Poemas, frases e mensagens de Norberto Lopes

Seleção dos poemas, frases e mensagens mais populares de Norberto Lopes

o teu mar

 
Mar adentro mar adentro
Adoro o teu «mar adentro»
de marés-vivas, que eu vi...
porque nesse mar adentro,
há mar a bramir por dentro
de outro mar, dentro de ti.
 
o teu mar

SILÊNCIOS

 
SILÊNCIOS
 
Quando no olhar da gente, a gente sente
que vislumbra a eternidade num segundo
é que a gente se dá conta, de repente,
dos assombrosos silêncios deste mundo

E quando, no silêncio, um som estridente
e atroz, que tergiversa sim o não rotundo,
Melhor fora que desejasse estar ausente,
ou num buraco negro, bem profundo.

Fora só a voz da pele, a que pressente
que o instante é um ventre infindo e fundo...!
Fora só sereno e longo, e toda a gente

calaria a voz própria, pois mais fecundo
é o pulsar mudo do grito, na mão-semente
que o rasgar fácil da terra, no roubo imundo.

Sterea/sfich
 
SILÊNCIOS

Cai o Carmo e aTrindade

 
Pergunto ao povo que passa
como passa o meu país...
Passa triste e quando passa
passa calando a desgraça
e Alegre, nada me diz

De voz grave e colocada
passa em revista o país
Não percebi quase nada!...
E a vós, o que é que ele diz?

- Cai o Carmo, a Trindade,
o cravo e a baioneta;
Já caiu a liberdade
por não haver igualdade
no socialismo da treta -

Mas há sempre uma luzinha
no túnel (quanto a mim)
e uma esperança teimosinha
e nem sequer levezinha...
Há sempre alguém que diz sim

sfich
 
Cai o Carmo e aTrindade

«amiga maior que o pensamento»

 
No espaço, na interferência
infinitamente fraquinha,
sinto a minha consciência;
que apenas sei que ela é minha
se mexe nos corações...
Mas digo-o com alegria
porque sei quem a elegia
a melhor das dimensões!...
 
«amiga maior que o pensamento»

Deslumbre

 
Deslumbro-me num acorde em cada dia,
como se soubesse o deslumbre da loucura;
E quando o próprio verso me procura,
vem em tons matizados de alegria.

Mas logo, em seguida, água fria;
debalde procurado; e, em tortura,
ouvir a negação, com voz segura,
em vez d'afirmação que pretendia.

E sigo, como quem escolhe o mal menor,
na cumplicidade musical dos meus ouvidos
ensaiando harpejos em Mi(m) bemol maior

Num suave tom de beijos sustenidos;
No tanger da alma, o som do ardor,
como se me pisasse nos sentidos...
 
Deslumbre

DIZER À PESSO(A)INHA

 
DIZER À PESSO(A)INHA
 
É no acto de te ler,
que sinto quanto me falta
se te quisesse escrever!...

Pois quando a gente lê
quem escreve
o que fica entre a alma de quem sente
e o sentido de quem lê,
é que vê, claramente,
pelo bater do coração,
qual é a gente que sente...
Quem é profundo ou quem não.

E, assim, é evidente,
a gente vê quem é gente
pelo bater do coração!
 
DIZER À PESSO(A)INHA

EQUINÓCIO

 
EQUINÓCIO
 
Por me saber imperfeito,
trato de me preservar;
Contrário à Natureza,
na missão de sublimar.
Rebelo-me de tal jeito
na arte de respirar,
que até no ar rarefeito,
nunca sinto falta de ar...
Fascina-me a subtileza
na arte de respirar!...
 
EQUINÓCIO

mediania

 
Eu não sou aristocrata;
também não sou plebeu;
trato bem quem me bem trata
e nunca fui mais do que eu.

Dizem que tenho na voz,
um travo que tem nobreza;
Mas, aqui só entre nós,
não tenho tanta certeza

Mesmo assim, se me envaideço,
o que de resto me espanta!
penso nisso e reconheço,
que afinal, é só garganta...

Pois este travo consiste
num ar sério, que me faz sentir
pessoa que sabe sorrir,
sem ser alegre nem triste

Post Scriptum: Estava escrito e aconteceu; «perdi-me num poema que ninguém leu»
 
mediania

Sozinha

 
Sozinha
 
Única por ser diferente
porque tem constantemente
no seu olhar sedutor
aquele brilho irreverente
que ela julga independente
mas que depende do amor
e no sorriso o esplendor
que sai assim de repente,
e às vezes num mar de gente,
para sublimar amargor...
E aí, provàvelmente
por se pressentir sozinha,
sente no ar um clamor
numa espécie de torpor
do amor que se adivinha...
 
Sozinha

Espaço-Tempo

 
Predicados meus para quem os lê
Como convém em dois segundos
Lá porque não gosto de gerúndios
Imperfeitos não é coisa que se dê

Imperativo oferecer a toda a hora
Presentes pró futuro por que não
Se o pretérito esquece ou se ignora
Infinito é espaço-tempo e condição

Aqui se insinua uma síncope fingida
Ali vem a hipérbole sempre exagerada
Ocupando lugar da síntese prometida

Naquela frase quase toda rasurada
Pontuação p'ra quê se a coisa lida
Se esfumou na semântica ignorada
 
Espaço-Tempo

A POETA

 
Poeta é aquela que entende
uma história por contar;
E vê na coisa acabada,
mil coisas a começar.

