mar de púrpura assoalhado em veludo.

Mar que criámos nas horas em que nos vemos nascer.

- Nos minutos recortados de um sabor leve que nos acompanha.

És o meu rio de poeta nascido.
És esse sabor que me prende a anca ao dobrar-me na memória.
És tumultuoso estar nesta pedra em que te gravo.

- Recolhe as pedras do chão. Sou serigrafia em ti, impressão do teu desejar. Não me quero linear no pensamento que ao teu se cola, se esbate e se complementa.

Não. Somos o rio de poeta nascido. Corremos, lado a lado, pelas margens que desigualamos na nossa constância. De mãos dadas, esses limites que traçamos ao caminhar são também a nossa água.
 
Diálogo de pedra em noite sussurrada

E porque pensávamos no Amor

 
Sabes as vespertinas meias palavras, balbuciadas em meio gesto, que cheiraste no meu colo? Chegaste a pensar num livro qualquer, comprado numa livraria que não lembras.
E porque pensavas nesse livro, desabotoaste-me a pele e teus lábios foram serenos. O teu cotovelo desdobrou-se em seda e, em brandura, senti o teu abraço em púbis recortado.

É deleitosa curva com que me absorves, com que me enleias a tudo o que te permites descortinar. Tu plena, aqui, sorrindo aos suspiros que em mim cantam quando assim te estendes em mim. Tu que és a firmeza, a solidez, a mulher que recorto e deixo voar, pois sei-te em mim em cada contemplar que nos oferecemos, em cada gesto-trejeito que sem fim nos permitimos entoar.

E porque pensávamos nesse livro, soube-te amanhecer à beira-mar do meu corpo. Disseste-mo uns dias depois. E lembraste onde o tinhas comprado.
 
E porque pensávamos no Amor

Há solidão de domingo repetido

 
E porque em ti acordo, celebro nestas linhas um demasiado perder de palavras arrastadas e consumidas em álcool.

Escrevo desenfreadamente.
Procuro na pena derramada as manchas que esqueço quando as escrevo.

Diz-me. Há um engano perturbado enquanto olho para ti nesta curva de escrita.
Sou para ti as letras que regurgito em plena solidão de não estares.
 
Há solidão de domingo repetido

O poeta que ri

 
Alma-poeta que foge e balança
quando aqui me sento e olho para
ti de lápis cantado.

Alma-poeta que nasce e brinca enquanto me delicio a brincar com as palavras que, sem cuidado, crescem e brotam dos teus lábios.

Alma-poeta que declama e cai
como céu apertado, onde na cinza
escorrega e em cinza desmaia.

Sim! É a Alma-poeta a fugir e a balançar a nascer e a brincar a declamar e a cair... é a alma que chora e o poeta que ri!
 
O poeta que ri

Livro Azul

 
Consigo saborear aquele amargo tóxico da ponta da esferográfica nos meus lábios... Talvez uma estranha forma para conseguir sepultar as palavras, os sentimentos, os beijos, as lágrimas, os sorrisos, a minha boca, a minha pele, o meu sexo, neste meu Livro Azul.

Talvez assim fosse mais fácil, não ter que lidar com tudo no mesmo momento. Bastava abrir o livro, desfolhá-lo para cima de mim e sentir de novo o peso de tudo aquilo que tinha guardado.

Ao ouvir-te, consigo ouvi-lo. Consigo ouvir o meu violino, enterrado no meu corpo, rasgando notas para sair, partindo as cordas pelas paredes do meu útero, causando-me gemidos musicais, húmidos, orgásmicos.

Por vezes masturbo-me pelo meio da multidão, ninguém dá por nada. Escorrego a mão pelas calças e deslizo a mão pelo sexo. Penso em ti. Cerro os olhos e digo o teu nome. Nunca estás.
 
Livro Azul

Sou Rio Sou Verso

 
Amo a esquina do verso
que adormece em quadra
da tua rima musicada.

Amo o pássaro do rio
que em tábuas se levanta
do seu sono esquecido.

Sou esquina e pássaro
versada no rio
sou rima esquecida
música ensonada.

Sou rio sou verso
de pássaro curvado
Sou quadra levantada
tábua adormecida.
 
Sou Rio Sou Verso

A duas

 
Ladrilho empedrado que, em suavidade, desenho no ondular perdido do teu cabelo incendiado.

