Ô menina
Uma menina me disse que estava chorando
Sangrando pelos olhos que insistiam em escorrer
Trancada num quarto
isolada, sem ninguém para lhe acolher
Mais uma vez se deparava com as durezas da vida...
- Como todos o fazem -
A vida era difícil para ela...
- E o era para todos -
Mas ela se sentia só...
- Como todos se sentem -
A menina blindava o que sentia,
vestindo um sorriso público
e um choro íntimo
Encenamos para a plateia uma cena afável
E por trás das cortinas,
nos reduzimos à isolada companhia de nós mesmos
A única dor sentida é a que dói na própria pele
- E hoje a pele dela doeu mais do que o de costume -
Não havia espaço para dizer como se sentia
- A menina não conseguia falar -
Nem para ouvir o que por alguém é sentido
- E não conseguiam escutar -
O tempo passou e a hora chegou
Ter de dar o “adeus” que suplicava “fique”
Estava sozinha mais uma vez
- como todos o estão -
Lado a lado, bilhões de pessoas no mundo
e você está solitária
Eu também estou,
sete bilhões estão
A companhia de se estar só é tudo o que se tem
Por mais que se prenda na vida
As coisas vem, ficam
o tempo passa
e elas vão
Assim como a tristeza,
que bate na porta e diz olá
Você faz sala por um tempo,
mas logo ela tem de ir embora
Não se preocupe, menina
Pois logo ela achará outra pessoa para visitar
E assim como, talvez, a tristeza um dia retorne
O que hoje partiu,
amanhã pode voltar
Alô, alguém na escuta?
Cavando bem fundo,
só assim consigo suportar esse mundo
Cavando até o fim do poço
Já cansei de insistir,
não vou mais fazer esforço
Movendo-me na inércia,
aos poucos vou me enterrando
Fico estagnado e sem pressa
E o pior é que até estou gostando
Não tenho expectativas nem planos,
só pertenço ao mundo e vejo o tempo passando
A cada pá de terra que jogo sobre mim
Mais duas são jogadas,
por quem prefere a vida como está
E nem mesmo para pra se questionar
O mundo se move muito depressa,
e essa loucura toda não me interessa
Não quero mais me levantar,
prefiro ficar aqui no poço e descansar
Eu estou cavando,
e o meu peito segue sangrando
Pela falta de cor que há no mundo
Pela rotina desenhada em preto e cinza
Estou tão cansado desse marasmo,
que agora tanto faz
Cada um por si,
não tem problema, fico pra trás
Alô, alô, alguém me escuta?
O grito de socorro sai de uma voz muda
Que cansou de tentar,
e talvez não queira nem mesmo ajuda
Tem alguém do outro lado?
Se tiver, não venha pra cá,
vai ficar decepcionado
A cada minuto de paz, por aqui
Você recebe mais dois de agonia
Essa é a vida, menino
Aproveite e sorria
As coisas não param, nem vão parar
Depois de um problema,
há sempre mais dois para sanar
É melhor viver em anestesia,
nem pensando na loucura que é esse dia a dia
Cada um, em si, é um mundo inteiro
Que vive encarcerado pela rotina e o emprego
Mas eu não consigo me acostumar,
são muitas expectativas para corresponder
Ninguém me perguntou se é assim que eu quero viver
A ternura que há no mundo
Hoje se embrutece para receber o salário
Deixou de lado a beleza das coisas,
para ser um bom funcionário
Enquanto todos seguem o fluxo
Sinto vontade de ir para o lado contrário
Não quero ser mais um ser humano no automático
Movendo-se sem saber o itinerário
A vida ávida
Quando a dúvida fala,
o tempo passa e a chama se esvai
Mecanizada por um viver rotinizado e desbotado em sépia
Um dia ensolarado me mostra que a vida vale a pena
Algumas vidas talvez não valham
Mas a vida vale
E aquelas que não valem
Podem valer...
A sua vale?
O dia ensolarado está aí, você está nele?