LUZ DE OUTONO
Esconde-se o sol preguiçoso
num apático sono.
É outono!
Envolvo-me nesta melancolia e
saio de mim.
Deixo-me trautear pela melodia que escuto...
Levito à mercê do que sinto
e entro neste labirinto, de silêncio absoluto.
Quem me lê ou vê que pensará?
Louca? Utópica? Que importa o que serei?
Sinto-me andorinha
buscando a luz e a vida em nova paragem...
Tal como ela sigo as coordenadas, os traços no céu
ambas partimos com destino e sem bagagem...
Eu, carrego apenas a luz que Deus me deu,
trago-a nas mãos (minhas asas).
Com elas vou tão além que
quase toco o infinito.
Não! O mundo não me retém
não permito que tal aconteça.
Se um dia calarem meu grito
que antes, eu pereça...
Continuo em debandada
e como andorinha
sou do mundo, emigrada...
Dulce Gomes
PELA TUA MÃO
Pela tua mão,
Continuo firme e confiante.
Sorvo cada instante, como um sopro de vida.
Sou alma incontida
Que te segue cegamente, serena e mansa
Plena de confiança em ti, Virgem Mãe.
E ainda que sinta dor…
Mãe eu te entrego:
Meus pés torturados pelo caminho
Meus olhos molhados de emoção.
Meu coração cravado de espinhos
Uns são meus, outros não!
Entrego-te:
O que não evito
As provações que não ultrapasso.
Entrego tudo o que omito
Para seguir ao teu compasso.
Sei que entendes cada falha.
Teu amor é acendalha
Que põe fogo no meu peito,
Por isso continuo, confio e não recuo.
Tua mão se estendeu…
E eu, disse:
“Sim aceito!”
PALAVRAS
Senhor peço-Te silêncio…
Perdoa-me a contradição, pois pedi tantas vezes o dom da expressão…
Pedi uma boca sem bloqueio, nem receio, que se soubesse expressar…
Mas hoje Senhor, peço-Te o dom de saber calar…
Cala-me do fútil, do inútil, do intolerante.
Do arremesso, da falta de senso,do discurso arrogante…
Cala-me do jeito mordaz que nem sempre é capaz de ter um bom efeito…
De frases sem raciocínio que levem ao declínio do que eu sinto no peito…
Rejeito a palavra pretensiosa que de acutilante faz doer, rejeito ser voz que dói, porque me mói e sofro por ver sofrer…E me faz arrepender…
Abstenho-me da opinião como juízo de valor, quem sou eu para julgar? Sou apenas pecador...
Por isso Te peço, Senhor…
dá-me o dom de saber calar…
Que falem meus olhos num olhar terno…
Meus ouvidos escutem com submissão
Minha mão se estenda num gesto fraterno,
mas minha boca se abra com contenção…
IMÓVEL...
Imóvel, vagueio
pelas pedras repisadas do meu caminho
recorto os pensamentos
entre os dias felizes e os mais cinzentos
revejo cada espinho...
Estupidamente...
Detenho-me sempre no que me dói.
Numa atitude quase masoquista
a minha mente traí o meu querer
e numa ousadia de conquista
calca sempre onde me faz mais doer...
Cada cicatriz mal sarada que à força tento ignorar
não abre de novo por um triz
porque não me deixo avançar.
Respiro fundo
Abro os olhos para o mundo
numa tentativa de me acordar...
Já desperta,
Inalo o perfume da vida
consentindo que me pinte de mil cores
lentamente adormeço as minhas dores
E renasço em cada ferida...
Invade-me a estranha certeza
De que uma luz de rara beleza
Se esgueira,
incidindo neste breu
Fazendo de mim alguém mais forte
Vislumbro de novo o meu norte
E sei melhor quem sou eu.[/b][/color]
MAR DE AMOR
Vestes-Te de mar azul radioso
Para poder chegar de mansinho aos meus pés
Em ondas de amor, manso e glorioso
Sopras-me bonança na mutação das marés
Curvo-me na areia e o sabor a sal
Afaga meu rosto amassado no tempo
Como onda planando numa entrega total
Corro como rio na crista do Teu vento
Sou gota minúscula e sem expressão
Sou mísera partícula pairando na vastidão
Deste mar de amor em que navego
Porém, no Teu mar sinto que sou tanto
Ainda que frágil, tudo suplanto
Tão pouco sou, mas tudo Te entrego.
