Poemas, frases e mensagens de gilferreira

Seleção dos poemas, frases e mensagens mais populares de gilferreira

Pensamentos

 
Pudesse eu ao menos
chegar ao que quero
como quando quero pôr
os meus pés no chão
passo a passo, cadenciado e lento
e primeiro que mude o passo
olho e estudo o espaço
e os gestos e as coisas ao redor

Pudesse eu mudar o mundo
como quando escrevo
tornando idéias em palavras
através duma transparência
a pairar abstacta, no tempo e no espaço
fixada no nada, por nada querer definir
só ser livre, só sentir.
 
Pensamentos

Porquê meu amor

 
Porque é
Que eu te sinto por dentro
E receio não te encontrar
Nas horas que eu desventro
comigo mesmo a lutar?

Ai!
Meu ser que se esvai
Por não te sentir aqui.

Porque é
Que o que me rodeia ignoro
Quando tu estás a meu lado
Mesmo se por dentro choro
Por frio e crueldade gelado?

Ai!
A razão se desvanece
Sem ti, meu amor.

P'ra quê
Se acharem explicações
Quando desintegramos desejos
Dos nossos corpos glutões
De orgasmos, carícias, beijos...?

Ai!
A força
Que eu tenho
Para te amar, meu amor.
 
Porquê meu amor

Acróstico delimitando

 
Mortos-vivos sistematizados percorreM
Enfreados, limitados a vias de comboiO
Rastejando cegos em caminhos de morreR
Despem-se em liberdade vã num habitaT
A engendrarem no leito outra correntE
 
Acróstico delimitando

Sentido único

 
Perdi-me na multidão
que de rastos prosseguia
numa caminhada obrigatória
num insólito labirinto
e sempre que lhes perguntava
um caminho p'ra seguir
tornavam-se interrogação.
Eles nem sequer sabiam
o destino que seguiam.
Decidi então enlouquecer
para inventar
um caminho só p´ra mim.
Agora quando me interrogam
a pedirem que lhes mostre
um caminho p´ra seguirem
indico-lhes os que inventei
e que já eu percorri
mas põem-se de incompreensão.
Continuo então por isso
por não me compreenderem
no meio da multidão
arrastado pelo tempo
e vou porque os vejo ir
e porque a ninguém é lícito
parar ou andar p´ra trás.
 
Sentido único

Não foi por haver mal ou pragas

 
Não foi por haver mal ou pragas
Não, não foi por me deixar embalar
Pelos ruídos de riscar de lápis
Dos meninos, nas paredes
Nem por me terem injectado inibições
Não, não foi por sonhar
O longe, longe infinito de ambições
Nem pelo nojo
Do beijar de moscas peçonhentas
Não, não foi pela impotência de arrancar
Variados círculos coloridos
Da paisagem na manhã cinzenta
Nem pelo medo ou cobardia
De enfrentar babas brancas de bocas
Com sinais de fúria
Não, não foi por pressentir
Em cada ser um inimigo
Nem pelo entendimento vago
De saber a morte
...................
Que tirei de mim
Toda a vontade de florir certezas
Toda a vontade de albergar
Mergulhos de amores de coração no sangue
Toda a vontade de ser ou querer ser
o que os outros são
Toda a vontade de alcançar
seja em que for a perfeição
..............................
Mas porque amar o corpo
Não traz o desalento de sofrer
E o que é real e é directo
Não tem o condão do sonho
Que é o de engarrafar desilusão
..................................
 
Não foi por haver mal ou pragas

Foge

 
Foge

Dessa tristeza de gelar estrelas
Do buraco fundo dessa tua solidão

Vem

Para fazeres nascer o fogo do momento
E tirares dos dedos da varinha de condão
Rosas vivas de alcatifar o mundo

Traz

A tua pele com perfume de suor
Para que a nossa noite seja humana
E os teus olhos a cintilarem, pirilampos
A alumiarem cabanas de diamantes
De nossos corações sincronizados
Em batimentos rítmicos de batuque
Numa azáfama de prensar uvas
Como nossos cachos-corpos
Vindimados à multidão

Mas olha

Por favor não tragas extintores
Daqueles que arrependem as almas
De terem consentido de olhos fechados
Que o instinto germinasse com sofreguidão
No solo rigoroso da razão
 
Foge

Chama invisível

 
Procuro pelo teu corpo
Respostas a meus desejos
Procurando uma fonte
Onde saciar esta sede
Ávido de consolo e mel

