LUA NOVA
No quarto onde improvisei a noite, senti-te entrar, com passos de silêncio e respiração cautelosa. O meu coração pareceu querer subir-me à boca, mas segurei-o, com um engolir em seco, e, instintivamente, encostei-me à parede fria, no canto mais afastado da porta.
[e agora? quem, como... será o homem que eu estou prestes a descobrir com o delírio dos meus dedos e a emoção da cegueira...?]
Tacteaste, no escuro, e alcançaste-me. Não disseste nada, mas senti a tua voz percorrer-te o corpo em silêncio e manifestar-se quente, macia, no toque da tua mão - "vem, não tenhas medo...", diziam-me a tua pele cautelosa, os teus gestos lentos. E a tua respiração, já perto, tentava sincronizar as modulações da minha, como que a fazer-se inaudível e menos intimidante.
["...como seria bom, dar um passo em frente, e descobrir o outro de olhos fechados", disseras-me. E eu aqui, agora, de olhos sem ver,
sem saber se acredito ou não: os meus sentidos estão desabituados deste alerta absoluto... os meus olhos viciados da luz, sofrem, com a sua privação...]
Seguraste as minhas mãos frias, com as tuas, aumentado gradualmente o aperto. Depois, quando as sentiste quentes, aninhaste-as numa das tuas, e, com a outra, estudaste-lhes todas as linhas, todos os montes, nas palmas; todas as veias, todos os relevos, nas costas.
[confesso que me senti mais calma. De repente lembrei-me da maturidade e sabedoria das tuas palavras. Da doçura, da convicção. Da honestidade que eu lhes via, sem a incerteza do olhar. E de outro significado, para "descobrir o outro de olhos fechados" - confiar, confiar cegamente.]
Continuei quieta, não ousando retirar as mãos, ou dar-lhes vontade própria - não saberia que fazer delas, ainda, nem do corpo, nem dos pensamentos, que se atropelavam com estímulos de tempo, espaço e dimensão.
[estou noutra dimensão... sinto vertigens, como quando algo inquietante me apanha de surpresa, ou quando tenho aquela sensação estranha de já ter vivido esse momento...]
Ele levou-me as mãos à sua boca, e beijou-mas meigamente, ainda em silêncio. Percorreu-me com elas o seu rosto, e eu, de repente, dei-lhes liberdade, soltei-as, como a duas andorinhas que acabaram de aprender a voar - tacteei-lhe os lábios, o queixo, passei, ao de leve, nas maçãs do rosto, subi-lhe aos olhos, acetinei-lhe as pestanas, desenhei-lhe as sobrancelhas, penetrei-lhe os cabelos com os meus dedos...
[um belo rosto, de um homem maduro, bem cuidado... a pele vincada pelo tempo, mas macia. O cabelo, a permitir espaço a uma calvície moderada, sedoso e curto - até aqui, quase como imaginei...]
Enquanto lhe explorava o rosto, ele deu um passo em frente, descendo-me as mãos pelos braços, antebraços, sempre muito lenta e delicadamente, parecendo "examinar-me" cada milímetro. Rodeou-me os ombros, desceu às axilas, continuou pelos perfis laterais do tórax e parou-me na cintura, cingindo-a.
(nunca soube que o meu coração pode ser tão barulhento! é tão perturbador, esse som intruso, quase me tira a concentração... e eu, ah, quero concentrar-me, agora!)
Puxou-me para si, devagarinho e abandonou-se ao meu toque, mantendo-me presa pela cintura. Senti-lhe todo o seu corpo e as minhas mãos souberam exactamente, estranhamente o que fazer a seguir: desceram pela sua nuca, acariciaram as suas costas e repousaram um momento no seu peito. Estremeci, sentindo os pelos que a camisa, semi-aberta, libertava...
[uma coisa (mais) a agradecer à escuridão: a impossibilidade de ele ver o vermelho vivo das minhas faces... mas suponho que até isso, ele consegue ver, sentindo - eu própria, estou a aprender a ter essa capacidade: aposto que ele sorriu, neste momento...]
Todo o meu corpo estava atento, agora. Todo o meu corpo me enviava estímulos e a percepção por contacto ia-me revelando sensações jamais experimentadas. Senti-lhe o ligeiro tremor das mãos e tremi, o cerrar dos olhos e sorri, o arrepio no peito e senti, o calor do desejo e estremeci...
(tem um corpo forte e másculo, ligeiramente mais alto que eu... e já nem sei como consigo "ver" isso, a carga dos sentido é forte demais, receio que me esteja a provocar um "black-out" total... receio deixar de pensar... receio...)
Eu deixei escapar um ligeiro gemido, quando ele me tocou os seios, numa carícia de reconhecimento, quase seda, quase veneração, toda procura... Com o seu rosto, tocou o meu, e os seus lábios, quentes e ávidos, delinearam-me todos os contornos, perceberam-me cada semicerrar de olhos, sentiram-me cada afoguear de pele. Sorriu e apanhou-me a boca com a sua, num beijo que deixei aprofundar até misturarmos respirações e suores.
[...]
Depois, finalmente, falou: "Acho que já nos conhecemos... queres reconhecer-me...?". A voz rouca dele atropelou-me um "sim" na garganta, mas não fez mal, os meus dedos deram-lhe a resposta...