Poemas, frases e mensagens de JLSilva

Seleção dos poemas, frases e mensagens mais populares de JLSilva

Ausência

 
Na manhã que te levou
Na tarde que não se cala
No beijo que não te esquece
No abraço que ainda aquece
Na noite que te esperou
Na cama onde agora dorme o frio
Na tua ausência doída
Num quarto vago e vazio
Minha saudade deita seu corpo
Junto ao teu corpo macio
 
Ausência

Pra onde vou?

 
Pra onde vou se agora a vida me trouxe você
E nossos momentos são sonhos que em mim se realizam?
Pra onde vou se te esperar tornou-se a inteira poesia
E os meus beijos aninham-se no teu corpo
Como os versos aninham-se nos poemas?
Pra onde vou se agora tua mão tocou a minha
E os teus dedos, trançados aos meus, disseram tanto amor?
Pra onde vou se agora o dia acorda e dorme em você
E nas minhas noites o perfume do teu corpo embebe o ar da minha imaginação?
Pra onde vou agora que os meus lábios tocaram os teus
E a sede molha a lembrança dos nossos dias e das nossas noites?
Pra onde vou se a tua ausência é tudo que tenho depois do nosso amor
E na minha pele o teu gosto fica como o desejo ainda latente?
Pra onde vou se agora quando apago a luz é o seu toque que sinto na penumbra que me encobre?
Pra onde vou se agora quando o silêncio dormita é a tua voz que ouço?
Pra onde vou se agora meus caminhos, tão distantes, esqueceram os próprios passos?
Pra onde vou se agora tudo que sinto é você
Tudo que sonho é você
Tudo que quero é você
Tudo que amo é você
E tudo que tenho é saudade?
 
Pra onde vou?

Quando tu fores

 
Eu penso a dor que há de ser quanto tu fores
Quando o momento de partir crescer em mim
E o beijo que nunca foi dado rir-se do seu fim
Enquanto a voz grave do adeus cala as flores

As noites hão de ser constantes madrugadas
Caminhantes notívagas num céu adormecido
Por onde anda o vento frio, triste e esquecido
Murmurando passos quiméricos nas estradas

Ah! Quando em teus olhos a cor do céu fugir
Quando o mar em densas brumas me encobrir
E o meu olhar imerso em dor não mais te ver

Que o vento arraste as cinzas nuas da saudade
Para que o meu coração esqueça de te esquecer
E para que este amor faça-se em mim eternidade
 
Quando tu fores

Teus passos

 
na noite onde o silêncio
é o postigo antigo de um sentimento
ouço teus passos a andarem em mim
ficam, em mim, as marcas dos teus pés
como se areia eu fosse
ficam as gotas salgadas a escorrer
como se mar houvesse
entranho-me numa concha
como se ondas ouvisse
ficam na noite teus olhos de estrelas
a derramar as fragrâncias de uma primavera
a soluçar os medos da noite inditosa
a arder a lembrança do que um dia foi Amor
ficam os nãos versejados e a morrer
da morte mais intensa que em fumos se desfaz
morrem os não quando eles já não nos servem mais
a voz ouvida ao longo do vento sibilando
por entre as frestas de um passado envelhecido
entontece a flor que brota no seio da solidão
o vento vagando na noite é uma réplica do que foi meu coração
quando a noite espargia o silêncio nas várias faces do vento
e guardava a minha Alma na renuncia rútila dos astros
guardava, na pálpebra do sonho, o que de mim ainda sou...
...e o que eu ainda sou é crepúsculo de barco a deriva
a vagar pelas ilhas inescrutáveis dos meus sentimentos
a deslizar sigiloso na transparência dos ventos errantes
desvelando a aragem silente do que de mim restou
 
Teus passos

Poesia... não achei

 
Queria te mandar uma poesia, mas não achei nenhuma que se parecesse com você.

Nenhuma tinha estes olhos ternos, céus em dias claros, mares ao crepúsculo da manhã.

Nenhuma tinha estes cabelos de fios cor do trigo ondulando à luz do sol.

Nenhuma tinha a candura das tuas mãos, o perfil delgado dos teus dedos, a fome do toque.

Em nenhuma poesia encontrei o teu abraço que me enlaçava ternamente como gota azul do oceano.

Nenhuma tinha o convite do teu colo.