Procuro

E a tua boca encontro
Ardente, lasciva
Esperando
Que eu te torne fogo
E te apague a chama
Nascida
 
Chama invisível

Era uma cidade

 
(Por ter vestido uma camisola com «bom dia» bordado do lado esquerdo do peito)

Era uma cidade na interpenetração da noite e do dia.Era uma cidade que com gente ainda na rua adormecia.Era uma cidade naquele dia em que se desvaneceu o escudo e vieram das profundezas de abismos secretos, exércitos de aranhas empoeiradas, plantar uma melancolia corrosiva e aceleradora de forças odiosas, geradoras de inconfortabilidade, mas de libertação.
Ah! Libertação! Mesmo num chuto num balde de lixo, com papéis rasgados a voarem, mostrando o caminho a uns pensamentos e os restos orgânicos que se colam nas paredes em splashs de acordar a loucura, de suportar a teimosia, de construir mais um dia que no fim se desmorona em desejos de adormecer esquecendo. Mas a loucura está escondida
não se sabe onde, algures num vácuo ou lacuna de consciência não muito clara e não despertou.
Depois proclaman-se julgamentos e deseja-se comprar uma boina para contrariar o relento que se envolve nos cabelos revoltos pelo vento e a falta de pente.
Os cigarros para arderem ferroadas interiores e apagarem olhos que escrevem nas testas mordeduras e rosnos, porque não comê-los para enganar os desejos de devastar paisagens de camaleões?
Antes de vestir «bom dia» à meia noite, ondula a visão com o calor que se transmutou para os objectos talvez e as mãos são frias, para se acariciarem darem oceanos gelados. Simplesmente os «bons dias», desta vez, não tinham sòmente impotência de tornar verdadeira a professia, mas sabiam a quente também, ele não sabia verdadeiramente a quê, mas a qualquer coisa de quente de lhe deixar aflorar lágrimas. A ternura é quente, não? Não como a gente que o olhou na rua de frente e lhe cuspiu na manhã clara e quase em si ausente, um «bom dia» salobro. Foi então que achando estranho, seguiu um dos olhares desabituais e descobriu-o no peito, do lado do coração.
 
Era uma cidade

Elucubração

 
Um bicho é um bicho!?
Um cão é um cão!
O homem é aquilo
Que os outros não são.
Ah!Ah!Ah!...
Não me faças rir.
Mas quem é que proibiu?
Hic!
E a mulher?
Hic!Hic!
E a melancolia?
Ah, se eu descobrir a maneira
De enxotar o teu papão
Como será belo, maravilhoso
E inconscientemente egoísta.
Como o cão?
Não, mas morder-te-hei
Sensivelmente.
Chiça!
Não consigo arrancar-te
Da tola
Está com cola
Ou então...porra!
Vou contar carneiros?Não.
Vou suicidar-me de escuridão:
Atirei-me à água.
Grande sucata
Lembrei-me que sei nadar.
Continuo então
Por não me compreenderem
No meio da multidão
E vou porque os vejo ir
(como o bicho)
E porque a ninguém é lícito
Parar ou andar p'ra trás
Mas o maldito papão
Não o apanho não
Cabrão!
 
Elucubração

Utopia

 
Cada um de cada lado
Cada um segue o seu fado
E põe o outro de lado

Caminhemos de mãos dadas
Com noção de fins e nadas
Na realidade não há fadas

Existir numa terra em festa
E acabar com o que não presta
Aproveitar o tempo que resta

O planeta pertence a toda a gente
A cada um sua parte consequente
Dar seu contributo e seguir em frente

Vamos tratar das doenças
De poder e de crenças
E acabar com jogos de diferenças

Aprender, partilhar, ensinar
Noções de construir e imaginar
Tempos e espaços de bem estar
 
Utopia

Post-scriptum

 
Eu digo
Amor
Como quem persegue a própria sombra
Com o sol por detrás no horizonte
Como quem estica os braços
Para apanhar estrelas de constelações
Com medo de achar no pó do tempo
Um mar de palavras geladas

Mas veio o ar quente consciente
Derreter esta forma de o dizer
E eu digo amor
A mergulhar nas águas vivas desse mar.
Hoje o dia nascente
Tem o sol no horizonte
Que me fica pela frente
E a sombra perseguida é volátil.
A música
As palavras
Os sonhos
Vieram construir orquestras
E cada coisa e cada ser
É belo de som e cor.

Vou galgar os muros,
Lentamente,
Mas hei-de destruir
Os pesadelos!
 
