Poemas : 

Jazz

 
Escrevo distante do ritmo
Do comentarista de profissão
O vento levou-me a memória e só restou a história


Decifrei o código matemático da chuva
Já sei como sintetizar o céu
Vês, Laurinha, o presente é só
Um paciente em cura


Os jovens são, de facto, jovens
E eu quero esse teu dom demonstrado ontem
Mesmo sabendo que ontem já passou


A árvore daqui inclinada para o chão
Genuflexão possível
Ou quer beijar a erva abandonada


Eu decidi o verão dos livros
Deixei cartas nas campas
Mas fui ao funeral


Quem me dera ter nome de instrumento musical!




I got that feeling
That bad feeling that you don't know
(Massive Attack)

 
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Beatrix
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Enviado por Tópico
Rogério Beça
Publicado: 20/03/2025 19:18  Atualizado: 21/03/2025 17:29
Usuário desde: 06/11/2007
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 Re: Jazz
Clarinete.
É o que me apetece dizer, ou antes, sugerir, ao sujeito poético.

O Jazz enquanto género musical faz-me lembrar um pouco a poesia. Nunca está na moda, toda o\a gente conhece, e os seus amantes adoram-no\a.
A outra coisa que imediatamente me faz lembrar é o improviso.
Haverá improviso neste poema?

Estruturalmente tem simetria quanto baste. Varia um pouco na métrica e no número de versos em duas estrofes, mas já vi variação maior, noutros desta autora.
A constante que verifico é o arrojo, na linguagem e na originalidade.

Voltando ao improviso, noto-o mais de estrofe para estrofe na mudança de referência e personagens.
O sujeito poético está na primeira pessoa, mas a universalidade encontrada em cada verso, torna a composição também complexa.
A ironia no "...comentarista de profissão..." que podemos encontrar no segundo verso da primeira estrofe podemos encontrar no "...paciente em cura..." no quarto da segunda.

Aliás, gostaria de salientar a segunda estrofe como recurso a génio. Acho-a magnífica.
"...Decifrei o código matemático da chuva
Já sei como sintetizar o céu..."
Acho este dístico muito bem engendrado. Roçam ambos os versos o impossível, mas exequível num futuro longínquo.. Entre o "...decifrei..." e o "...já sei como..." não há como distingui-los além da rima a meio verso que constituem. Acho ambos os versos tão poéticos...
um dia vou sintetizar o céu também...
Aliterações no segundo verso em SS; o aforismo, em "...o presente é um paciente em cura..."; uma "...Laurinha..." desconhecida que entra num diálogo apenas para fazer ligação à estrofe seguinte, em que entram "...Os jovens...", o diminutivo não é inocente.
"...Os jovens..." que tanta inveja fazem, apenas por serem isso.

O terceto final também tem a sua magia.
"...Eu decidi o verão dos livros..." é uma metáfora bem construída. Quem é capaz de comandar o rumo dos acontecimentos, e a própria história, é de louvar.

Em relação ao desejo final que se lê no derradeiro verso, eu escolhi o clarinete porque tem uma sonoridade menos madura do que o saxofone ( que também aprecio), mas faz uns agudos quase desafinados belíssimos.

Mas jazz também é orquestra. Composição. Rigor.

Favoritei este poema à primeira leitura.

Obrigado, por mais um tão, tão bom.