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Vila Embratel - Praça Sete Palmeiras - IV

 
Jorginho, contrariado, afastou-se lentamente rumando para a pequena mercearia de seu Zidorinho na esquina da rua dezenove, onde a garrafa era mais barata.
- Hoje eu estou injuriado – comentou Jamanta e abancaram-se debaixo do toldo.
Pé de Pato encostou-se no seu lugar e os dois no meio-fio.
- A mulher está muito enjoada. Hoje vou dormir aqui na praça, não quero mais olhar a cara daquela miséria.
Gato Guerreiro e Pé de Pato trocaram olhares de espanto, quando Jorginho surgiu com a garrafa aberta e um copo e a colocou no meio deles, depois sentou no chão de costas para as mesas.
Cada um se serviu, apanharam os ovos e começaram a descascá-los.
- Ela tá cantando muita marra e eu já me invoquei com a cara dela. Ela que vá à puta que pariu. Vou só buscar minha mochila e venho pra cá.
- Taí um companheiro pra ti, Pé de Pato – ironizou Gato Guerreiro apontando pra ele. – E tu Jorginho?
- Esse aí tá mais sujo que pau de galinheiro, não roubou umas roupas do cunhado e a irmã o expulsou de lá? – comentou Jamanta.
- Esse bicho só faz besteira – disse Pé de Pato levantando-se. – É, meninos, a praça tá aqui, vou no mercado fazer um trampo, levar umas caixas de peixe para seu Bereta.
- Seu Bereta? O secretario dele não é Zé Augusto? – indagou Gato.
- Zé Augusto? Não, roubou o carro de mão de seu Bereta. Esse é outro que só faz merda. Seu Benedito Mondego, presidente da associação dos feirantes, tá injuriado com ele. Proibiu a entrada no mercado. Toda vez que ele entra lá, desaparece alguma coisa. Vou lá ganhar esse trocado e um peixe para gente comer assado. Não tem nem farinha e nem sal, tem que fazer um corre...
- Deixa comigo – assentiu Gato.
E Pé de Pato, arrastando o seu pezinho defeituoso, seguiu para o mercado.
- Vou procurar uns papelões – disse Jamanta bebendo uma dose.
- A tua cabeça é teu guia – falou Gato Guerreiro. Esquivando o braço para pegar o copo e garrafa, serviu-se de uma generosa dose que lambeu os beiços.
- Eu não vou dizer nada, cada um carrega a sua cruz.
Jorginho, chilado, os olhos mortos, estirou-se no cimento e cochilou.
A conversa foi interrompida com a aproximação do um homem alto, moreno, de barba grisalha, trajando calça social preta, assim como camisa de manga comprida, sapato bico fino bem lustroso e um chapéu de filtro preto. No braço esquerdo um vistoso relógio de pulso folheado a ouro e no pescoço um cordão. A feição séria denotava estar chateado ou zangado, trazia uma sacola.
- E lá vem seu João – murmurou Gato Guerreiro, que arqueou e franziu as sobrancelhas para apurar melhor, a vista já ofuscada pelas doses e THC. – E vem brabo.
- Cadê o safado do Pé de Pato? – perguntou com a cara fechada e intimidando os dois.
Jamanta olhou-o de cima para baixo e teve a impressão que estava diante de uma grande autoridade e ergueu-se rapidamente, perfilando-se diante dele.
- Pronto, autoridade.
Seu João fechou a cara, dando expressão de mais bravo ainda, e lançou um olhar de desapreço.
- Cadê o pilantra do Pé de Pato?
- Seu João, ele foi pro mercado fazer faxina nos boxes dos peixeiros.
- E como eu passei por lá e não vi esse corno? – lançou um olhar para Gato que continuava sentado enchendo o copo. – E tu safado?
Cutucou com o bico do sapato a costela dele. Gato sufocou-se com a dose que quase o engasgou.
- Nada – ergueu-se como um boneco de mola, passando a mão na costela atingida.
- Pega, vai fazer um corre – entregou-lhe a sacola – É um CD zerado, tem nota fiscal. Custou 150 reais, mas vendo por cem. E cuida, vou te esperar aqui que ainda vou no centro – ordenou laconicamente e encostou-se na frente do bar. E Gato, sem pestanejar, saiu ligeiro rumo ao mercado.
Jamanta sentou-se de novo e o observava por baixo. Um senhor negro, forte, de camiseta e bermuda com um boné, sentou-se no banco em frente e fez sinal para seu João que o atendeu imediatamente, acomodando-se ao lado. Entabularam uma conversa baixa. Seu João, sério, só escutava e fazia “hum, hum”. Quinze minutos depois Gato retornou ligeiro e suado com a sacola na mão.
- O que foi, caralho? – Gritou seu João.
- Tem um caboco que quer dá cinquenta reais.
- O QUÊ? – Rugiu como um leão faminto, levantou-se com o susto – Esse caralho não é roubo, manda se fudê. Comprei na loja. Porra Zé Buceta, tu falou?
- Falei – disse Gato. – Mas ele não quer saber, disse que dá os cinquenta, me mostrou o dinheiro.
- Quem é esse filho de corno?
- E o homem da Juçara.
Seu João andou de um lado para o outro, a cara enfezada e um bico.
No banco o amigo olhou-o e chamou-o.
- João, se eu fosse tu, segurava esses cinquenta, a coisa não tá fácil. Aproveita que o homem tá te oferecendo – aconselhou-o.
- Andei esse mercado todo e ninguém quis – justificou-se Gato agachado, bebendo uma dose.
- Infelizmente, tu tá certo – concordou mais tranquilo e olhou para o amigo – E Chico, tu tens razão. É! Safado, vem cá pilantra – gritou para Gato que passava o dorso da mão na boca, levantou-se e aproximou-se, apanhando a sacola que seu João lhe estendia. – Caralho, presta atenção. Pega esses cinquenta desse filho de corno – entregou-lhe um papel, era uma lista de compras. – Faz essas compras e vai deixar lá em casa. Traz o carro de mão e pega o babujo dos porcos. E vai ligeiro e nem olha para trás. O troco é teu.
Prosseguiu olhando para Jamanta. – E tu, filho da mãe, se chegar um cara ai de carro, diz que fui pro centro, só à tardinha que estarei aqui, entendeu?
- Sim, meu patrão – assentiu Jamanta perfilado.
- Vamos Chico, deixa esses papudinhos aí – e seguiram em direção à parada de ônibus.
E Gato, veloz como um raio, atravessou a pista e entrou na feira.






 
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efemero25
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