Poemas : 

Ananias

 
Tags:  poesia social  
 
Os descendentes do doutor Jerônimo
Estão andando para trás,
Disse-me seu Ananias.
O doutor Jerônimo era mais humano,
Tinha mais coração, mais cabeça;
Não tinha essa fome que come
A humanidade do homem.
Não sei se o seu Ananias sabia bem o que dizia.
Mas eu sei que os filhos do doutor Jerônimo não são flor que se cheire.
E os netos são piores que os filhos.
E os bisnetos são piores que os netos.
A cada geração é mais forte o odor.
Onde vai parar esse trator?
Olhando para a árvore do doutor Jerônimo,
O seu Ananias dizia:
As coisas avançam, mas as pessoas estão ficando para trás.
Às vezes, eu acho que o seu Ananias falava demais.
Mas não há como negar
Que a fome de ter o outro na mão
Coloca uma pedra no lugar do coração
E faz os olhos brilharem cegos de paixão
Pelos ventos da estação.
Nessa atmosfera, cada vez mais,
Tudo está em poucas mãos.
Tudo está nas mãos de poucos
E a maioria sobrevive no sufoco.
A fome de ter o outro na mão
Deixa cego de paixão
Pelos pés que não pisam o chão,
Pela cabeça que não se equilibra no pescoço,
Pelo velho disfarçado de moço.
A fome de ter o outro na mão
Deixa cego de paixão
Por tudo e por nada,
Pelo trânsito fora da estrada,
Pelo trem que atravessa a rodovia,
Pela via que engole a correria
E por que mais seu Ananias?

 
Autor
magnoerreiraal
 
Texto
Data
Leituras
119
Favoritos
1
Licença
Esta obra está protegida pela licença Creative Commons
11 pontos
1
1
1
Os comentários são de propriedade de seus respectivos autores. Não somos responsáveis pelo seu conteúdo.

Enviado por Tópico
Benjamin Pó
Publicado: 05/08/2025 12:55  Atualizado: 05/08/2025 12:55
Administrador
Usuário desde: 02/10/2021
Localidade:
Mensagens: 812
 Re: Ananias p/ magnoerreiraal
.
Bem talhada, esta imagem do seu Ananias, uma espécie de velho do Restelo, vociferando contra o desconcerto do mundo, mas com respeito pelas velhas hierarquias.
O final do poema parece irónico, como se o interlocutor olhasse com desdém para as críticas do ancião e lhe pedisse para continuar apenas para poder ridicularizar a ingenuidade anacrónica da sua visão perante as novas formas de poder.