Nenhuma tinha a maciez da tua pele, rosa branca, lírio em flor.

Nenhuma tinha este sangue rubro no qual teus lábios se expressam.

Nenhuma trouxe o silêncio do contorno dos teus lábios em sussurro.

Nenhuma sabia sorrir como você sorria pra mim.

Nenhuma falava as palavras que me dizias e com as quais ainda faço os caminhos dos meus sonhos.

Nenhuma soava como soa tua voz quando dizes "felicidade".

Nenhuma trazia as letras do teu nome onde amanhecem os meus dias.

Nenhuma tinha a fragrância nua do teu corpo úmido de desejo.

Nenhuma tinha o arfar dos teus níveos seios durante o amor... corolas aveludadas, círculos de chamas.

Nenhuma tinha versos que se despissem como despe-se o teu corpo.

Nenhuma era saudade como são os beijos teus.

Nenhuma tinha esta agonia de liberdade que a tua alma tem.

Nenhuma sabia da dor que você socorre.

Nenhuma tinha o ritmo dos teus passos quando caminhas na areia da praia.

Nenhuma poesia, nenhuma...
não achei nenhuma poesia que pudesse te dar nesta noite.

Só achei estas palavras que o vento, em meio ao canto de um pássaro, sussurrou ao meu ouvido.

E estas palavras são tudo que tenho para te ofertar esta noite...

Poesia... não achei.
 
Poesia... não achei

Soturno

 
A aurora dissolve-se na mancha
vermelha alaranjada do sol
ressumando na manhã
esbaforindo a face triste do chão ressecado
a tremeluzir tudo o que é no horizonte
O menino nu come o barro queimado
das paredes da casa
Os dedos dessangrados
de cavocar as paredes mortas
pelo sol desgarrado
No infinito da paisagem desolada,
ondulando no ar,
galhos secos e uma cisma de esperança
A esfera rubra do sol soluça de sede
abrasando as pedras que assomam sobre
as estações desfeitas
em poeira vermelha e pegajosa
Nem inverno nem verão
nem outono nem primavera
Tudo a mesma poeira grossa,
o mesmo torrão rachado de chão,
as mesmas mãos vazias,
o mesmo olhar sedento para o céu
A vida passando sem pressa
morosa em se acabar
enchendo o vento de soluços
As flores e os frutos não se modelam
no barro seco indistinto
e na paciência dos quintais
que sangram o que um dia foi mar
As mulheres carpem os cântaros vazios
sorvendo dos lábios a sede
No céu nenhuma ave,
na terra nenhuma criação sob as sombras
dos galhos secos das árvores
A vida carecendo de sentido e de tamanho
Carecendo de saberes e outras palavras
tão uivantes quanto o silêncio que,
embaraçado nos gravetos
que rolam pela terra em fogo,
insiste em ser a trilha dos dias
amorfos e anônimos
onde o rio inexiste sem rumo
e só o vento quente tem vida

O menino nu carece do barro custoso das paredes
e de um olhar de esquecimento
que esqueça a sombra da tristeza
e do desassossego
que o tire da letargia destas terras
que evolam-se no ar esturricado

Chora o menino nos seus poucos anos
a tocaia que a vida deserta de si inventou
Suja os pés neste ar solitário que seca
a lágrima no rosto vincado pela terra
e pelo medo
máscara informe de poeira e suor

Ao longe a tarde crepita em brasas
tremeluzindo o braseiro de tudo a sua volta
O sol oscila num céu se dissolvendo
em vermelhos
O olhar incendiado pressente a noite
adejando portas e janelas
O dia mastigou o menino e deixou-o
nos braços magros da noite inerte que se rompe
nas lascas das paredes em soluços
A terra ressequida não dá cor ao noturno cantochão
com que a noite põe fim ao dia
A noite denota a imarcescível lua e um ror
de estrelas, colunas de um antigo templo,
de um antigo tempo, de antigos guias
poeira derramada nos milhões de anos,
trazendo para as noites seus olhos afeitos
a viajarem nos céus de poeiras também
A fome deita o menino e seus olhos cansados
Ouve-se soluços entremeados de suspiros
As indagações adormecem
nas ilhas sonâmbulas dos astros
e na impermanência do destino
A noite se aquieta
Silenciam as pedras que há pouco crepitavam
sob o braseiro urdido com as mãos coruscantes
de um sol que parecia brotar
do centro flamante da terra
O menino dorme
a sua infância exilada
Num canto escuro da vida
a casa geme ao passar do vento pelas taquaras
A lua, silente, alumia as veredas insones
Nestes cantos não tem flores nem jardins
Só a poeira grossa igual
a dos meses e anos anteriores
e as crassas paredes que se vai comendo
aos pouquinhos
conforme a carência e a tristeza
esquecidas, aqui, em todo lugar
 
