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XLV - O ingenuoso cavaleiro Dom Quixote da Mancha

 
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XLV - Quadragésimo quinto episódio que trata de como Sancho Pança começou a governar sua suposta ínsula e de outros assuntos tanto gatescos quanto chocalheiros

O leitor ficou sabendo
no episódio passado
que ao rude Sancho Pança
um mandato foi passado
mesmo ele sendo apenas
camponês no seu passado

Sancho Pança sem saber
pra ser feito de otário
foi com uma comitiva
pra ILHA DO BARATÁRIO
que era só um vilarejo
mas servia de cenário

Recebido pelo povo
com surpresa e alegria
o novo governador
tomou posse nesse dia
sem notar que o evento
foi de burla e zombaria

O emissário do Duque
explicou a Sancho Pança
que o povo ali presente
queria ter confiança
na inteligência dele
no tocante à governança

- O novo governador
agora vai responder
as perguntas variadas
que o povo vai fazer
Toda sua inteligência
nós queremos conhecer

- E é como o comissário
que agora eu pergunto
a quem disse para nós
que não lhe falta bestunto
se vai conseguir nos dar
resposta a qualquer assunto

Sancho Pança com seu tanto
de modéstia e altivez
forjadas pelo trabalho
dos tempos de camponês
dispensando protocolos
respondeu por sua vez:

- Uma vez que estou aqui
seja como o povo quer
Vou fazer diante dele
o melhor que eu puder
Querer agradar a todos
é brincar de malmequer

E a primeira pergunta
foi feita por um sargento:
- Falo qualquer idioma
sou veloz que nem o vento
Se minha voz é a sua
responda neste momento

- Parece uma charada
do tipo que o povo gosta
e respondo todas elas
se for esta a proposta
mas para este sargento
o ECO é minha resposta

Quando o povo escutou
o que tinha respondido
ali o governador
foi por todos aplaudido
porque a sua resposta
fazia todo sentido

Veio a segunda pergunta
e pelo mesmo sargento:
- Quando fino sou veloz
quando grosso meio lento
Meu trabalho é queimar
meu carrasco é o vento!

- Foi uma boa pergunta
mas sei a resposta dela
serve para iluminar
tem muitas numa capela
É feita de parafina
e nós chamamos de VELA

E como o governador
respondeu corretamente
o sargento então ficou
com a resposta contente
Sancho Pança foi ali
aplaudido novamente

Para seu conhecimento
ser ainda comprovado
Sancho Pança precisava
não parar de ser testado
Por uma linda donzela
a ele foi perguntado

- Não tenho nenhuma casa
mas tenho muitas cidades
Não tenho gado nem hortas
mas tenho muitas herdades
Eu tenho mares sem água
nas minhas propriedades

- Ela perguntou assim
meio que de supetão
mas eu não vou hesitar
em responder a questão
declarando para todos
que MAPA é a solução

Como ele outra vez
respondeu corretamente
Sancho Pança estimulou
todo povo ali presente
a ficar embasbacado
aplaudindo novamente

Foi ali que um velhinho
para Sancho perguntou:
- Estive em vários lugares
e ninguém me escutou
Quando dizem o meu nome
ninguém mais tem o que sou

- O nome se não me engano
começa com a letra "esse"
Sempre que ele for dito
de pronto desaparece
A resposta é o SILÊNCIO
que todo mundo conhece

Novamente mais aplausos
Sancho Pança conquistou
O emissário do Duque
outra pessoa chamou
e para o governador
foi isto que perguntou:

- Eu posso me apresentar
na forma de um canudo
Por ele não passa a voz
uma vez que eu sou mudo
mas se você precisar
eu vou lhe falar de tudo

- A resposta da questão
quer saber se eu adivinho?
Já conheço pois eu vi
na casa de um vizinho
Dom Quixote me mostrou
certa vez um PERGAMINHO

Novamente mais aplausos
Sancho Pança conquistou
O emissário do Duque
outra pessoa chamou
e para o governador
foi isto que perguntou:

- Não tenho boca, só dente,
mas o meu dente não come,
não mastiga e na mesa
dá comida a quem tem fome
Se você já descobriu
me diga qual o meu nome

- Pra mim é fácil dizer
o nome que você quer
Em qualquer mesa está
não é faca nem colher
É GARFO e só pode ser
usado como talher...

