ESCALAR
Mais um dia na minha vida
Com horas para escalar
Degraus de escada viscosa
Onde posso escorregar
Numa pedra sinuosa!
Que é a vida? Que é isto?
As tuas palavras soam:
«Simplesmente estou
Depois deixo de estar
O sangue secou!»
A morte não me preocupa
Mas quero viver, quero ficar!
Lamento já ter subido
Tantos degraus da vida
Alienada e perdida!
O ritmo agora é inquietante
Mais arfante o exercício
As brumas ocultam o início
De mim me torno distante!
As horas não me deixam parar
A escalada é tenebrosa
E eu não posso sossegar
Consciente, inconsciente
Ir em frente é o destino
Nem sei onde vou chegar!
31.11.2010
The Waterfall (Georgia O'Keefe - (1939)
Sempre gostei da musicalidade da água
De ficar de olhos fechados a ouvir
Podem ser adágios, gotas de bágua
Podem ser vibratos inquietos a cair
Gosto de sentir no meu corpo o seu afago
Pode ser a chuva, a cascata, o rio… o mar
Meu Gerês, onde a água ecoa sem parar
Paraíso de águas puras de meu agrado
Na água vejo inquietação, movimento
É como a vida, um tropel constante
Sempre a correr, não pára um momento!
Olhando a água, a vida está a passar
Ultrapassa tudo, de forma incessante
Mesmo que suspensa eu fique a divagar!..
09.11.2010
MEU AMOR!...
Eu digo ao teu ouvido
Palavras de amor,
não duvides!
Ouve, são palavras de amor intenso!..
Vê o meu sorriso, este sorriso é só teu!
Lembra-te do meu sorriso comum
De sobriedade
E como ele agora mudou
Espelhando felicidade!
Toco o teu corpo
Estrada para os meus dedos
Vaguearem carícias de pele
E na tua pele escrevo
AMO-TE, ADORO-TE…
Risco viajante e vagabundo
Na pele inspiradora
Lá fora é o deserto
Tu és o mapa-mundo!
Entras em mim
Lacrimejo o teu corpo
Na tortura do desejo
Desgrenhado
E ávida cotejo,
Na luta corporal
E latejo!
Lábios que beijam e sussurram
Meu amor…meu amor
Pelo teu corpo
Libertador!
Quero o suplício
A tortura
Sou tua escrava
Com a tua bravura
Dentro de mim
Escava!
Não são apenas palavras
São amputações do espírito!
Entrego-me em aluvião
Incondicionalmente
Em ti busco o infinito!
23.11.2010
NATAL
A neve já cai nas serras.
Os caminhos estão fechados.
Os rostos se afogueiam nas brasas da lenha!
Batem leve, levemente… (Augusto Gil)!
O frio e a neve associam-se ao Natal,
Difícil imaginar um Natal com calor,
Com um mergulho no mar
Parece estar fora do contexto bíblico!
Para além de um conhecido limitado,
Não havia mais mundo,
Nem mundos…
Mas outros mundos foram descobertos…
O Novo Mundo surgiu e além deste outros mundos…
Ptolomeu, Copérnico, Kepler, Galileu, Newton…
A ciência derrubou mitos e místicas!..
A tolerância, a boa vontade, o amor, o amor…
O Natal é quando um homem quiser (Ary dos Santos)
E esse é que é o aspecto «religioso»
Da questão!
Não ser humanista por um dia
Ser humanista dia a dia!
Em criança,
Sentia a magia do Natal
A simplicidade
A mescla do frio/calor…
Agora já existem muitas perdas
E o calor se fez frio
E o frio se fez calor sintético!
O Natal é demasiado excessivo!
Está muito adulterado!..
Qual é o espírito do Natal?
O que devia ser?
Amor…
Há tantas promessas de amor
… e tão pouco amor há!
Vida artificial!
Fogueira de vaidades
Luz intensa
Que ofusca a luz natural!
De todas as formas ou de qualquer forma
Para todos um bom Natal!
12.12.2010
FLUTUANDO
Deixa-me entrar dentro da tua cabeça
só vejo flores a rebentar dos teus cabelos
olha para os meus olhos, devagar
para raiares a minha vida sombria…
Gosto tanto de ti
que chega a ser insano
preciso das tuas palavras
encostadas ao meu ouvido
brisas de calor e arrepios
quero-as tanto
que perco o sono.
Desassossegada
acordo cansada e silenciosa
e tenho em mim
o ruído das palavras
que não ouvi
que apenas pressenti.
Não sei o sítio a que pertenço
O que faço aqui
Porque não estou aqui, nem aí!
