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100

 

- carlos alberto machado -


. façam de conta que eu não estive cá .

"A minha mãe morreu
quando eu tinha 48 anos e ela 68
uma boa idade para morrer claro
que tive de ser eu a matá-la
48 anos é uma boa idade
para matar."

carlos alberto machado




tu mataste a tua mãe, tu mataste a tua mãe, tu mataste a tua mãe. fica descansado que hoje sou eu que te mato, ou tu que me matas a mim. chegas sempre atrasado aos lugares onde estou, as botas cardadas. não te preocupes, não direi a ninguém de como me cortas a cornea. cala-te. morre-me sempre um tempo antes e depois de ti, como se o teu estar interrompesse o processo de envelhecimento. olha lá: não me voltes as costas que é falta de educação, ou será que já te esqueceste: tu mataste a tua mãe, tu mataste a tua mãe, tu mataste a tua mãe.
não me fujas, ensina-me a matar a minha.
 
Autor
Margarete
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Enviado por Tópico
Alexis
Publicado: 04/02/2010 22:46  Atualizado: 04/02/2010 22:46
Colaborador
Usuário desde: 29/10/2008
Localidade: guimarães
Mensagens: 7238
 Re: 100
impossível matar ausências irrecuperáveis.mas qualquer idade é boa para a libertação.

lembro-me da minha como se fosse hoje.
um dia talvez te ensine a matar fantasmas.
com carinho.

excelente texto,mar.

bj
alex

Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 04/02/2010 22:59  Atualizado: 04/02/2010 22:59
 Re: 100
É sempre muito dificil de nos separarmos dos nossos entes mais queridos quando eles partem. Como sempre gostei de te ler, e digo-te de novo, do melhor que por aqui se escreve,

um beijo

Luisa Raposo

Enviado por Tópico
jaber
Publicado: 04/02/2010 23:14  Atualizado: 04/02/2010 23:14
Membro de honra
Usuário desde: 24/07/2008
Localidade: Braga
Mensagens: 2780
 Re: 100
o desfecho é surpreendente ou talvez não para quem conhece a tua escrita. todos temos algo lá atrás de que nos queremos livrar, eu também aprenderia qualquer coisa...

Beijo Mar

Enviado por Tópico
Margarete
Publicado: 24/03/2010 23:43  Atualizado: 24/03/2010 23:43
Colaborador
Usuário desde: 10/02/2007
Localidade: braga.
Mensagens: 1199
 não preciso que me digam de carlos alberto machado
Não preciso que me digam que é impuro o que escrevo
vê-se pelas cicatrizes nos dedos da mão direita (a calosidade
amarelada de nicotina no dedo anelar é trabalhinho escravo)
também a espinha lixada e a falta de dentes o mostram bem
não tenho biografia não a procurem no canto mal cheiroso
no meio da noite (o catecismo não é igual para todos não é?)
a minha biografia se quiserem começa e acaba no registo civil
em mil novecentos e cinquenta e quatro também tive direito
a nascer numa geração rasca a de pais anónimos e mães solteiras
o que escrevo é impuro como os sangues menstruais e o mijo
a destilarem amoníaco a federem como as fábricas da cuf
na outra margem onde se escrevia em peles curtidas pelo silêncio
ou como o sangue coagulado dos mortos na guerra colonial
pestes é que não têm faltado na minha vida
deambulo pelos sonhos onde me perco extenuado e amanheço
quase sucumbindo ao ar excessivo que me invade os pulmões
desremelo os olhos e a esbracejar inauguro o dia saído da noite
onde se pesca palavras e outros excrementos da alma.



Carlos Alberto Machado
A Realidade Inclinada
Averno