Soturno

Escrevo a poesia que ninguém lerá

 
Ao longe a música chia
no antigo gramofone do dia
quente deste final de novembro
apagando o trinar dos passáros
que os céus levam até o mar
debruado com as velas ao vento
dos barcos executando os acordes
das canções de alguma infância

Gaivotas voam acima dos meus medos,
acima das canções inacabadas,
da angústia inútil de não esquecer
e da poesia escrita na bruma da manhã
estampada na primeira hora
atada ao dia que veio com o vento
na primeira flor
na primeira dor

Escrevo a poesia que ninguém lerá
Escrevo para as sombras
da minha infância
Escrevo porque sinto
e porque a palavra me liberta
E é esta é a minha culpa maior:
dizer o que não fui,
falar do inapto que ainda sou
Só o que sinto
e o que minto
de mim para mim
é o que fica de mim na aléia
por onde caminha o Mistério
na poeira quente das estradas
sem encontros,
nem companhia

Ando a olhar para o céu
buscando no trilar das aves,
os pássaros origami
que me habitam
e me trazem, assim,
este amor impossível
pela coisas instadas,
pelas estrelas
e seus poemas,
que não se extinguem
e movem-se sem cessar
ao nosso encontro?

No velho espelho contemplo
a chama da infância
Tuas mãos pequeninas
aquecidas ao sol
de um inverno ofuscando,
os teus olhos negros,
teu corpo recendendo
à paixão e à ternura

Da janela do quarto
ainda vejo dormir a noite
Vejo dormitar o passado
sob a luz de candeia
de uma lua iluminando a alma,
sem, no entanto, separar
a solidão destes versos
que me sopram

Os pássaros regressam de muito longe
atravessam a noite,
inocentes,
desfazendo o silêncio
com o branco das suas asas
Procuro no escuro,
tateio suas silhuetas esguias,
da onde virão?
Trarão um ramo no bico?
Os pés molhados de mar?

Em meio as estrelas adormecidas
a lua irrompe pela janela dos sonhos
Encosto a mão na face molhada do sono,
digo um segredo,
calo um grito,
sussurro o desejo de partir,
sentindo a areia fria das dunas
como se a areia houvesse sido o meu mundo,
só e esbatido pelas gotas de sereno
que serão o orvalho da manhã sem nome
e que não demora a chegar na praça
acordando os pombos e os seus arrulhos
balançando as matas ao rumor do dia
lançando as primeiras gotas no mar
resplandecendo nos rochedos
caminhando para o verão
perfumado de primaveras,
refletindo luzes de outonos,
sob um céu nacarado de inverno

As nuvens passam singrando os céus,
barcos de algodão,
rendas no jardim onde brotam
os versos que podem dizer às almas
o ouro da liberdade latente no átomo
imarcescível de cada novo dia,
abstrato como o papiro
a escorrer as palavras do que seria
um poema
ou a chuva caindo
errante
e terna
 
Escrevo a poesia que ninguém lerá

O homem

 
Se a noite esconder todas as estrelas,
se no céu sobrar somente o breu e a lua,
se a saudade fugir com os nossos sonhos,
se a flor murchar e morrer em plena rua,
se a esperança se desfizer toda em quimera,
se o medo da vida se apodera,
se à amizade a falsidade desvirtua,

Ainda assim, amor,
restará a crença pura no afeto para nos suster enquanto há vida.

Se o vento arrastar nossos momentos,
se as nossas vozes o silêncio apagar,
se parados esperarmos novos tempos,
se a cegueira vier para nos guiar
se as nossas almas chorarem doloridas ,
se a sina vier a reger as nossas vidas,
se o sol ao meio-dia se apagar,

Ainda assim, amor,
restará a fé intacta no amor a nos manter enquanto há vida.

