Merda por todo o lado
Já nem a água do rio lava a merda desta cidade
Já nem a água do rio lava a merda deste país.
Viremo-nos então para o mar...
Mas esse também já cheio da nossa merda
(não desaguasse lá a água do rio)
Já nem água para a merda nos lavar tem.
Abra-se então a merda de um buraco na terra
Para que lá a merda devidamente se enterre...
Mas já tanta merda há debaixo da terra
Que já lá não cabe merda nenhuma.
Merda!!! E agora?
Exportemos, então, a merda que por cá se faz...
Mas já tanta merda há no estrangeiro
Que já não precisam desta merda para nada.
Que fazer então a tanta merda que por aqui há?
Nada senão no meio dela viver...
É uma merda não é?
Eclipse
De tempos a tempos o extraordinário acontece
O calor encontra o frio,
A luz encontra a escuridão,
A vida encontra a morte...
Dá-se o eclipse!
Caem do céu anjos, castigo dos seus pecados,
Chove do céu fogo matando milhares,
Tremores de terra abalam os solos,
A peste volta a atacar...
E dá-se o eclipse!
É o juizo final!
E tudo acaba, recomessando.
Esse dia está próximo, próximo até demais.
A ânsia do eclipse já se cheira.
Os corpos já tremem de antevisão.
Tudo ilusão!
Grande ilusão!
O frio já não pode encontar o calor,
A escuridão a luz; a morte a vida,
A lua o sol.
Já não há eclipse!
O mundo chora...
(in)dentidade
Quem és? Como te chamas?
Depende do sítio onde perguntas...
Como te chamas aqui?
Depende de onde é aqui...
Que tipos de nomes costumas ter?
Conjugações das dez letras...
Dez? Mas não eram 27?
Não...
Diz-me um dos teus nomes.
Completo?
Sim, pode ser...
Não posso!
Porquê?
Porque o infinito está contido no finito?
Mas o teu nome é infinito?
Nomes...
Sim, nomes, são infinitos?
O infinito está contodo no finito...
Então como te vou chamar?
Como quiseres, tenho tantos nomes que já não faz diferença!
Ser eu
Nem silvestre nem de morte
Nem horizonte nem pesar
Sou só todo e a parte
Noite e dia de luar.
Qual silvestre, citadino
Qual problema de lugar.
Poeta
Um poeta não mente no que escreve!
A tinta é o sangue que lhe corre na alma...
E cada poema que a sua mão chora
É como um contrato vitalício com a morte!
Um poeta só sente o que escreve!
Pois, só então, se funde consigo mesmo...
E só escrevendo a dor recordada o atinge
Onde a dor sentida apenas o afagou!
Um poeta não passa de um encompreendido!
Pois nem a si msmo conseguiu entender...
Mas é graças a essa falha monumental
Que se torna o maior génio de todos os tempos!
Milagres Campestres
Eu acredito em milagre não?
Quem não acredita?
Os milagres rodeiam-nos
Quais abutres à volta da carcaça esventrada,
Semi-degustada e já (é rápido!!) defecada.
Houve um milagre, muito falado sim, dos pães
Eu acredito, no dos cães...
Não entenderam? Não? Eu explico, é para isso que cá estou...
Eu acredito no milagre dos cães, pastores é claro,
Prova irrefutável da geração expontânia
É só juntar um carro de bosta a um atestado de incompetência
e é vê-los surgirem, expontaneamente, pois claro, cães pastores,
Sim daqueles que guiam as ovelhas até ao pasto
E as protegem dos demais que lhes querem deitar o dente.
E as pobres criaturas pastam e conversam: méé, méé, méé...
Antes zurrassem, seria mais adequado com certeza
Mas isso sim seria um milagre digno de se ver...
Não ovelhas a zurrar mas sim a admitir o burras que são.
De quando em vez as ovelhas fazem uma rebelião
"viva o vigésimo quinto dia do quarto mês!!!
