Poemas -> Surrealistas : 

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Entre nós e as palavras há metal fundente
entre nós e as palavras há hélices que andam
e podem dar-nos morte violar-nos tirar
do mais fundo de nós o mais útil segredo
entre nós e as palavras há perfis ardentes
espaços cheios de gente de costas
altas flores venenosas portas por abrir
e escadas e ponteiros e crianças sentadas
à espera do seu tempo e do seu precipício

Ao longo da muralha que habitamos
há palavras de vida há palavras de morte
há palavras imensas, que esperam por nós
e outras, frágeis, que deixaram de esperar
há palavras acesas como barcos
e há palavras homens, palavras que guardam
o seu segredo e a sua posição

Entre nós e as palavras, surdamente,
as mãos e as paredes de Elsenor
E há palavras nocturnas palavras gemidos
palavras que nos sobem ilegíveis à boca
palavras diamantes palavras nunca escritas
palavras impossíveis de escrever
por não termos connosco cordas de violinos
nem todo o sangue do mundo nem todo o amplexo do ar
e os braços dos amantes escrevem muito alto
muito além do azul onde oxidados morrem
palavras maternais só sombra só soluço
só espasmo só amor só solidão desfeita

Entre nós e as palavras, os emparedados
e entre nós e as palavras, o nosso dever falar.

Mário Cesariny, pintor e poeta, nasceu em 1923.
Estudou na Academia de Amadores de Música e ingressou, no início dos anos quarenta, na Escola de Artes Decorativas António Arroio. Depois de uma aproximação ao neo-realismo, afasta-se do movimento. Em 1947, escreve o poema Louvor e Simplificação de Álvaro de Campos (só publicado em 1953) e realiza as suas primeiras experiências plásticas. Embarca, então, na aventura surrealista, que se consumará nos anos seguintes. Viajando para Paris, conhece André Breton. Liga-se ao denominado «Grupo Surrealista de Lisboa», com o qual rompe depois em acesa (e prolongada) polémica, para fundar outro grupo, «Os Surrealistas» (também conhecido como «Grupo Surrealista Dissidente»).

Arte: Celso Felipe.
 
Autor
AjAraujo
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