Se o homem a outro homem devorar,
se a guerra for o diálogo dos Senhores,
se a vida de um homem valer pouco,
se o homem para aqui só trouxer dores,
se o homem só evoluir externamente,
se a liberdade for pra um dia lá na frente
se na vida o amor for só rumores.

Agora, sim, amor,
nada mais nos restará!
 
O homem

Carinhos

 
Hei de me perder em teus instantes
Quando a noite vestir-se de carinhos
Desnudar-nos em beijos de amantes
Guiar-me ávido pelos teus caminhos

Hei de sorver teu corpo em desalinho
Na madrugada nua e clara da aurora
Beijar tua flor lentamente, gostosinho
Bebendo o teu gosto ébrio que aflora

Na minha boca tu bebes o teu sabor
No beijo que eu te trago ternamente
Nossos corpos ainda falam de amor
Enquanto o dia nos espia docemente
 
Carinhos

Depois da chuva

 
Depois da chuva a tarde se fez dourada
O sol debruando em vermelhos o vento que passa
E canta
Canta a canção
E entoa os versos candentes da ausência
Suspeitando do sentido da vida pouca
Da pouca vida
Dos parcos passos miúdos e urgentes
Cantam os pássaros outras razões
São melodia e compasso da tarde que se farta
De cores e sons e incandescentes vermelhos
A tarde flana na quietude dos jardins
E na presciência das flores nos jardins
Está tudo tão quieto...
Tudo tão longe
Este silêncio sem voz
Estes segredos agonizantes no ar
Esta pele perfumando a vida em volta
Esta esfinge que me inquiri incansavelmente
Estes caminhos remotos
Onde já não me sei
Quando já não me sou
Fecho meus olhos cansados de não ver
E sinto o ar difuso no labirinto das perguntas sem respostas
Respostas que não há ou, se houver,
São grades e colunas a sustentarem
As prisões erguidas sobre os campos de crenças e ilusões
Nada existe independente da sombra e da luz
Tudo é sonho e engano fora do Amor
Mara é o sonho vígil
De onde só há uma porta para a fuga
Arde no horizonte o sol poente e o enigma de todos os dias
Minhas mãos fugidiças
E úmidas da mais plena solidão
Selam os lábios à memória dos olhos negros
Que desde cedo me fitam
Que desde sempre me têm
Olhos que o amor primeiro pôs no barquinho de papel
Rumo à ilha que emerge nos pingos da chuva
Rumo às sombras abandonadas de uma vida pouca
Sentimentos poucos
Muitos medos
A ilusão que baste
Mas há a renitente expressão do amor
Ou do que fizeram dele
Há a indelével sombra do mar
A sombra do mar é o que as palavras não são
Sinto saudades do cheiro do mar
Da maresia
O intangível mar desenhando agonias na areia
Ouço o mar esbatendo os vermelhos da tarde
Ouço aqui, sozinho, a canção da tarde calma
A tarde é o momento cravado no vazio de um tempo ignoto
É pouca para o destino que os dias roubam ao eco dos caminhos
E é pouca a tarde para tanto amor
É pouca a tarde para o carinho
É pouca a tarde
Vaga e alheia
Escondida entre palavras distantes e dissimuladas
Encoberta pelo véu da indiferença
Onde o que eu sou é quase nada
Não fosse esta rosa branca no jardim
(Que só existe e floresce dentro de mim)
 
Depois da chuva

Tempo

 
Ah! este Tempo etéreo e hierático a me impor lembranças e propor destinos.

Este Tempo agonia que me alheia a voz quando estou sozinho.

Um Tempo de palavras roucas... loucas... a dizer-me coisas com as quais eu não atino.

O Tempo afoito, nau sem vela e sem razão, que conduz, por entre nevoeiros, o meu coração.

Intuo este Tempo, máscara da mentira, que julgo passar por mim quando sou eu quem passa por ele.

Soa, ao longe, este Tempo de renúncia e de exílio em cujo pórtico ouve-se o diáfano prelúdio da tua ausência

Freme este Tempo de silêncio que engenha sombras no canto que embala a minha própria dor.

Cerram-se os olhos do Tempo que nas noites choram a minha solidão.

Fito este Tempo que em cada manhã me sugere, imarcescível, uma nova possibilidade para ser feliz.

Ah! o Tempo... este instante precário e denso, cativo e límpido, onde a alma flamejante engendra o engano de existir.
 