SE PUDESSES LER O VENTO ...
quando ao principio da noite algum espinho
fica preso ao meu pensamento… o sono não vem
a noite agita-se em sonos curtos
e espaços longos obscuros
cerceados da flor singela
que desperta o sorriso
num embalo de luz
por dentro de mim
de manhã a luz filtra-se
pelas frinchas
mesmo a luz cinzenta
de um dia que acordou molhado
sinto no peito a ânsia
a ânsia de encontrar
a certeza de pensamentos
fluindo num espaço de convicção afectuosa
mas não,
o espaço imenso onde nada acontece inundou-me
nada anuncia a paz
dia triste
a chuva cai silenciosa
as árvores agitam-se
de testa colada ao vidro frio ouço Bach
fixo-me nas árvores fustigadas pelo vento e penso
se pudesses ler o vento e o que ele te leva de mim
out.2011
MOMENTO ONÍRICO
Aqueles momentos de felicidade
Estão gravados em mim
Estarão por toda a vida
Chamavas-me libélula
Quando acicatava o teu corpo
Espargindo carícias húmidas
Pela tu a geografia apetecível!
Depois de tudo
Ficávamos dentro do abraço!
Pela janela entreaberta
Entrava uma brisa morna
Que abanava a cortina
E deixava a lua espreitar
Iluminando os teus lábios estriados
Que me apetecia morder!..
Tu sussurravas-me ao ouvido
E o cigarro passava da tua
Para a minha boca…
Os rolos de fumo
Vagavam
No mundo onírico
Que nos envolvia!
03.01.2011
O DIA CLARO!?..
Nem sol, nem chuva
Tudo é baço, pardacento
Acordo e penso
A tua palavra não vai chegar!
E eu estou cansada de esperar!?..
Para quê acordar?
Na cama debato-me
Com o dilema: ficar… levantar…
Sem coragem e sem chama
Só queria dormir
Até o dia claro
Se o dia claro surgir!..
O teu silêncio
Dói no vazio de mim!
Acendo-me em fogueira
Crepitando até à cinza
Debalde…
Não há a palavra
E ainda assim
Penso nela
Penso que vai chegar
Talvez
Entre o crepúsculo e o amanhecer
Para me acalmar
A ânsia romper
E ainda assim me excitar!..
Aninho-me no calor da cama
E sonho já cansada de sonhar
Com o dia claro
Com a duplicidade do ritmo da paixão
Com os sorrisos, as palavras, os movimentos
Com o desejo libertador
De expulsar recalcamentos!
14.12.2010
CASUALIDADES
Não sei porque razão estas coisas têm que me acontecer
Sei que quando te vi, senti-me de imediato agarrada
Gostei do teu sorriso, do teu olhar de intenções a arder
E da entoação que davas à frase deglutida pronunciada
Falavas e eu ficava presa a ti, em intervalos de paladar
Com um som de um bater de língua no céu-da-boca
Gritos mudos de desejo, como sinos em mim a badalar
Incentivavam uma junção transgressiva e muito louca
Por terras estranhas, caminhamos numa outra cadência
Tu foste até ao fundo de mim num imenso arrebatamento
E disponíveis estávamos na descoberta da nossa essência
A nossa viagem foi uma reprodução de uma tela de Chagall
O mundo visto de cima era muito pequenino, um divertimento
E de nuvem em nuvem dançávamos o nosso bailado sexual
EROS
Será que o meu desejo tem corpo, existe e está a pensar em mim?
Tu a minha alma gémea, aí por qualquer lado, pensando em nós?
Será constante a fantasia de nos completarmos, com alguém por aí?
Num encontro intenso de plenitude de nos sentirmos completos?
Será que Aristófanes tinha razão? Separados mas um só!
Bastando-se, fecundos e iluminados, pela sua própria luz?
O Andros, a Gynos, o Androgynos a união plena e dual,
Não pela carne, mas por algo superior e difícil de exprimir!
Dois acoplados, erectos ou rolando velozes como um raio
Ele filho do Sol, ela filha da Terra, eles filhos da etérea Lua
Mas plenos de força e desafiadores dos deuses! Zeus rugiu:
Cortem-nos ao meio, perderão força, ficarão humildes!
Cortados e com as faces viradas para as suas partes amputadas
Choraram desesperados! Zeus virou seus sexos para a frente
Assim conheceram o desejo carnal, mas difícil era o saciamento,
Os corpos uniam-se, mas as almas dificilmente se encontravam
Buscavam Eros, que como dizia Diotimia, era o intermediário genial
Entre os homens e os deuses, para ascender ao patamar da imortalidade
Só ele podia levar ao Todo, projectando-os para um estado superior
Mas entre Eros e os homens os obstáculos de percurso eram tremendos
Difícil a união perfeita, a plenitude em que tinham vivido
Extinguidos os gemidos do amor, o vazio de novo aparecia
Corpos juntos, mas com as suas almas cheias de angústias
Coarctados de serem um só, sofrendo a dor da insatisfação
11.10.2010