Poemas : 

CANTO TRISTE

 
para a sônia, minha irmã


todos parecem felizes na sala
: o pai a mãe os avós
nós vestimos roupas de infância
e você segura minha mão
me protegendo como sempre
mas meu deus todas as personagens
desta história estão mortas
não vão voltar nunca mais
tornaram pó
no entanto a memória me judia
ao trazê-las de volta
para a poesia não existe tempo
e até o ridículo é permitido
mesmo as noites de natal
quando eu me trancava no quarto
- lembras-te? -
porque sempre achei o natal
muito triste e não tolerava aquelas cantigas
noite feliz o caralho
aos oito anos
eu já começava a morrer um pouco
porque a poesia seduzia a minha inocência
e da poesia você não conseguiu me proteger
dei-me a ela de peito aberto
fui à guerra
morri e voltei
com duas medalhas imaginárias no peito
trazia na memória canhões que nunca vi
mas morreria de novo
porque me sei frágil
olho agora esta manhã se desenhando azul
mas deculpe maninha não tenho nenhuma saudade da infância
vou pensando nas mulheres que povoaram minha vida
eram todas bonitas
voltaria aos braços de cada uma delas
e antes de morrer beijaria a boca de uma por uma
depois sim partiria sem culpa
para o exílio de mim mesmo
sem que o dia cobrasse a minha volta

___________

júlio


Júlio Saraiva

 
Autor
Julio Saraiva
 
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Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 10/11/2010 10:53  Atualizado: 10/11/2010 11:13
 Re: CANTO TRISTE - ao Jùlio Saraiva
olá.

poeta nasce só.
só vive com seus poemas.
morre sem definir a soledade
nele personificada, embora
passe a vida toda tentando entendê-la
frente ao espelho que não reflete
seu âmago. talvez por isso cante triste
sem conseguir separar um eu do outro
como dois extremos que coabitam nele.


deixo-lhe uma frase da marcia camargos que li no estadão de domingo e que pretendo usar como epígrafe:

"escrever é gravar as reações psíquicas. o escritor funciona como antena - e disso vem o valor da literatura. por meio dela, fixam-se
aspectos da alma dum povo, ou pelo menos instantes da vida desse povo."


mais ou menos isso, júlio.

abraço do rehgge.


Enviado por Tópico
GeMuniz
Publicado: 10/11/2010 12:40  Atualizado: 10/11/2010 16:21
Membro de honra
Usuário desde: 10/08/2010
Localidade: Brasil
Mensagens: 7283
 Re: CANTO TRISTE
Julio, quando você escreve, arranca para fora o capote, tira também a blusa e a camisa e, por fim, não contente do que lhe arranha e incomoda desveste-se da própria pele e da carne. E quem não sente isso que você transmite na própria tez, acho que não pode gostar de poesia em sua essência... A vida não me dá muitas razões para obter o sentido das coisas. Mas dentro da sua poesia, como esta aqui, muitas coisas, para mim, têm sentido. Concordo com o mano REHGGE. O poeta, de certa forma, casa-se com a soledade e ela vira a única parceira por toda vida. Tenho um textinho que exprime isso que deixo aqui para fazer coro ao belo comentário poético do REHGGE e que foi feito num momento assim. Deixo-o como sinal da amizade de quem aprecia e tem prazer sincero na leitura de seus poemas.

A melancolia me contempla
Busca em meu rosto divagador
Sinais de sua irmã, a soledade

- Soledade soa-me
como a soma
de solidão mais saudade,
gêmeos xifópagos...

E a melancolia
Encontrou a mana escondida
No recato de meu sorriso velado
Voltado ao oculto lado da lua

grande abraço


Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 10/11/2010 15:52  Atualizado: 10/11/2010 15:52
 Re: CANTO TRISTE
gostei do poema mas nao percebo porque nao gostava do pai natal, este poema mostra alguem armagurado que já só vive por viver se nao é o que quis dizer deu a parecer, sei que ao escrever este poema deve ter sentido uma dor imensa, teve mil e umas mulheres mas as vezes o que importa é a mulher certa, não sei se é casado ou não, seja como for gostei deste poema desabafo, mas a vida continua,levante a cabeça e siga em frente sempre ouvi dizer que o fim da nossa vida não nos pertençe porque se assim fosse poderiamos escolher como morrer um dia mas não é assim, sendo assim fica o prencipio e o meio e a resposta é que pertende fazer no iniçio e meio da sua vida fica a ideia no ar
abraços gostei do poema.


Enviado por Tópico
Henricabilio
Publicado: 10/11/2010 19:51  Atualizado: 10/11/2010 19:51
Colaborador
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Mensagens: 6963
 Re: CANTO TRISTE
Um poema que oferece o peito às balas
que é como quem diz, abre o coração às mais puras emoções da vida.
E a poesia não pode passar sem estes momentos de extases sentimentais!

Muito bem!
Grande abraço0!
Abílio**


Enviado por Tópico
Amora
Publicado: 11/11/2010 00:34  Atualizado: 11/11/2010 00:34
Colaborador
Usuário desde: 08/02/2008
Localidade: Brasil
Mensagens: 4705
 Re: CANTO TRISTE
Gosto tanto do seu jeito, Júlio, de escrever-se!

"...aos oito anos eu já começava a morrer..."
Nascer, meu amigo, é estar nas últimas.

Um beijo.