Constrói o mundo, de nada
quando se quer entregar.
Poeta é aquela que rende
tributo à causa perdida;

É outro sonho, outra vida;
É outra forma de estar.
E nem sequer se arrepende
do espanto que anda a causar!
 
A POETA

almanua

 
almanua
 
.Primeiro lhe quis não querendo
depois amei sem saber...
Vou fingindo, porque entendo
esse amor que não desvendo;
Mas que lhe quero a valer!...
 
almanua

CORTE EM BISEL

 
Se escrevo me sinto mal;
se não escrevo, impaciente;
falta-me um ponto final
naquela história ancestral,
que me tornou reticente...
 
CORTE EM BISEL

fragmentos de Pessoa

 
A gente lê Pessoa
e pensa em descrevê-lo:
pegar na meada e no novelo
e, se não encontra pontas, retorcê-lo;
ousar até pensar esquecê-lo
ou desfazê-lo em pedaços por Lisboa…
mas não resulta coisa boa
por se tratar de Pessoa.
A gente, por ser pessoa,
nunca pensa em como sê-lo,
julga sempre percebê-lo,
por papel, destino e selo:
mas quer eu, tu ou Pessoa,
quer no Porto ou em Lisboa...
somos só
as pontinhas do novelo.
tripeiras e alfacinhas
bem atadinhas com zelo
vai de juntar as pontinhas
para enredar mais o novelo

Sterea/Sfich
 
fragmentos de Pessoa

Rio Douro

 
À FLOR DAS ÁGUAS


Já fui rabelo sem leme
nas águas à flor do Tejo,
agora nau que não teme
o naufrágio de um desejo

Navego no Douro
que esconde o tesouro
da coisa sentida!...
em socalcos-vinhedos
que suportam segredos
em esteios de vida

Nas amendoeiras
das flores primeiras
apesar do frio
se sente o zumbido
do néctar colhido
e o silêncio do rio.

Aí se pressente
quem segue a corrente
pelo tom de voz;
Se no olhar da gente
há caudal bastante:
É nascente e foz

sfich
 
Rio Douro

O Larápio

 
Aquele que diz ter comprado
o que adquiriu roubando
adora parecer honrado
para iludir o desgraçado
mas já foi chefe de bando

Anda de dorso curvado
a roubar o sol ao chão
num gesto há muito estudado
para esconder o mau olhado
dos seus olhos de ladrão

-Tu não sabes mas eu digo-
Diz ele, com seu ar matreiro...
Aleivoso, trapaceiro,
mais sinistro do que o perigo,
sempre a fazer-se de amigo,
no seu jeito traiçoeiro.

Quando for a enterrar
irá de algibeira lisa;
Os sinos a repicar
é que nos irão dizer
que o gusano não precisa
de ser pago p'ra comer
 
O Larápio

Carta de Lisboa

 
Carta de Lisboa
 
Chegou carta muito bela
que me fala de Lisboa
e traz impressos em tela
uma flor de Florbela
e um girassol de Pessoa

De flor vermelha ao peito
a ternura de quem sente
que há sempre um verso perfeito
num sorriso atraente

Anda cá poeta Ary
anda, anda lá daí
que a tua voz ainda ecoa
navegando por Abril,
nas tertúlias, com O'Neill
e Carlos do Carmo em canoa

Anda cá poeta Ary
vem de cravo na lapela
volta, passa por aqui,
canta de novo Lisboa
sorri outra vez p'ra ela

que Lisboa em verso e prosa
ou numa tela qualquer
tem o «candor duma rosa»
e o encanto de mulher!
 
Carta de Lisboa

Poetisa lusa

 
Tem na voz o travo de poeta...
Que não levanta o tom para se ouvir;
Ajusta quase sempre a frase certa
À frequência certa e pura do sentir;
Às vezes, vence a inacção e fica alerta
Descobrindo na textura que há-de vir,
O âmago que a impele à descoberta...
Se é Cristal, vislumbra-o em parte incerta, sem partir
 
Poetisa lusa

Flor-de-lis

 
Flor-de-lis
 
És a minha Flor-de-lis
Nos poemas que eu componho
Estás nos acordes subtis
Da melodia de sonho

Por cada palavra escrita
A fragrância que a consome
é a tua alma que grita...
e logo, a minha aflita,
Chama por mim em teu nome.

Desejos, lábios, pintura...
Amora brava de um dia;
grato gesto de ternura
doce de amora-madura
Beijos que a boca pedia.

Se por vezes acontece
A dor que às vezes esmorece
A brandura dum olhar
A tarefa de seguida
(na neblina da vida)
É um acto de sublimar

Como se fosse esquecida
a dor que às vezes esmorece
a brandura dum olhar
 
Flor-de-lis

versos

 
Por cada verso que rime
nasce outro que nos deprime
se não diz nada a ninguém;
mas se num verso sublime,
cabe todo o sentimento,
mesmo em forma de lamento,
é o verso que convém.
 
versos