Tempo

Primeiro beijo

 
Na primeira vez que te beijei
O amor era longe e o sonho imenso
Aos teus lábios o meu amor eu sussurrei
Aos meus lábios tu dissestes amor intenso
E ao brilho da manhã de um céu despido
A luz nos espiava pelas frestas
De um fevereiro enternecido
 
Primeiro beijo

Adeus

 
Entre as palavras não ditas
Há muitas flores formosas
Há orquídeas, lírios e rosas
Há flores que nem acreditas

Entre o silêncio que esquece
De dizer as palavras inteiras
Há vozes, sutis brincadeiras
Que a tua razão desconhece

Entre o sentimento que fica
Como se fosse a lua e o sol
Como a tarde lilás do arrebol
Há o tempo etéreo que purifica

Entre as minhas mãos e as tuas
Ficaram a emoção e o carinho
Que mesmo eu estando sozinho
Há o calor das lembranças suas

Entre os meus lábios e os teus
Há a dor da palavra que chora
Que foi dita quando fui embora
A interminável palavra do adeus
 
Adeus

Espero

 
Espero as palavras que não chegam.

Espero o passado que caminha, irresoluto, cada vez para mais longe.

Espero a Alma infrangível que não vem e que encobre a voz tergiversável do que sinto.

Espero o silêncio cego que vem dizendo, murmurante, velhas histórias, enredados medos.

Aguardo, no tilintar dos pequeninos passos do tempo, o instante em que o amor repousasse as suas lágrimas tenras nos olhos inquietos da saudade.

Aguardo, atento aos sons que o ar evoca, o dissipar desta angústia que me perpassa lenta e longamente.

Espero a vida e seus caminhos sós e seus sonhos sincréticos a desvelarem a ternura dispersa no tempo.

Enquanto espero olho o momento que estremece.

Soa ao longe o pulsar constante e arrítmico da vida.

Ecoa nos meus lábios contritos o segredo nostálgico do teu nome.

Chove...

A chuva cai sarapintando de gotas fosforescentes a face dócil da noite.

Flores ondulam levemente ao remanso que a chuva inventa.

Espero...

Espero as palavras que não vazam.

As palavras que não irrompem.

As palavras cálidas e ternas que se esconderiam em algum lugar de ti.

Espero as palavras intrínsecas que diriam: "vem!!! ...eu também te amo".
 
Espero

Hoje

 
Hoje já não queimam as
noites em seus fogos
cor de sangue. O fogo
fez-se mar intenso,
vaga sem fim.

Hoje a madrugada é precipício
a acolher rios de sonhos
que se precipitam como
chuvas molhando a lágrima
entornada, a lágrima amarga e perdida

Hoje não te tenho mais,
não sinto mais meus lábios a viver
nos teus. Não beijo teus olhos,
não sinto teu corpo, só há o teu
perfume entre os meus braços

Hoje já não digo amor
O amor ficou cingido
ao passado nos silêncios
que ficaram junto a ti,
ao teu lado.

Hoje o silêncio tonitruante
das palavras não ditas
é o grão de pólen que
perpassa as pétalas das dores
a germinar no infindo adeus

Hoje, sonhos desfeitos,
vida sem gosto,
minha alma galga colinas
buscando em outros trejeitos
As linhas meigas do teu meigo rosto

J L Silva
 
Hoje

Também

 
Também deste poema se morre
letra após letra
o som inteiro e intenso da palavra
que cria rios e desertos e miragens
grises como o meio da noite
onde o poema descreve arabescos
e o agora dissolve os segundos
na farsa do tempo que é morte

Também destas horas se fartam
o incandescente amargor coleante
da areia escorrendo amarela
como um rio ruminante
entre o passado soturno
e o futuro incognoscível
que nos mantêm de joelhos
há 512 anos

Também nas madrugadas se chora
o choro longo ou breve
como chora o rio fora do seu leito
um choro que se pensa infindo
que se chora até se adormecer
no engano
e na absorta cachaça do sono
onde dormem os olhos incompreendidos
da infância
que nem você conseguiu consolar
trazendo a flor ébria e a cinza neblina
que se esvaneceu deixando
a primeira palavra do poema
sem resposta

