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#24

 


. façam de conta que eu não estive cá .

lá ia ela, rua abaixo, rua acima, como sombra calcetada dos poetas. no rosto jazia-lhe um poema defundo, desses que se escrevem a morrer. arrastava o corpo em vendavais, ora depressa, ora devagar, até que desatou a correr e eu desatei-me atrás dela. é esta a última memória que dela tenho: abatia sobre o rio o rosto, o corpo cansado inerte, apoquentado, como se tivesse acabado de morrer e não o soubesse; algo inquietante. ainda hoje por ali a vejo às vezes, um modo de correr como se andasse para trás, um corpo difícil, desses que se olham uma vez e se guardam para sempre.
 
Autor
Margarete
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Enviado por Tópico
Conceição Bernardino
Publicado: 10/09/2009 21:01  Atualizado: 10/09/2009 21:01
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Mensagens: 3357
 Re: #24
"desses que se escrevem a morrer"
não é fácil descrever a morte mas tu aqui descreve-a com sabedoria como quem já deu um passo em falso. Um texto riquíssimo de imagens que me atrevo dizer fora do vulgar.

abraço

Enviado por Tópico
Caopoeta
Publicado: 11/09/2009 19:11  Atualizado: 11/09/2009 19:11
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 Re: #24
..sim,
é desta imagem que retiro e retiro-me para o meu quarto escrever o que tritura as veias e o cansaço ,esta necessária dor constante regurgitando escrita.é de ti que bebo tambem as quiméricas flores poéticas e as vicissitudes de afectos.

um beijo.