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Conversa Pessoal (III)

 
(continuação)


-Boa noite, doce exercício lúdico.

-Boa noite…

-Digamos que ficou boa, agora… que te reencontro.

-Chove lá fora…

-O vento lá fora.

-(riso) O vento é o que me espalha, lembras-te…?

-Lembrei-me do binómio de Newton.

-Ah!... então… estarás a comparar-me a uma deusa de pedra?... posso não ter a beleza, mas tenho o sopro. (risos)

-Vénus de Milo era só uma estátua de pedra, reputadamente bela. Há belezas maiores, por dentro de realidades nossas, quase inofensivas, quase vendavais. Quase invisíveis, quase evidentes.

-Verdade. Gosto que dês mais valor ao sopro que à pedra.

-Ah, doce desconhecida, invocaria eu agora o sopro de Aslan sobre as estátuas frias, no encantamento gélido da Feiticeira Branca…

- Não seria preciso, nunca me conseguiram transformar em pedra. E existo, para cá do que nos separa… o que nos separa…?

-O que nos separou…? Por onde andavas…?

-Onde estou é sempre um lugar de passagem…

-Sim, já vimos que temos isso em comum.

"Nada diz de nós quanto a tangência errática dos encontros,
Somos acidentes, até as palavras inocentes de alguém completamente desconhecido nos justificarem perante nós próprios – a nossa maior virtude é procurar; o nosso maior pecado é conhecer. Por isso continuamos… errando por aí…"


-Gosto de me abismar com o que escreves…

-Sabes o bem (mal) que fazes ao ego de alguém que escreve, com essa declaração…?

-(rindo) Não me agradeças o bem, mas perdoa-me o mal… e livra-me do encontro. (rindo muito)
Errando...

"por muito que caminhe,
sobram-me passos que não dei,
palavras que não cansei,
ou pó que me contamine
a sede.
Por muito que me encontre,
perco-me em cada esquina,
em cada instante que me excede,
em cada olhar quem me pede:
-caminha..."


…aperfeiçoamos a procura… e descobrimos a escrita – somos pecadores, então.

-Confesso… (riso) Mas um pecado confessado é libertação para nova procura…

-Ah, bom… então continuemos, voltemos juntos à virtuosidade da procura, partilhando palavras.

-Sim, em ti sinto ânsia de partilhar de dividir, de libertar o teu peito e expandi-lo, para que o universo todo caiba nele.

-Muito isso… ou concentrar o universo, para caber no meu peito – há pequenas coisas que podem conter o universo inteiro, sabias?...

-…e momentos que podem ser o tempo eterno… Diz-me, achas que no passado desperdiçaste tempo?

-Desperdicei-me, mais que tudo…

-Desculpa se sou perceptivo, e se piso o risco da delicadeza, ao revelar o que intuo…

-Não, estou dentro da procura, aceito as regras... admiro o teu poder intuitivo, sensível, até.

-Sou mesmo, um homem sensível, já muita gente me acusou disso… (sorrindo)

-Gosto da sensibilidade de um homem… talvez porque fui vítima de muita insensibilidade…

-Posso dar-te um abraço com suavidade?

-Virtuosamente virtual… (rindo)

-...e que seja estreito e longo, que eu o saberei interpretar…
(disse Sun San: "cada um de nós obedece a limites que são perigos verdadeiros, mas dentro de nós pode não existir nenhum limite…")



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Propoesia
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