Pensamentos
Pudesse eu ao menos
chegar ao que quero
como quando quero pôr
os meus pés no chão
passo a passo, cadenciado e lento
e primeiro que mude o passo
olho e estudo o espaço
e os gestos e as coisas ao redor
Pudesse eu mudar o mundo
como quando escrevo
tornando idéias em palavras
através duma transparência
a pairar abstacta, no tempo e no espaço
fixada no nada, por nada querer definir
só ser livre, só sentir.
Porquê meu amor
Porque é
Que eu te sinto por dentro
E receio não te encontrar
Nas horas que eu desventro
comigo mesmo a lutar?
Ai!
Meu ser que se esvai
Por não te sentir aqui.
Porque é
Que o que me rodeia ignoro
Quando tu estás a meu lado
Mesmo se por dentro choro
Por frio e crueldade gelado?
Ai!
A razão se desvanece
Sem ti, meu amor.
P'ra quê
Se acharem explicações
Quando desintegramos desejos
Dos nossos corpos glutões
De orgasmos, carícias, beijos...?
Ai!
A força
Que eu tenho
Para te amar, meu amor.
Acróstico delimitando
Mortos-vivos sistematizados percorreM
Enfreados, limitados a vias de comboiO
Rastejando cegos em caminhos de morreR
Despem-se em liberdade vã num habitaT
A engendrarem no leito outra correntE
Sentido único
Perdi-me na multidão
que de rastos prosseguia
numa caminhada obrigatória
num insólito labirinto
e sempre que lhes perguntava
um caminho p'ra seguir
tornavam-se interrogação.
Eles nem sequer sabiam
o destino que seguiam.
Decidi então enlouquecer
para inventar
um caminho só p´ra mim.
Agora quando me interrogam
a pedirem que lhes mostre
um caminho p´ra seguirem
indico-lhes os que inventei
e que já eu percorri
mas põem-se de incompreensão.
Continuo então por isso
por não me compreenderem
no meio da multidão
arrastado pelo tempo
e vou porque os vejo ir
e porque a ninguém é lícito
parar ou andar p´ra trás.
Não foi por haver mal ou pragas
Não foi por haver mal ou pragas
Não, não foi por me deixar embalar
Pelos ruídos de riscar de lápis
Dos meninos, nas paredes
Nem por me terem injectado inibições
Não, não foi por sonhar
O longe, longe infinito de ambições
Nem pelo nojo
Do beijar de moscas peçonhentas
Não, não foi pela impotência de arrancar
Variados círculos coloridos
Da paisagem na manhã cinzenta
Nem pelo medo ou cobardia
De enfrentar babas brancas de bocas
Com sinais de fúria
Não, não foi por pressentir
Em cada ser um inimigo
Nem pelo entendimento vago
De saber a morte
...................
Que tirei de mim
Toda a vontade de florir certezas
Toda a vontade de albergar
Mergulhos de amores de coração no sangue
Toda a vontade de ser ou querer ser
o que os outros são
Toda a vontade de alcançar
seja em que for a perfeição
..............................
Mas porque amar o corpo
Não traz o desalento de sofrer
E o que é real e é directo
Não tem o condão do sonho
Que é o de engarrafar desilusão
..................................
Foge
Foge
Dessa tristeza de gelar estrelas
Do buraco fundo dessa tua solidão
Vem
Para fazeres nascer o fogo do momento
E tirares dos dedos da varinha de condão
Rosas vivas de alcatifar o mundo
Traz
A tua pele com perfume de suor
Para que a nossa noite seja humana
E os teus olhos a cintilarem, pirilampos
A alumiarem cabanas de diamantes
De nossos corações sincronizados
Em batimentos rítmicos de batuque
Numa azáfama de prensar uvas
Como nossos cachos-corpos
Vindimados à multidão
Mas olha
Por favor não tragas extintores
Daqueles que arrependem as almas
De terem consentido de olhos fechados
Que o instinto germinasse com sofreguidão
No solo rigoroso da razão
Chama invisível
Procuro pelo teu corpo
Respostas a meus desejos
Procurando uma fonte
Onde saciar esta sede
Ávido de consolo e mel
Procuro
E a tua boca encontro
Ardente, lasciva
Esperando
Que eu te torne fogo
E te apague a chama
Nascida
Era uma cidade
(Por ter vestido uma camisola com «bom dia» bordado do lado esquerdo do peito)
Era uma cidade na interpenetração da noite e do dia.Era uma cidade que com gente ainda na rua adormecia.Era uma cidade naquele dia em que se desvaneceu o escudo e vieram das profundezas de abismos secretos, exércitos de aranhas empoeiradas, plantar uma melancolia corrosiva e aceleradora de forças odiosas, geradoras de inconfortabilidade, mas de libertação.
Ah! Libertação! Mesmo num chuto num balde de lixo, com papéis rasgados a voarem, mostrando o caminho a uns pensamentos e os restos orgânicos que se colam nas paredes em splashs de acordar a loucura, de suportar a teimosia, de construir mais um dia que no fim se desmorona em desejos de adormecer esquecendo. Mas a loucura está escondida
não se sabe onde, algures num vácuo ou lacuna de consciência não muito clara e não despertou.
Depois proclaman-se julgamentos e deseja-se comprar uma boina para contrariar o relento que se envolve nos cabelos revoltos pelo vento e a falta de pente.
Os cigarros para arderem ferroadas interiores e apagarem olhos que escrevem nas testas mordeduras e rosnos, porque não comê-los para enganar os desejos de devastar paisagens de camaleões?
Antes de vestir «bom dia» à meia noite, ondula a visão com o calor que se transmutou para os objectos talvez e as mãos são frias, para se acariciarem darem oceanos gelados. Simplesmente os «bons dias», desta vez, não tinham sòmente impotência de tornar verdadeira a professia, mas sabiam a quente também, ele não sabia verdadeiramente a quê, mas a qualquer coisa de quente de lhe deixar aflorar lágrimas. A ternura é quente, não? Não como a gente que o olhou na rua de frente e lhe cuspiu na manhã clara e quase em si ausente, um «bom dia» salobro. Foi então que achando estranho, seguiu um dos olhares desabituais e descobriu-o no peito, do lado do coração.
Elucubração
Um bicho é um bicho!?
Um cão é um cão!
O homem é aquilo
Que os outros não são.
Ah!Ah!Ah!...
Não me faças rir.
Mas quem é que proibiu?
Hic!
E a mulher?
Hic!Hic!
E a melancolia?
Ah, se eu descobrir a maneira
De enxotar o teu papão
Como será belo, maravilhoso
E inconscientemente egoísta.
Como o cão?
Não, mas morder-te-hei
Sensivelmente.
Chiça!
Não consigo arrancar-te
Da tola
Está com cola
Ou então...porra!
Vou contar carneiros?Não.
Vou suicidar-me de escuridão:
Atirei-me à água.
Grande sucata
Lembrei-me que sei nadar.
Continuo então
Por não me compreenderem
No meio da multidão
E vou porque os vejo ir
(como o bicho)
E porque a ninguém é lícito
Parar ou andar p'ra trás
Mas o maldito papão
Não o apanho não
Cabrão!