Post-scriptum

Fantasia

 
Tiraram faíscas dos olhos
e congelaram-nas nas imagens
de homens sedentários.
Esbofetearam com palavras rudes
e apagaram-se em risadas instintivas
de fantasmas contratados de castelos.
Voltaram para casa arruinados,
em pisadas de chumbo, fúnebres,
cabeça e braços em gelatina
e ao chiar da chave na fechadura
os morcegos acordaram e fugiram
num bater de asas ensurdecedor
esvoaçando pelos corredores enevoados
e pondo os ratos negros em debandada.
Abriram o congelador descongelado
donde os saudaram milhares de baratas
em movimento desordenado.
Pegaram num pedaço de carne crua
de velhas bruxas mortas por diabos
e em holocausto assaram-na
para acompanharem mais uns copos
e se refugiarem da fatalidade.
 
Fantasia

Tim tim minha carapuça

 
Oh! lucifer nosso amigo
faz alguma coisa deste mundo
que se esvai em estupidez
e em crenças d'atrasados.
Dá-nos paz e compreensão
ajuda a darmo-nos a mão
para construir um mundo melhor
sem mediocridade.

Oh! lucifer, lucifer
vem para aqui dançar
esta dança sem parar
Até que este planeta degradado
se ponha a desintegrar
 
Tim tim minha carapuça

Espectador

 
Da intenção de querer
ser
Apenas eu desmascarado
Solitário a perscrutar a farsa

A preocupação de saber
Se as mascaras compreendem
E a sensação de que o Mundo
É como um balão
Mal atado, que encolheu
Só p'ra caber lá eu.
 
Espectador

Prisioneiro

 
E foi prisioneiro de mim
Em algemas de cortinados remendados
Que na minha cárcere
Descobri uma frincha larga
Por onde espreitei curioso
Entre as manhãs e os poentes
E com um pincel de raios de luz
Pintei a miragem de amargura
Dos tempos que nascem
Da condenação a pseudo liberdade
Que arrasto e que me esmaga
Das lágrimas que se me congelam
Da força que me abandona
Quando em espasmos de gana louca e raiva
Me atiro às grades desta cárcere
De mágoas embalsamadas.
Então gritei histérico e danado
Esmurrei paredes e mordi fantasmas
Arranhei e rasguei espectros e miasmas
Mas finalmente exausto
Deixei-me cair chorando
E resignei-me enfim a dar a mão
E a imitar os que submeteram rendidos
Ao espaço e às leis corcundas da prisão.

Mas na revolta latente
Da humanidade decadente
Um pequeno catalisador
Como por magia
O inferno em paraíso tornaria.
 
Prisioneiro

De raiva à espreita

 
Sairam
do muro negro que construiram
além no fundo do beco
da manhã clara
milhentos esqueletos verdes
a fingirem troncos tenros
com as costas ensanguentadas
de comerem os meninos
dos sonhos adolescentes
do Casal dos Gatos Mortos
para festejarem com cérebros frescos
a saida do novo decreto
que autoriza os vampiros doentes
a comerem as gentes
dos casebres dos moncos
com côdea dura
(mas que bom era
se apodrecessem da cura)
 
De raiva à espreita

Do meu sentir de hoje

 
Nas manhãs frias,
das luas imaginadas
escorrem esguios
fios de água cristalina
e eu sôfregamente
sorvo-os!
Para poder suportar
Os extenuantes dias verdadeiros...
E não perder o ânimo
como os touros ou as vacas toureadas...
 
Do meu sentir de hoje

Gaivotas

 
(Vejo à beira do Tejo
crianças que adivinham
pobreza
a banharem-se nús
perto dum esgoto)

Nús libertos
Corpos pequenos
Dos meninos vivos pintados
De poeira da areia dos sobrados
Dos casebres
Dos buracos incertos.
Trementes, encolhidos, enroscados
Acumuladores-coragem
Para romperem a friagem
Das águas de esgoto serenas.
Gaivotas a alisarem as penas
E em linha recta
Irrompendo
Como setas
Contra o espelho oleoso
Que absorve
Os corpos hirtos
Quase silencioso.
Pardais barulhentos
Que se lavam
No lago
Dos excrementos.
Chamamentos inconscientes
Aos cegos-surdos assistentes
Dos homens
Do velho vestido achado.

Saltam, gritam,chapinham
Os petizes
Tenho pena
Mas são felizes...
 
Gaivotas