Poemas : 

Pausa

 
Bebi do cálix da vida
Jamais o cale-se da boca
Ou o cale-se da alma
Como a minha calma
Que já me anda pouca.

Pausa.

Ouvi o cisne em canto.
Um salmo de Davi.
A tentativa, em vão, do esperanto
Nos poemas de lemas que eu nunca
Nem vi.

Para todo efeito uma pausa.
Para cada coisa uma causa.

Para cada ato uma consequência
Que anda me furtando a calma
E o pouco que restou da minha
Pouca paciência.

A espada, quando exposta à carne, sabe quem será a derrotada.


Ouça o que a língua te fala
Ouça o que a razão não te diz
Que onde anda o cavalo de Átila
Não floresce mais jardim.
Não ressuscita o Jesus.

Onde toca a mão humana
Algo se apaga e reluz
Algo seduz e se (te) engana.
Tipo assim,
Algo se contradiz
Quando o coração se cala.

O homem que não deseja nada
Não merece ser feliz.

Sinta o gosto do fel
Daqueles filmes ruins
Em tvs de tubo
Sobre geladeiras com pinguins
Em quartos de motel,
Mas de motel chinfrim
Que não tem papel
Que não tem jardim
Só algo cruel
Que me morde o rim
E o mais de mim.

Lembranças das primeiras alegrias,
Das primeiras prostitutas que eu via nuas
Das primaveras puras
De roubar bandeiras
(Coisas deste jaez)
De beber com as putas
Uma vez por mês.

Reminiscências das primeiras poesias,
Dos encontros entre os amantes
Da descoberta das consoantes
E do encontro consonantal.
Da recusa do outro
Do recuo para o impulso
Dos conhecidos da casa
Desconhecidos no mundo

No universo do tudo
Inveje o mundo do nada.

Que saudades que tenho
De quando éramos lenho
E das antigas moradas
De paredes caiadas
Com varanda e terreiro
Pés de jaboticabas
Que davam o ano inteiro
Sem se ver outras iguais
Esparramadas
Entre as flores vermelhas
Rescendendo nas laranjeiras
Quando o vento beijava
As folhas dos laranjais.


Da levada da chuva
Em vilipêndio com a vala
Que varria a calçada
Que cingia o espelho
semelhante a um véu
De moça nova casada
Que tingia de vermelho
Um pedaço gostoso
do ocaso do céu

De céu coberto de raios
Que desabavam
Derrubando estradas
E os sonhos de quem sonhava
seus planos que não davam em nada.

Davam dias de devaneios
De sofrimentos medonhos
Ensolarados
Ou extremamente feios
Ou dias de geada
Que queimava a planta
Que matava a mata
Assim matando o gado.


E eu chorava quando lembrava
Que quem acusa, defende.
Que a boca que beija é a mesma Boca que ofende.
Que a mão que bate é a mesma mão que afaga.
Que a boca que beija é a mesma Boca que escarra.

Pausa. Pausa. Pausa

Redescobri as amizades estéreis e as ilusões perdidas
Num livro de Balzac.
Os primeiros passos, os primeiros beijos, os primeiros amores
Ah, moun amour! Definitivamente a vida não é feita para amadores!

O mundo é feito de tudo, principalmente de dores
Se cresce iguais aos cães e as magnólias
Cada um de nós é de si os próprios atores
E derrota é quando vencemos os outros e perdemos a própria vitória
Já que muitas vezes derrotamos a nós mesmos
Porque quando derrotamos alguém, perdermos também
Perdemos tamanho
Quando achamos que foi grandeza
Perdemos nossa dívindade, nossa crença e nossa arrogante humanidade.
Quem deixa de amar o outro, deixa de se amar
Quem promete perdoar e não perdoa
Se torna lagoa morta
Porta fechada de casa não arejada
Se torna escada que não leva a nada, de casa de empresária de armas louca e atormentada por fantasmas...
De rainha portuguesa louca
Entre gritos palacianos
De Maria vai com as outras
Dos desejos republicanos.

E haverá um dia,
Depois destes bombardeios,
Que se extinguirá, afinal
Toda espécie viva
E só restará
A estampa de um animal
Tatuada em uma nota de dinheiro.






Gyl Ferrys

 
Autor
Gyl
Autor
 
Texto
Data
Leituras
367
Favoritos
0
Licença
Esta obra está protegida pela licença Creative Commons
4 pontos
4
0
0
Os comentários são de propriedade de seus respectivos autores. Não somos responsáveis pelo seu conteúdo.

Enviado por Tópico
Alemtagus
Publicado: 09/03/2022 16:47  Atualizado: 09/03/2022 16:47
Membro de honra
Usuário desde: 24/12/2006
Localidade: Montemor-o-Novo
Mensagens: 3101
 Re: Pausa
Custa-me dizer que gostei ou desprezei esta escrita por vezes fluente e outras... demente.
A sonoridade é como uma obra de Franz Shubert, um génio, diga-se, umas vezes estridente com notas agudas que, belas, ferem quem não está habituado e outras vezes num pianíssimo grave (ppp) que nos deixa a pensar. Não é fácil cantar Shubert.
A sobriedade é como um livro de Saramago, cujos temas chegam a ser pungentes e onde a escrita, desprovida de pontuação, permite ao leitor uma nova interpretação por cada vez que lê a obra. Não é fácil ler Saramago.
A extensão é má, no entanto talvez necessária, no seu todo e boa na intenção, mas cansa os incautos que se perdem na leitura e, iletrados, voltam ao início para recuperar o fio à meada.
A rima propositadamente atrapalhada, apesar de atrapalhar alguma leitura menos atenta, dá sabor e até um certo encanto. Na minha opinião este texto tem condições para ser um bom início de obra literária. Faça o favor de o explorar e de o enfeitar, mas sem que se fique repetitivo, pois isso torná-lo-ia enfadonho e desprovido de qualidade.


Enviado por Tópico
Migueljaco
Publicado: 10/03/2022 21:48  Atualizado: 10/03/2022 21:48
Colaborador
Usuário desde: 23/06/2011
Localidade: Taubaté SP
Mensagens: 10200
 Re: Pausa
Boa tarde Gyl, todo o emaranhado do que aqui foi escrito está no final quando dizes que depois de todas as peripécias do homem, o que lhe sobra ao fibal é a estampa de um animal tatuada em uma cédula de dinheiro, um abraço, MJ.