Tempo
Ah! este Tempo etéreo e hierático a me impor lembranças e propor destinos.
Este Tempo agonia que me alheia a voz quando estou sozinho.
Um Tempo de palavras roucas... loucas... a dizer-me coisas com as quais eu não atino.
O Tempo afoito, nau sem vela e sem razão, que conduz, por entre nevoeiros, o meu coração.
Intuo este Tempo, máscara da mentira, que julgo passar por mim quando sou eu quem passa por ele.
Soa, ao longe, este Tempo de renúncia e de exílio em cujo pórtico ouve-se o diáfano prelúdio da tua ausência
Freme este Tempo de silêncio que engenha sombras no canto que embala a minha própria dor.
Cerram-se os olhos do Tempo que nas noites choram a minha solidão.
Fito este Tempo que em cada manhã me sugere, imarcescível, uma nova possibilidade para ser feliz.
Ah! o Tempo... este instante precário e denso, cativo e límpido, onde a alma flamejante engendra o engano de existir.
Primeiro beijo
Na primeira vez que te beijei
O amor era longe e o sonho imenso
Aos teus lábios o meu amor eu sussurrei
Aos meus lábios tu dissestes amor intenso
E ao brilho da manhã de um céu despido
A luz nos espiava pelas frestas
De um fevereiro enternecido
Adeus
Entre as palavras não ditas
Há muitas flores formosas
Há orquídeas, lírios e rosas
Há flores que nem acreditas
Entre o silêncio que esquece
De dizer as palavras inteiras
Há vozes, sutis brincadeiras
Que a tua razão desconhece
Entre o sentimento que fica
Como se fosse a lua e o sol
Como a tarde lilás do arrebol
Há o tempo etéreo que purifica
Entre as minhas mãos e as tuas
Ficaram a emoção e o carinho
Que mesmo eu estando sozinho
Há o calor das lembranças suas
Entre os meus lábios e os teus
Há a dor da palavra que chora
Que foi dita quando fui embora
A interminável palavra do adeus
Espero
Espero as palavras que não chegam.
Espero o passado que caminha, irresoluto, cada vez para mais longe.
Espero a Alma infrangível que não vem e que encobre a voz tergiversável do que sinto.
Espero o silêncio cego que vem dizendo, murmurante, velhas histórias, enredados medos.
Aguardo, no tilintar dos pequeninos passos do tempo, o instante em que o amor repousasse as suas lágrimas tenras nos olhos inquietos da saudade.
Aguardo, atento aos sons que o ar evoca, o dissipar desta angústia que me perpassa lenta e longamente.
Espero a vida e seus caminhos sós e seus sonhos sincréticos a desvelarem a ternura dispersa no tempo.
Enquanto espero olho o momento que estremece.
Soa ao longe o pulsar constante e arrítmico da vida.
Ecoa nos meus lábios contritos o segredo nostálgico do teu nome.
Chove...
A chuva cai sarapintando de gotas fosforescentes a face dócil da noite.
Flores ondulam levemente ao remanso que a chuva inventa.
Espero...
Espero as palavras que não vazam.
As palavras que não irrompem.
As palavras cálidas e ternas que se esconderiam em algum lugar de ti.
Espero as palavras intrínsecas que diriam: "vem!!! ...eu também te amo".
Hoje
Hoje já não queimam as
noites em seus fogos
cor de sangue. O fogo
fez-se mar intenso,
vaga sem fim.
Hoje a madrugada é precipício
a acolher rios de sonhos
que se precipitam como
chuvas molhando a lágrima
entornada, a lágrima amarga e perdida
Hoje não te tenho mais,
não sinto mais meus lábios a viver
nos teus. Não beijo teus olhos,
não sinto teu corpo, só há o teu
perfume entre os meus braços
Hoje já não digo amor
O amor ficou cingido
ao passado nos silêncios
que ficaram junto a ti,
ao teu lado.
