O chão que piso se desfaz
O ar que respiro é neblina
Sem norte, sul, olho atrás
Mas a bússola desatina.
A quem interessa o que sou?
Para quê saber o que tenho?
Amanhã quem irá onde vou?
Se me perdi de onde venho.
O mundo muda e eu com ele
Ou ele muda e eu nem sei?
Me agarro a um fio da pele
À sombra de uma antiga lei.
O que fica já é mudança
O que muda permanece
Há cadência, ritmo, dança
A essência, quem conhece?
Preciso de algo constante
Um nome, um rosto, um lugar
Mas tudo vira fumo antes
Que as mãos possam guardar.
As ruas mudam de nome
Os rostos mudam de voz
O espelho engole e some
O que ainda resta de nós.
A promessa se transformou
Mero rascunho ou desenho
Uma pintura que descascou
E só a moldura mantenho.
Mantenho — por quê? Não sei.
Porque me falta outro gesto
Talvez por ser a última lei
Do mundo cinza, eu resto.
Não é paz, não é cansaço
Nem a entrega de quem cai
É o instante antes do passo
Entre ficar e o que se esvai.
Souza Cruz