Também se vive a contemplar o mundo
constrangido
náufrago
anacoreta
a estacar diante das reticências da vida
a mergulhar no espesso lamento da dor
das guerras profetizadas nos gabinetes
incesto e morte
e o desespero natimorto da platéia
diante da face do medo
diante do cansaço da espera exilada
e da ausência de perguntas
enredadas na vontade empoeirada
de quem, sequer, vê o muro

Também de fome se vive
de sonâmbulas bocas esquecidas
esperando o pão nosso de cada dia
ardendo em febres
e esperanças forretas
Pai,
perdoai a nossa inércia
assim como nós perdoamos
a quem nos tem debicado
não deixeis cair o parco pão
no chão conspurcado
pela nossa apatia
e pela nossa "candura"
livrai-nos dos néscios
e da submissão

Amém
 
Também

Versos insones

 
Um tempo infindo trouxe você pra mim
Um tempo sem hora, sem dia, sem mês
Um tempo onde só havia o soar
Longo do vento na noite imensurável
Dizendo ao meu coração teus sonhos
Lançando fora os véus que o encobriam
E onde o amor se perdera em fugas
Esquecendo a ternura do beijo alvo da alma
Disse a ti as palavras que em mim morriam
Disse do meu medo e da minha dor
Falei da noite que me esconde
A noite onde o meu ser se dissolve
Em rotas de um labirinto inescrutável
Pousastes a mão sobre os meus lábios
Para que o silencio deles não partisse
Para que o gesto pudesse se expressar
E na palavra contida nos teus gestos
Ouvi o bem dizer da ilusão do alento
Onde tuas mãos bebendo do meu corpo
Sussurravam os versos insones que te fiz
Na esteira das luzes que apagaram a madrugada
 
Versos insones

Distância

 
Porque dizer desta distância
Se a distância é só saudade
Se há entre nós tantos céus
E tantos rios e tantos mares
Se a saudade da qual falo
É a mesma em todos os lugares
É a mesma que espera ali adiante
Fazendo do longe o mais distante
Apertando o passo pelo mundo afora
Encobrindo as noites como um véu escuro
Fazendo do hoje um tempo antigo
E do passado um tempo que não vai embora
 
Distância

Momentos

 
Há momentos em que sentir
é como a ausência do postigo
por onde poderia, se houvesse,
infiltrar-se a voz melíflua do poema
É como a carência das manhãs transcedentes
e o constante perfume do orvalho no ar
É como a garrafa lançada ao mar viajando
sob estrelas que por sua vez viajam o éter
trazendo mensagens (poemas?) do inicio das eras
É como a solidão que se instala transbordando
tudo que eu ainda não disse/não fiz
É como o som das insidiosas máquinas de guerra
que ca(n)tam as velhas canções
e reverberam a cantilena de velhos discursos
É como o choro silencioso,
sem gesto,
sem destino,
sem começo
e sem fim
É como um labirinto
infinito
onde a esperança repousa ingente
É como a inelutável noite
que envolve e acorda vendavais
e a chuva cai
parando o tempo,
revirando passados
reverberando ao som do vento nas telhas
E, afinal, que querem as lembranças?
Querem um convívio forçado
estes sentimentos que tombam e vibram
Não sei conviver
Há sempre razões definitivas,
certezas indubitáveis
e a noite que cessa
em todas as janelas
onde a parca luz amarelada
agoniza junto com a minha emoção
Onde as imagens se evolam
e o tempo é um truque de um mágico
que transforma a eternidade
nestes fugidios instantes
Às vezes instantes longos,
páginas em branco,
às vezes cheios de emoção,
umedecidos de suspiros
que o tempo folheia impunimente
A poeisa estremece o singular
mistério da noite
e dá ao meu sentimento
este invisível caminho
e esta inefável possiblidade
de anotar e rabiscar
até perder a razão
e colher das flores as cores
e o perfume inocente
de um verso que chora
ou que ri comigo
de uma realidade que só existe nele,
no verso
Eu o olho e o ouço como
um menino me olha e me ouve...
como se me conhecesse
há muito tempo...
Um tempo em que só havia poesia
no acaso inseguro das manhãs,
na tarde que me visita
e me espera nos jardins
onde flores de papel sorvem
as palavras que dizem da brisa
crispando as águas do rio,
bebendo as pequenas ondas
que desaparecem na areia
Houve um tempo em que tudo era poesia,
madrigais, odes, elegias
Versos inconsúteis
escritos à cinzas
nas páginas da distância
e dos momentos onde sentir
é o escorrer da chuva
no silêncio dissoluto do espinho
da rosa que não há
e o perfume da rosa, esbatido pelo vento,
ondula em teus cabelos onde dorme a noite
O vento argumenta sua quase tristeza,
arremete, debalde, as naus contra os portos,
acorda meus velhos sonhos sonolentos
e empresta-lhes a face de uma lua cheia
de um dezembro que ainda não veio
Há momentos em que sentir
é só como estes sentimentos cativos
e estes caminhos cobertos por folhas secas
caídas com o vento e com as chuvas
nas madrugadas onde me esqueci
e me esquecendo
o tempo, possesso,
me resgata deste teatro
e da contumaz mentira
que transforma o meu hoje
em um ontem irrefreável
acumulando-se aurora após aurora
ansiando por ser poesia e liberdade
Nestes momentos em que sentir
é como o menino jogando as cinco pedrinhas
na praça deserta
antes de decidir morrer
Quando eu me for qual flor brotará?
Branca, vermelha, amarela, lilás, azul...?
Que importa?
As flores brotarão e levarão
o pânico da minha noite
e atearão fogo à minha suposta "poesia"
incorrigível e alquebrada
sentindo o que não sente
virando o mundo às avessas
antes que a aurora refreie
a voz do poeta
e este, então, adormeça
 