Novamente mais aplausos
Sancho Pança conquistou
O emissário do Duque
outra pessoa chamou
e para o governador
foi isto que perguntou:

- Eu trabalho em toda casa
percorrendo cada canto
desde o piso até o teto
Mesmo trabalhando tanto
eu só descanso em pé
recostada no meu canto

- Em assuntos de trabalho
quem sabe tudo sou eu
Quem morou em uma casa
com certeza a conheceu
O seu nome é VASSOURA
Sancho Pança respondeu

Por um rapaz magricela
a Sancho foi perguntado:
- O que é que cai em pé
mas sempre corre deitado?
- É a CHUVA ou a GAROA
pra deixar tudo molhado

Um barbeiro foi pedir
para Sancho responder:
- Quanto mais grande eu for
menos você pode ver?
- É a grande ESCURIDÃO
que a tudo quer esconder

Por um careca barbudo
a Sancho foi perguntado:
- Passo no fogo e na neve
sem ficar quente ou gelado?
- A resposta é a SOMBRA
com o seu corpo achatado

Um sujeito grandalhão
foi perguntar ao baixinho:
- Na minha casa pequena
é onde moro sozinho
Sancho Pança respondeu:
- E você é um PINTINHO

Uma velha disse a Sancho:
- Me responda sem vacilo
Se você me repartir
com certeza me aniquilo
Sancho Pança respondeu:
- É assim com o SIGILO

Ao novo governador
foi perguntar um infante:
- Em peso não tenho nada
em tamanho sou gigante
Sancho Pança respondeu:
- A SOMBRA do elefante

Uma freira uma questão
desta maneira formula:
- Quanto mais você me perde
tanto mais me acumula?
Sancho Pança respondeu:
- O SONO que nos regula

Uma moça nariguda
quis a Sancho perguntar:
- Eu fico indo e voltando
mas não saio do lugar?
Sancho Pança respondeu:
- A PORTA quis ilustrar

Sancho acertava todas
causando admiração
Foi ali que apresentou-se
da aldeia um tecelão
pra testar o governante
com uma nova questão

- Estamos vendo que Sancho
não deu respostas erradas
mas esta que vou fazer
é das mais elaboradas
estando em nível acima
das que foram perguntadas

- Sei que pra cada questão
uma resposta existe
Estou querendo saber
se o povo que me assiste
depois da resposta dada
vai ficar alegre ou triste

Ouvindo estas palavras
todo povo ali presente
por causa do desafio
ficou ansiosamente
querendo que a resposta
fosse acertadamente

- Você em certo momento
estando a me procurar
vai se desfazer de mim
sempre que me encontrar
todavia não me achando
é quando vai me guardar

Sancho Pança não queria
cair numa esparrela
mas ouvindo a pergunta
pensou na resposta dela
que não fugia dos temas
da sua origem singela

- A coisa que se procura
dá trabalho ao zarolho
Tem mais de uma resposta
mas de todas eu escolho
aquela que lá em casa
nós chamamos de PIOLHO

Fez sinal o tecelão
que Sancho tinha acertado
O novo governador
estava agora aprovado
Todo povo se alegrou
com aquele resultado

Agora vamos deixar
o sucesso do baixote
na ilha do Baratário
pra falar de D.Quixote
e da chuva de felinos
que caiu no seu cangote

Sabendo que o cavaleiro
cantaria com certeza
na janela uma balada
o duque mais a duquesa
uma brincadeira nova
armaram com ligeireza

Quando ele resolveu
abrir a sua janela
e notou que havia gente
no jardim diante dela
foi pegando a viola
que lhe dera a donzela

Vendo ele já estar
sua viola afinando
as pessoas do jardim
foram se aproximando
Com a voz já meio rouca
ele foi cantarolando:

- Quero agora declarar
a toda e qualquer donzela
que eu sou de Dulcinéia
pois nasci para ser dela
É só ela a virtuosa,
bem-nascida, doce e bela

- Só dedico à Dulcinéia
todo o meu amor cortês
Por ela monto o cavalo
por ela visto o arnês
Quem me dera se pudesse
decantá-la pra vocês!

- E como a minha amada
poderia ser descrita
se já me faltam palavras
para descrever a dita
que não é Lady Godiva
mas é muito mais bonita?

- Eu prefiro então dizer
com toda minha franqueza
que sem palavra nenhuma
foi a própria natureza
que compôs em Dulcinéia
um poema de beleza...

Nisso foi jogado um saco
na cabeça de Quixote
A brincadeira sem graça
fazia parte do trote
que o duque e a duquesa
inventaram pro velhote

Quando o saco se rasgou
saíram diversos gatos
amarrados em chocalhos
e conforme alguns relatos
era só mais uma burla
pra diversão dos gaiatos

Um dos gatos se agarrou
na cara de Dom Quixote
Tinham gatos e chocalhos
trepados no seu cangote
Quem olhava começou
a ter pena do velhote

Na barulheira confusa
de chocalhos e miados
o duque e a duquesa
ficaram já assustados
calculando que o trote
teria maus resultados

Uma pausa na história
eu fazer agora vou
No episódio seguinte
a minha versão eu dou
de como foi que a burla
com Quixote terminou
 
Autor
CarlosAle
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