Poemas : 

O meu tio António e o Marx, o seu pobre cão

 
Durante as tardes algarvias, fugia para

fumar os cigarros escondidos do meu tio António,

sem que ele percebesse por que razão, nas tardes algarvias, os

cigarros duravam menos do que o previsto.

Ele tinha um cão chamado Marx,

rijo como um osso, eternamente de língua de fora,

como que morrendo a qualquer momento. A sombra da alfarrobeira

do quintal servia-lhe de pousio: esticava-se aspergindo poeira e,

na língua áspera, imaginava o sabor de um coelho antigo. Logo depois,

apanhado pela languidez das tardes algarvias, o meu tio António

sorria ao cão e dizia-lhe “Pobre Marx”. Não era sua intenção ironizar sobre

a ausência de propriedade privada do Marx, que, na sua casota, já

albergara rolas, melros e gatos: serenamente falava dos efeitos das tardes

algarvias num cão ossudo como o Marx, trespassado pela brisa

salgada e pela atroada violenta das crianças.

No escuro do alpendre, onde, tossicado pelo fumo, fumava um

cigarro escondido - propriedade privada do meu tio António -,

soprava um latido desconsolado do pobre Marx.

 
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Levant
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