Prosas Poéticas : 

Velejam-se faluas leves

 
O Sol é agora um tempo de jejum em mesa farta.
Recolhe-se a medo, serpenteado no vermelho do xadrez
Na renda alva e pontilhada
No ponto simétrico desenhado com mil cuidados numa agulha sem farpa.

Realizo: Um pau, uma laça, duas malhas elevadas e de novo o aconchego brando do tecido,
o algodão ardente de noites demarcadas entre luzeiros de espuma e plenitudes de bruma.

Da pontilha na toalha, a teia, que se abre do baixio ao cume do monte.
A Lezíria alagada num Tejo sempre menino e ao cimo o rio, e o mar, e um mapa por se encontrar.

Velejam-se faluas leves.

A vinha vindimada no Outono de ser palavra adormece exausta nas cepas retorcidas, sem folhas e frutos e acorda de novo em veias de seivas robustecedoras.
Permanecem registos de granizo nos telhados, nas janelas de vidros fragmentados e nas pistas matizadas.
(E nas orlas dos carreiros… por onde o vento não passa).

Afundo-me no poema e na palavra, indiciada no rebusque de mim, tela inacabada, na cor e no cheiro. Talvez seja amarelo, avermelhado. Ou quiçá translúcido.

Aguça-se a alma ao toque assíncrono de flores já tão mirradas, no túmido de pétalas desguarnecidas em queda solta.
Soçobram-nos sentenças, sempre mendigas, e delas, todas as dúvidas, todas as perplexidades de um tempo ambíguo, de cantos reclusos, vacilantes.

Equidistantes os nossos passos e a dança que nos dança, navegantes, na pele do vinho mosto, no ébrio do desejo, deste que estala em arroubos desmedidos a crosta dura da encosta, em assomos frementes d’ansiedades. Toda as manhãs, todas as tardes …

O Sol é agora um tempo de jejum em mesa farta.
Caminhamos nas mãos deslaças, bebemos o ópio de um verde-salsa em veredas d’hortos vacilados ao carisma irracional de um trato.

Velejam-se faluas leves num tempo de um verbo que se não escreve.


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Mel de Carvalho
 
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Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 13/11/2007 23:05  Atualizado: 13/11/2007 23:05
 Re: Velejam-se faluas leves p/ Mel de Carvalho
Estive por um tempo escrevendo sobre essa belíssima página tua. Ao enviar, perdi tudo! Não faz mal, escrevo de novo: belíssimos cenários por onde viajam as palavras, nos seus encontros de dor e êxtase. Me influencias. Bendita influência. Já fiz uma prosa poética...
Beijos,
Sandra


Enviado por Tópico
Henrique Mendes
Publicado: 17/11/2007 19:17  Atualizado: 17/11/2007 19:17
Membro de honra
Usuário desde: 01/07/2007
Localidade: Montijo / Portugal
Mensagens: 49
 Re: Velejam-se faluas leves
Mesmo nesse jejum de fim de dia, a tua mesa, feita de sensibilidade e construidos detalhes, sempre é muito farta. Um beijão, Mel.
( Provávelmente nem o sabes, mas sou velejador, e ao falares das faluas, das velas brancas, mexes com um algo de que sinto imensa falta.)HM