Momentos

Maio

 
Por que maio?
e não outro mês qualquer
Talvez porque em maio
as manhãs acordavam entre
neblinas e a graça do teu
sorriso inocente
Talvez porque em maio
você enlaçava o meu pescoço
e me dava beijinhos de
esquimó
tão frios nossos narizes
tão linda a tua maneira
de se deixar existir
Sorrias quando eu dizia que
a poesia é como jardins
e que as palavras florescem
nestes segredos suspensos
em nuvens vermelhas
em ramos de vento
em flores de luas
O ano?
O ano não importa
Infindável é o tempo
e a chama que o consome
Importante mesmo
era que fosse maio
e que o beijo
me atordoando
em ofegantes salivas
dissolvesse-me, menino
O beijo pousado no teu colo
no teu ventre
Nas nossas mãos enlaçadas
nos nossos olhos fechados
faziamos o dia conforme
a nossa magia de lentos segundos
o tempo parado em cada fibra
em cada toque flamante
E o amor era maio
e de dentro da bruma
de um mar que não tinhamos
vinham teus olhos
de menina
tua boca miúda
os dedos sobre os lábios
entoando o silêncio repentino
os segredos ainda úmidos
zonzos
Meu corpo o mesmo que o teu
lenta poesia a desnudar-nos
nos teus limites da bruma
nos teus calores de sóis
nos teus olhos de noite
casualmente sem lua
Em maio inclinavam-se os dias
que traziam você e as tardes
de incandescentes ternuras
traziam o teu carinho
e risos de era uma vez
traziam a canção de amor
tocando no rádio
e a flor ressumando no jardim
e brincos de princesa
e lírios florescendo no
horizonte
entre mar e terra
para o meu instante
de bardo
para os meus versos
imaturos
Vinham os versos
com o silêncio
que teus dedos
em mim compunham
sublimes
inquietantes
inefáveis sonhos
a brincar com nossos dias
com nossos maios
a brincar com amanheceres
que ficaram em mim
como a estrela esquecida
ficou no céu da nossa manhã
rondó decifrando a lua
e a tua ausência despida
ante os meus versos noturnos
ante o preto e o branco da vida
Eu ainda posso ver
teus olhos negros
indeléveis
me sorrindo
desde as rendas diáfanas da neblina
dissolvendo-se, assim,
na sede da aurora
e dos primeiros raios de sol
Com a última estrela da manhã
eu sinto que o tempo passou,
incerto
molhando com o teu nome
este passado onde me escondi
Pingo...
para mim serás sempre Pingo
Pingo d'água
da onde sorvi da tua boca
a gota da minha
primeira lágrima de amor
e de inauditos maios
que hoje me trazem os ventos
entre cantigas e poesias
entre pétreas solidões
desvelando esta saudade
e este silêncio
com os quais recito o teu nome
reescrito no lago dos meus sonhos
e nas poesias que não te fiz
e que adormecem nos meus dias
e que derramam nas noites
lembranças dentro de mim
 
Maio