Hoje o silêncio tonitruante
das palavras não ditas
é o grão de pólen que
perpassa as pétalas das dores
a germinar no infindo adeus
Hoje, sonhos desfeitos,
vida sem gosto,
minha alma galga colinas
buscando em outros trejeitos
As linhas meigas do teu meigo rosto
J L Silva
Também
Também deste poema se morre
letra após letra
o som inteiro e intenso da palavra
que cria rios e desertos e miragens
grises como o meio da noite
onde o poema descreve arabescos
e o agora dissolve os segundos
na farsa do tempo que é morte
Também destas horas se fartam
o incandescente amargor coleante
da areia escorrendo amarela
como um rio ruminante
entre o passado soturno
e o futuro incognoscível
que nos mantêm de joelhos
há 512 anos
Também nas madrugadas se chora
o choro longo ou breve
como chora o rio fora do seu leito
um choro que se pensa infindo
que se chora até se adormecer
no engano
e na absorta cachaça do sono
onde dormem os olhos incompreendidos
da infância
que nem você conseguiu consolar
trazendo a flor ébria e a cinza neblina
que se esvaneceu deixando
a primeira palavra do poema
sem resposta
Também se vive a contemplar o mundo
constrangido
náufrago
anacoreta
a estacar diante das reticências da vida
a mergulhar no espesso lamento da dor
das guerras profetizadas nos gabinetes
incesto e morte
e o desespero natimorto da platéia
diante da face do medo
diante do cansaço da espera exilada
e da ausência de perguntas
enredadas na vontade empoeirada
de quem, sequer, vê o muro
Também de fome se vive
de sonâmbulas bocas esquecidas
esperando o pão nosso de cada dia
ardendo em febres
e esperanças forretas
Pai,
perdoai a nossa inércia
assim como nós perdoamos
a quem nos tem debicado
não deixeis cair o parco pão
no chão conspurcado
pela nossa apatia
e pela nossa "candura"
livrai-nos dos néscios
e da submissão
Amém
Versos insones
Um tempo infindo trouxe você pra mim
Um tempo sem hora, sem dia, sem mês
Um tempo onde só havia o soar
Longo do vento na noite imensurável
Dizendo ao meu coração teus sonhos
Lançando fora os véus que o encobriam
E onde o amor se perdera em fugas
Esquecendo a ternura do beijo alvo da alma
Disse a ti as palavras que em mim morriam
Disse do meu medo e da minha dor
Falei da noite que me esconde
A noite onde o meu ser se dissolve
Em rotas de um labirinto inescrutável
Pousastes a mão sobre os meus lábios
Para que o silencio deles não partisse
Para que o gesto pudesse se expressar
E na palavra contida nos teus gestos
Ouvi o bem dizer da ilusão do alento
Onde tuas mãos bebendo do meu corpo
Sussurravam os versos insones que te fiz
Na esteira das luzes que apagaram a madrugada
Distância
Porque dizer desta distância
Se a distância é só saudade
Se há entre nós tantos céus
E tantos rios e tantos mares
Se a saudade da qual falo
É a mesma em todos os lugares
É a mesma que espera ali adiante
Fazendo do longe o mais distante
Apertando o passo pelo mundo afora
Encobrindo as noites como um véu escuro
Fazendo do hoje um tempo antigo
E do passado um tempo que não vai embora
Momentos
Há momentos em que sentir
é como a ausência do postigo
por onde poderia, se houvesse,
infiltrar-se a voz melíflua do poema
É como a carência das manhãs transcedentes
e o constante perfume do orvalho no ar
É como a garrafa lançada ao mar viajando
sob estrelas que por sua vez viajam o éter
trazendo mensagens (poemas?) do inicio das eras
É como a solidão que se instala transbordando
tudo que eu ainda não disse/não fiz
É como o som das insidiosas máquinas de guerra
que ca(n)tam as velhas canções
e reverberam a cantilena de velhos discursos
É como o choro silencioso,
sem gesto,
sem destino,
sem começo
e sem fim
É como um labirinto
infinito
onde a esperança repousa ingente
É como a inelutável noite
que envolve e acorda vendavais
e a chuva cai
parando o tempo,
revirando passados
reverberando ao som do vento nas telhas
E, afinal, que querem as lembranças?
Querem um convívio forçado
estes sentimentos que tombam e vibram
Não sei conviver
Há sempre razões definitivas,
certezas indubitáveis
e a noite que cessa
em todas as janelas
onde a parca luz amarelada
agoniza junto com a minha emoção
Onde as imagens se evolam
e o tempo é um truque de um mágico
que transforma a eternidade
nestes fugidios instantes
Às vezes instantes longos,
páginas em branco,
às vezes cheios de emoção,
umedecidos de suspiros
que o tempo folheia impunimente
A poeisa estremece o singular
mistério da noite
e dá ao meu sentimento
este invisível caminho
e esta inefável possiblidade
de anotar e rabiscar
até perder a razão
e colher das flores as cores
e o perfume inocente
de um verso que chora
ou que ri comigo
de uma realidade que só existe nele,
no verso
Eu o olho e o ouço como
um menino me olha e me ouve...
como se me conhecesse
há muito tempo...
