o teu mar
Mar adentro mar adentro
Adoro o teu «mar adentro»
de marés-vivas, que eu vi...
porque nesse mar adentro,
há mar a bramir por dentro
de outro mar, dentro de ti.
SILÊNCIOS
Quando no olhar da gente, a gente sente
que vislumbra a eternidade num segundo
é que a gente se dá conta, de repente,
dos assombrosos silêncios deste mundo
E quando, no silêncio, um som estridente
e atroz, que tergiversa sim o não rotundo,
Melhor fora que desejasse estar ausente,
ou num buraco negro, bem profundo.
Fora só a voz da pele, a que pressente
que o instante é um ventre infindo e fundo...!
Fora só sereno e longo, e toda a gente
calaria a voz própria, pois mais fecundo
é o pulsar mudo do grito, na mão-semente
que o rasgar fácil da terra, no roubo imundo.
Sterea/sfich
Cai o Carmo e aTrindade
Pergunto ao povo que passa
como passa o meu país...
Passa triste e quando passa
passa calando a desgraça
e Alegre, nada me diz
De voz grave e colocada
passa em revista o país
Não percebi quase nada!...
E a vós, o que é que ele diz?
- Cai o Carmo, a Trindade,
o cravo e a baioneta;
Já caiu a liberdade
por não haver igualdade
no socialismo da treta -
Mas há sempre uma luzinha
no túnel (quanto a mim)
e uma esperança teimosinha
e nem sequer levezinha...
Há sempre alguém que diz sim
sfich
«amiga maior que o pensamento»
No espaço, na interferência
infinitamente fraquinha,
sinto a minha consciência;
que apenas sei que ela é minha
se mexe nos corações...
Mas digo-o com alegria
porque sei quem a elegia
a melhor das dimensões!...
Deslumbre
Deslumbro-me num acorde em cada dia,
como se soubesse o deslumbre da loucura;
E quando o próprio verso me procura,
vem em tons matizados de alegria.
Mas logo, em seguida, água fria;
debalde procurado; e, em tortura,
ouvir a negação, com voz segura,
em vez d'afirmação que pretendia.
E sigo, como quem escolhe o mal menor,
na cumplicidade musical dos meus ouvidos
ensaiando harpejos em Mi(m) bemol maior
Num suave tom de beijos sustenidos;
No tanger da alma, o som do ardor,
como se me pisasse nos sentidos...
DIZER À PESSO(A)INHA
É no acto de te ler,
que sinto quanto me falta
se te quisesse escrever!...
Pois quando a gente lê
quem escreve
o que fica entre a alma de quem sente
e o sentido de quem lê,
é que vê, claramente,
pelo bater do coração,
qual é a gente que sente...
Quem é profundo ou quem não.
E, assim, é evidente,
a gente vê quem é gente
pelo bater do coração!
EQUINÓCIO
Por me saber imperfeito,
trato de me preservar;
Contrário à Natureza,
na missão de sublimar.
Rebelo-me de tal jeito
na arte de respirar,
que até no ar rarefeito,
nunca sinto falta de ar...
Fascina-me a subtileza
na arte de respirar!...
mediania
Eu não sou aristocrata;
também não sou plebeu;
trato bem quem me bem trata
e nunca fui mais do que eu.
Dizem que tenho na voz,
um travo que tem nobreza;
Mas, aqui só entre nós,
não tenho tanta certeza
Mesmo assim, se me envaideço,
o que de resto me espanta!
penso nisso e reconheço,
que afinal, é só garganta...
Pois este travo consiste
num ar sério, que me faz sentir
pessoa que sabe sorrir,
sem ser alegre nem triste
Post Scriptum: Estava escrito e aconteceu; «perdi-me num poema que ninguém leu»
Sozinha
Única por ser diferente
porque tem constantemente
no seu olhar sedutor
aquele brilho irreverente
que ela julga independente
mas que depende do amor
e no sorriso o esplendor
que sai assim de repente,
e às vezes num mar de gente,
para sublimar amargor...
E aí, provàvelmente
por se pressentir sozinha,
sente no ar um clamor
numa espécie de torpor
do amor que se adivinha...
Espaço-Tempo
Predicados meus para quem os lê
Como convém em dois segundos
Lá porque não gosto de gerúndios
Imperfeitos não é coisa que se dê
Imperativo oferecer a toda a hora
Presentes pró futuro por que não
Se o pretérito esquece ou se ignora
Infinito é espaço-tempo e condição
Aqui se insinua uma síncope fingida
Ali vem a hipérbole sempre exagerada
Ocupando lugar da síntese prometida
Naquela frase quase toda rasurada
Pontuação p'ra quê se a coisa lida
Se esfumou na semântica ignorada