Poemas : 

06: 21 Hora de Saturno

 
06: 21 Hora de Saturno

1

O quê?!,
Sou eu, uma hora, um erguer compassivo
um punhado de relâmpagos
A vida toda num instante, e mais outro tanto de noite
Eu, um acelerador de partículas e uma coisa acelerada,
o abismo adentro e um vinco mal amado nas calças

Eu, numa hora que se faz instante
num instante que o perde

2
Levanto-me estremunhado, parece ser o meu turno,
E ateio o sol habitualmente,
trago à luz um novo dia-
-a-dia
Sob um farol de anúncio;
Estavas deitada junto ao Vesúvio semi nua, na companhia de um
caderno verde de poemas ilegíveis
Trazias nos braços as marcas de um erro atroz,
um erro atroz, a rima com voz
e uma ferida esgotada de sangue
Estiveste sempre certa pela hora de Saturno
Apetecia-te a iluminação de natal da avenida, dentro do quarto
nunca te habituaste à ideia das enxaquecas que acarretaria

Mas foram tantas as manhãs em que acordei contigo
Que sem ti já não sei como acordar sem medo
de te velar morta, em mim




3
Latente é hoje a maldição aluada
a criação das palavras, os toldos coloridos
os apêndices
duma praça primeiro mundista
Latente o vislumbre alaranjado sobre o caos,
a suspeita descarnada, ensurdecida
O fim passageiro,
O jardim descuidado
A facada de meio punhal
E Um arrepio prateado

4
diletante nas linhas, nas pontas dos dedos
a plenos pulmões
sou pela odisseia submarina, de pulsar ofegante
vazio-propulsor dum quarto-periscópio,
a cidade-hepilepsia
um cigarro-poeta
o matiz plural e a lâmina imberbe
o mergulho transeunte,
uma velocidade de rio
a solidão amovível,
um oceano que a toma
uma nudez esquiva
e mãos vasculhantes,
um irmão amanhecido no asfalto
a valsa cósmica
sirenes, alarmes
solidez mortal
esluvial, oxidante
o colar-guilhotina
uma cabeça com asas incrustadas
o voo, a escala na lua
à galáxia mais próxima
historiar um crime
indiscutível
ditar um romance suicida

5

há muito que não te posso escrever...
há muito que não há por que esperar
ou por que partir
o amor e a sua toalha de rosto
secreta;
num fogo de palha
Onde acontecem as mãos dadas
O amor desce as calçadas
E Nada faz senão morrer,
Por nada
Jovial-incendário
homicida passional

desabou sobre tudo
Abismo abaixo
perdeu os óculos de ler
Os sinais do céu

Diz-me, afinal ao que viemos todos?
Estive demasiado ocupado
A despir-me, do mundo
A entalhá-lo, absorto
Incontactável,

Quis salvar um só verso
Da tua fome, fazer tempo
Escrever-te, ultimamente

6

Tu, que não tens pátria, junta-te a mim
há lugar para ti, nesta galera setentrional
mulheres, promessas, rosas
e ventres de roseira
tu, que não tens nada a perder, junta-te a mim
há desespero por cá, novos sabores,
poemas matutinos
tu, que não sabes nada, junta-te a mim
aprende a esquecer
e a desferir golpes mortais
tu, que não encontras por que nascer, junta-te a mim
engorda as fileiras dos que a si próprios se abraçam
aluados, errantes...
tu que não encontras ninguém, vem comigo
há descaminho para ti, uma chuva gentil
páginas em branco
tu, que amas a vertigem, chega-te a mim
tenho um plano por aí, um espectáculo infindo,
Tu que não escutas ninguém, canta comigo
Existe um lugar para nós.

7
Começa com uma descompostura divina,
Engorda na pastelaria da esquina
Concretifica-se num ribombo crédulo
Silencia o filho, pródigo
Entrevirgulado,
Dissimula-se e mente furiosamente

Começa com rimas e acaba em branco
Descura o enlevo e embarca a mais longa
e desaconselhada viajem
Nós não precisamos de ajuda
oferecemo-nos há escassos segundos um ao outro
e nenhum de nós percebeu como
é que os mandriões se tornaram poetas;
A pergunta é uma só
E Preserva o pensamento fora dos eixos,
Estarei a enlouquecer?
Os psicanalistas alegam:
...devemos conhecê-lo melhor por dentro
O que traz reprimido num esquema de sobrevivência,
Sabemos ser perito em balões de ar quente
E que vive do que pode fotografar da tempestade
Acima das nuvens,
Partindo surdo e de noite apesar das ameaças da meteorologia

Começa com uma explosão e depois implode
Insustentando a pressão externa
mais pequeno, na contramão de si mesmo
menos razoável
arrasta um regimento de cavalaria
que fará actuar assim se divise o tédio
Ataca: Viva a Praça-mundis-intergalática!


 
Autor
Jose Carlos Freixo
 
Texto
Data
Leituras
624
Favoritos
0
Licença
Esta obra está protegida pela licença Creative Commons
0 pontos
0
0
0
Os comentários são de propriedade de seus respectivos autores. Não somos responsáveis pelo seu conteúdo.