Um tempo em que só havia poesia
no acaso inseguro das manhãs,
na tarde que me visita
e me espera nos jardins
onde flores de papel sorvem
as palavras que dizem da brisa
crispando as águas do rio,
bebendo as pequenas ondas
que desaparecem na areia
Houve um tempo em que tudo era poesia,
madrigais, odes, elegias
Versos inconsúteis
escritos à cinzas
nas páginas da distância
e dos momentos onde sentir
é o escorrer da chuva
no silêncio dissoluto do espinho
da rosa que não há
e o perfume da rosa, esbatido pelo vento,
ondula em teus cabelos onde dorme a noite
O vento argumenta sua quase tristeza,
arremete, debalde, as naus contra os portos,
acorda meus velhos sonhos sonolentos
e empresta-lhes a face de uma lua cheia
de um dezembro que ainda não veio
Há momentos em que sentir
é só como estes sentimentos cativos
e estes caminhos cobertos por folhas secas
caídas com o vento e com as chuvas
nas madrugadas onde me esqueci
e me esquecendo
o tempo, possesso,
me resgata deste teatro
e da contumaz mentira
que transforma o meu hoje
em um ontem irrefreável
acumulando-se aurora após aurora
ansiando por ser poesia e liberdade
Nestes momentos em que sentir
é como o menino jogando as cinco pedrinhas
na praça deserta
antes de decidir morrer
Quando eu me for qual flor brotará?
Branca, vermelha, amarela, lilás, azul...?
Que importa?
As flores brotarão e levarão
o pânico da minha noite
e atearão fogo à minha suposta "poesia"
incorrigível e alquebrada
sentindo o que não sente
virando o mundo às avessas
antes que a aurora refreie
a voz do poeta
e este, então, adormeça
Maio
Por que maio?
e não outro mês qualquer
Talvez porque em maio
as manhãs acordavam entre
neblinas e a graça do teu
sorriso inocente
Talvez porque em maio
você enlaçava o meu pescoço
e me dava beijinhos de
esquimó
tão frios nossos narizes
tão linda a tua maneira
de se deixar existir
Sorrias quando eu dizia que
a poesia é como jardins
e que as palavras florescem
nestes segredos suspensos
em nuvens vermelhas
em ramos de vento
em flores de luas
O ano?
O ano não importa
Infindável é o tempo
e a chama que o consome
Importante mesmo
era que fosse maio
e que o beijo
me atordoando
em ofegantes salivas
dissolvesse-me, menino
O beijo pousado no teu colo
no teu ventre
Nas nossas mãos enlaçadas
nos nossos olhos fechados
faziamos o dia conforme
a nossa magia de lentos segundos
o tempo parado em cada fibra
em cada toque flamante
E o amor era maio
e de dentro da bruma
de um mar que não tinhamos
vinham teus olhos
de menina
tua boca miúda
os dedos sobre os lábios
entoando o silêncio repentino
os segredos ainda úmidos
zonzos
Meu corpo o mesmo que o teu
lenta poesia a desnudar-nos
nos teus limites da bruma
nos teus calores de sóis
nos teus olhos de noite
casualmente sem lua
Em maio inclinavam-se os dias
que traziam você e as tardes
de incandescentes ternuras
traziam o teu carinho
e risos de era uma vez
traziam a canção de amor
tocando no rádio
e a flor ressumando no jardim
e brincos de princesa
e lírios florescendo no
horizonte
entre mar e terra
para o meu instante
de bardo
para os meus versos
imaturos
Vinham os versos
com o silêncio
que teus dedos
em mim compunham
sublimes
inquietantes
inefáveis sonhos
a brincar com nossos dias
com nossos maios
a brincar com amanheceres
que ficaram em mim
como a estrela esquecida
ficou no céu da nossa manhã
rondó decifrando a lua
e a tua ausência despida
ante os meus versos noturnos
ante o preto e o branco da vida
Eu ainda posso ver
teus olhos negros
indeléveis
me sorrindo
desde as rendas diáfanas da neblina
dissolvendo-se, assim,
na sede da aurora
e dos primeiros raios de sol
Com a última estrela da manhã
eu sinto que o tempo passou,
incerto
molhando com o teu nome
este passado onde me escondi
Pingo...
para mim serás sempre Pingo
Pingo d'água
da onde sorvi da tua boca
a gota da minha
primeira lágrima de amor
e de inauditos maios
que hoje me trazem os ventos
entre cantigas e poesias
entre pétreas solidões
desvelando esta saudade
e este silêncio
com os quais recito o teu nome
reescrito no lago dos meus sonhos
e nas poesias que não te fiz
e que adormecem nos meus dias
e que derramam nas noites
lembranças dentro de mim