Dulce Gomes
RETALHOS
Olhei o espelho sem fitá-lo bem.
Alguém se assomou…era ninguém.
Só me vi a mim e o reflexo do que sou.
Olhei-me de revés…depois de frente… pergunto:
Porque através dele me vejo tão diferente?
Em pose quase cruel, espelha as marcas da minha pele…
Perante meu olhar marcado quase que canta vitória
Esquece que o que reflecte são vivos pedaços da minha história…
Retalhos de vivências em que me envolvi e envolvo
as boas ficam, as outras dissolvo, mas fico mais forte para começar de novo.
Cada nova ruga ou cabelo prateado é uma lágrima que enxuga meu rosto molhado.
Então, escusas de me julgar com desdém,
meu corpo tem limites que minha alma não tem…
Acusa os sinais do tempo que não quero fintar,
não sinto desalento nem me magoa cá dentro
porque estou onde e como quero estar.
Assim o que vês não condiz, porque apesar de fatigado,meu coração renovado, é mais feliz…
Sabe melhor amar!
DISCRETO LAMENTO
Passos firmes num caminhar discreto
Peito recalcado de camufladas emoções
entendem-se numa comunhão,
como que em dialecto,
tudo o que vai em cada um
dos seus corações…
Em conivente cumplicidade,
o sol já de partida.
Saem lamentos com a naturalidade,
de quem sabe que esta amizade
não tem muralha, porta nem chave
e é nessa verdade
que soltam retalhos de vida…
Fecham-se em círculo de mãos unidas
Salgando a areia entre abraços
Sabem que a primazia da maré cheia
Levará ao fundo as dores contidas
e no regresso, seus pés são plumas
que avançam em firmes passos…[color=000099][b]
Dulce Gomes
Rasto
Procuro no meu rasto
O que a memória desbotou
E das marcas circunscritas dos meus passos
Restam pedaços que o tempo não levou.
Peço-lhes que me falem de mim
Sem qualquer pudor ou cuidado
Desbravando do principio ao fim
Cada pedacinho por mais fragmentado
E contam-me de passos, firmes e incertos
Tropeços, espinhos, travessias, desertos
Que se visto apenas à luz da razão…
Ter-se-iam perdido como palha ao vento
Deles, não sobraria nenhum fragmento
Para contar porque piso o Teu precioso chão
DESERTO
Teus pés pisam terra árida
sem vida
Tua boca acusa a sede e o cansaço
Sentes teus passos em vão.
Nada se te apresenta
Na mão nada tens
Ao longe nada avistas
No chão nada vês
Mas eu peço que não desistas
Apenas te pergunto:
-Porque não crês?...
Sei que árido não é
O teu coração…
DÁDIVAS DE LUZ DIVINA
Palavras que chegam sem contexto
Raios de luz vindos do céu
Lufadas de um ar puro e fresco
Colhidas, como dádivas de Deus.
Calor que amorna as madrugadas
brisa suave em noites sombrias
rios de cor, tintas derramadas
que enchem de vida páginas vazias.
Chave universal abrindo prisões
serrando as grades da alma que chora
realidade/certeza, sonhos/convicções
que solta a verdade e o resto ignora.
Esperança ténue que chega num sopro
arrefece o desalento em dias de dor
corrente contrária ao mundo tão louco
guarida/ descanso aos pés do Criador.
Asas disformes que no entanto
voando sem rédeas e em desalinho
tomam forma...calando o pranto...
Retalhos de tudo o que o dia apaga.
Se não tatuado em pergaminho
Resta esperar que a noite traga...
Dulce Gomes