- És meu traje de lua empedrecida, Amor meu, terraço das minhas lembranças.

- Sintonia, a tua, que me arregaça.

- Sintonia, a minha, que em cinzas te abraça. Ombros negros levantados de incertezas que em ti desmaiam.

- Cai na minha pele como dia de água serena. Suporto os teus ombros em mim desmaiados quando de longe me sonhas. Arrasta teus beijos na pele descaída que o tempo me deu, pois nesses lábios incertos o tempo morreu.

- Não guies os meus dedos que no escuro te sabem ler. És corpo tecido em palavras de um amor que apenas sonhei.
 
A duas

Acaso

 
Acaso te desfolho
pele incendiada
quando de ti sou exilada?

Acaso me ouves
cabelo solto em dó
quando rasgo o verniz das tuas unhas?

Acaso te encontro
corpo azul nómada
quando escorrego em tua sombra?

Acaso te sonho
olhos desregrados
quando tropeço nas tuas imagens?

Acaso me apaixono
lábios cansados em meia lua
quando grito em sabor?
 
Acaso

Era duas vezes...

 
Saberás reconhecer, palavras d'água, este percurso por ti levado?

A janela rasgada do meu braço
aquele fim de rua caiado, envolto em olhares de verde regado.

Saberás olhar, gestos de vento, para este recorte por ti desenhado?

O pilar caído em minhas mãos
aquele fim de rua caiado, esquecido dos olhares
outrora
de verde regado.
 
Era duas vezes...

Puta maneira de estar I

 
Desertifico-me.
Não desprego do chão, mas tenho vertigens.
Invade-me uma vontade de sair para a rua absolutamente nua e matar alguém.
 
Puta maneira de estar I

Manhã de um dia adiado

 
Amanheço
em enlevo entrançado
dos teus dedos
em fios de cabelo.

Adormeço-te no meu sossego para que o dia não comece.
 
Manhã de um dia adiado

Fotografias

 
A partir de agora
vou partir
como se os teus dedos fossem cor de malva;

amanhã serei sempre a
fotografia que despertou da
poeira das mãos.

A partir de agora
vou ausentar-me do meu corpo
como luz que se arrasta
pelo espectro silencioso;

daqui a uma semana
coroo-te com flores molhadas
enroladas na prata semeada.

São tantos os sabores
tantas as coisas abandonadas
como semanas que são belas
isoladas do mundo.

Poucos são os medos
poucas as almas entorpecidas
lembrando anos sem sono
pintados de prazer.

Enormes são as flores acordadas
e o sexo da manhã.

ouve-me:
sou recorte de fotografia
ferrugem de livros
e alfinetes abandonados.

grita-me:
és lâmina imaginada
brilho de navalha
e colchas ensanguentadas.

A partir de agora
nomeio-te perfume
nas cortinas do quarto
nos tapetes de tinta.

A partir de agora
todos os corpos soterrados
moram petrificados no teu.

Amanhã serei a tempestade
e o vício do cigarro;
daqui a uma semana
vou deixar de saber quem sou…
nesse dia escrevo-te de novo.
 
Fotografias

O Outro Quinteto

 
Recorda a promessa ao recordá-la
na confusão da árvore naufragada;
não sabes quem te esqueça
nem das cidades a certeza.

Cinco desejos, cinco medos
para além do inocente que te leva
e te sonha nas manhãs frias
perdidas, submersas
no voltar a que te obrigas.

Mas se cessas a procura
da miragem em que te derramas
nas águas ruidosas e protegidas
tropeças em passo de valsa.

E se desceres
Sem desceres na ausência
do teu corpo resignado
eventualmente
sofrerás as ruínas
da tua casa de pedra
em cheiro de tempo e
de carruagens modernas.

E se caíres
em jeito de sonho desmedido
ali os cinco desejos, cinco medos
de um quinteto exíguo
em espaço de teatro
saberás as deixas inoportunas
e as falas interpretadas
por um mar terrivelmente sensível.

Recorda a promessa
do tudo e do nada;
esquece o chilrear descarado
no teu colo breve que se passeia
em colinas musicais, imprecisas
esforçadas, encontradas
numa pergunta melhor
que não a cópia de um humor
assoberbado, que se controla
pelo poder de quem está
e não volta.
 
O Outro Quinteto