Viva a liberdade, viva a areia que aos olhos nos atiram
Somos tão felizes!! méé, méé, méé..."
Hihóóó
Novos cães, mesmo pasto, mesmas ovelhas...
É este o prado que por cá temos!
E agora já acreditam em milagres? Não?
E ainda dizem que deus (sim em minuscula) é Brazileiro
Há, Há, Há, méé, méé, méé, Há, Há
se é verdade o "danado", o "curnudo", o senhor dos mil nomes
É de cá e há muito que se diverte com esta quinta.
Viagem
Corre sem fim o rio atrós
Para tras não podes voltar
Dá a moeda ao velejador
E ele ao sítio te levaá.
Caem do céu os negros anjos
Prontinhos para te destruir
O corpo, a alma e o que mais
Nas suas mentes lhes surgir.
Oh! Mão atrós que te estrangula
E te arrasta para o demo
Prazer incessante, infecundo
Não te deixa nem mais um segundo
É o fim, o fim eterno!
Início/Fim
Entre mares e marés
Entre luas e luares
Segue o desespero de mãos dadas
Por entre ruas calejadas
Contigo a seus pés.
Num compasso bem ritmado
A procissão assim caminha
Luz e noite e pouco mais
E a sombra dos olivais
E o cantar de uma andorinha.
E o dia, noite fica
Sem ninguém por isso dar
Entre choros e lamúrias
Entre risos e penúrias
Tudo o que começa tem que acabar.
O Zé
O Zé é um individuo chato e burro
Inculto até dizer chega,
Mas ainda assim é orgulhoso.
Orgulhoso do que os seus avós fizeram
Que mais não foi que descobrir um filão de ouro.
dois na verdade: um de raios de sol cristalizados,
e condimentos reservados aos deuses;
outro de ouro negro, daquele que tem dois braços e duas pernas,
pelo menos a quando da extracção.
E é disto que p Zé se orgulha.
Destes filões dos seus avós sobra... a memória.
Graças ao divino/a (comédia) que já lhos tirou.
mas o peito do Zé é um balão cheio, tão cheio...
Mas não há ninguém que lhe dê uma alfinetada?
Enfim, divagações, voltemos ao Zé.
O Zé é megalómano e desmedido
Prefere andar esfarrapado e esfomeado
Para ter um bom carro e um com mecanismo portátil de conversação à distância
e ainda não viu que é isso que faz rir o seu vizinho.
Mas o Zé é que sabe... Palavra do Zé é suspiro do divino/a (comédia)
Ai Zé! Onde é que vais tu parar?
Á sarjeta?
Não! Isso seria demasiada ironia...
Ir agora um homem parar onde sempre viveu
Ir parar á sarjeta quando foi dela que (nunca) saiu
É castigo demasiado severo.
deixemos o Zé com o seu inabalável orgulho.
nós que sabemos a verdade, faremoscomo os demais
rir, simplesmente.
As Cordas
Cinco cordas me prendem ao chão
E não me deixam nem mexer.
A corda da solidão prende-me os sentidos
ao mesmo tempo que me enforca o coração.
A corda do sofrimento
Que me comprime todas as terminações nervosas
Causando dores avassaladoras.
A corda da mudez que me impede de gritar ou pedir ajuda
Ajudando assim ambas as anteriores.
A corda da lucidez que me impede de me alhear de tudo
logo seguido da corda da mente
que me cria vãs ilusões que logo são retiradas
para minha total infelicidade.
Mas a corda que me devia segurar
Essa, qual ironia, nem de mim se aproxima
embora por vezes pareça que sim,
fugindo logo de imediato
com um sadismo tal que deixa o próprio sadismo a um canto.
A corda a que me refiro é a corda da morte,
aquela que sempre desejei que se aposse de mim,
aquela que me trará a felicidade.
Mas em vão espero e enquanto espero sou amarrado