Durante as tardes algarvias, fugia para
fumar os cigarros escondidos do meu tio António,
sem que ele percebesse por que razão, nas tardes algarvias, os
cigarros duravam menos do que o previsto.
Ele tinha um cão chamado Marx,
rijo como um osso, eternamente de língua de fora,
como que morrendo a qualquer momento. A sombra da alfarrobeira
do quintal servia-lhe de pousio: esticava-se aspergindo poeira e,
na língua áspera, imaginava o sabor de um coelho antigo. Logo depois,
apanhado pela languidez das tardes algarvias, o meu tio António
sorria ao cão e dizia-lhe “Pobre Marx”. Não era sua intenção ironizar sobre
a ausência de propriedade privada do Marx, que, na sua casota, já
albergara rolas, melros e gatos: serenamente falava dos efeitos das tardes
algarvias num cão ossudo como o Marx, trespassado pela brisa
salgada e pela atroada violenta das crianças.
No escuro do alpendre, onde, tossicado pelo fumo, fumava um
cigarro escondido - propriedade privada do meu tio António -,
soprava um latido desconsolado do pobre Marx.