Desejo E Arte
Desejo E Arte
Ah...
Quantos desejos
Darão passos neste dia ?
Capas nos sonhos
Impermeabilizar a dicotomia
E muitas canções dirão coisas
De combinar com a alegria
E muitas decisões fluirão
Belas conversações
Nada contra a melancolia mas,
Meu objetivo final,é o jambo
O pé de samambaia
A orquídea vasta que descambo
Sujando outra vez a saia
O sucesso deste dia
É o fim da tarde
Bolo de cenoura e arte
Que vasculha e parte
No íntimo da poesia...
Nina Araújo
Dia de Fazer Amigo
Dia de Fazer Amigo
O senhor andava com o olhar absorto, perdido nos pensamentos esperando o meio dia. O banco da praça reluzia à luz do sol, o jornal estava ali encostado como se ninguém o tivesse tocado, olhou para os lados não viu ninguém, esperou quase dez minutos e por fim resolveu folhear. As notícias se agastavam- pensou- alguém lutando por mais poder, alguém matando um inocente, alguém roubando, a seleção nacional enfim, melhorando....
Outro senhor aproximou-se e com ar curioso sentou ao lado.
-Tudo igual por esse mundo, nada muda...
-Sim senhor. Às vezes, penso que muda...
-Digo que pouco vejo melhoras nas notícias do jornal.
-Na verdade saiba o senhor, que eu vejo novidades por aqui...
-O senhor vê?
-Sim.
-Aqui em Niterói?
-Sim senhor, aqui neste Campo.
-O senhor podia me agraciar contando essa novidade, pois ando cético há muito tempo...
-Antigamente o senhor deve saber, por aqui ficava um jornal no banco, e até que o dono voltasse outra pessoa não o lia.
-Ora essa, mil perdões, meu senhor!!! Eu, de fato, bem que olhei para os lados mas não vi “viva alma” e então...
-Não se preocupe eu também não sou o dono... mas vi quando o senhor chegou.
-O senhor viu? Decerto o dono foi embora, não é?
-Sim ele foi. Na verdade, eu sei bem porque faz isso.
-Deixar um jornal no banco?
-Exato. Eu o conheço, ele compra o jornal e deixa aí no banco displicentemente até encontrar um amigo em potencial, depois chega perto, deixa o coitado embaraçado e inicia um papo que se surtir resultado, como ele pensa, acaba em um bom papo na padaria. Assim ele faz um grande amigo por dia...
O homem não pôde conter o riso e indagou àquele senhor simpático,como podia ficar sabendo daquela prática.
-Ora o que não sabe um homem só, meu amigo! Escute eu estou indo para casa o senhor aceitaria tomar alguma coisa ali na esquina com este esfomeado?
-Mas claro que sim, o amigo mora por perto?
-Ali na praia há trinta e cinco anos...
-Ah, por isso o senhor me pareceu tão familiar...
Era um sábado de muito sol quando dois homens, um cético e um sonhador, iniciaram uma nova amizade.
Nina Araújo
O Menino
Na minha rua tinha um menino que vivia na janela rindo.
Ria quando o carro passava e ria quando chovia, e se a bicicleta atolava também ele ria.
Era cuidado pela mãe, uma mulher pequena e aguerrida que não media esforços para vê-lo feliz já que ambos foram abandonados pelo chefe da casa, assim que este soube da doença do filho. Para amenizar sua dor dizia ele, resolveu morar no interior do estado, de onde poderia visitá-los vez ou outra, o que nunca fez...
Apesar de tudo, a vida deles era preenchida por uma constante disposição de viver, recurso eles tinham algum, pois a senhora era filha de militar e recebia a pensão do pai já falecido, assim viviam sem grandes apertos.
A vizinhança toda se acostumou a ver o menino sorridente que tomava sol na cadeira de rodas, e conversava com os passarinhos, os cachorros, e gostava das crianças, embora uma boa parte do dia ficasse na janela se comunicando através do riso que dava para o tintureiro, o açougueiro, e a moça do banco, especialmente.
Quem passava para o trabalho, olhava aquele menino ali com um ar fresco de alegria e mesmo quem se mudava, uma hora retrocedia para dar um aceno.
Por quinze anos aquela cena se repetia na rua, até que numa tarde linda de primavera aquela criança amanheceu morta, e sua mãe triste, porém consolada, velou e enterrou o seu raio de luz acompanhada por um número grande de pessoas que fizeram questão de comparecer ao cemitério, e prestar a última homenagem ao vizinho sorridente que marcara de certa forma, os seus dias corridos entre o trabalho e a casa.
Ao contrário do que se pensava, aquela mãe continuou uma mulher disposta, e tão logo pode, voltou firme aos trabalhos em movimentos sociais das igrejas e instituições de amparo aos animais, sempre muito querida por todos, outro dia soube-se que ela arranjou um novo pretendente e vai se casar mas vai morar perto, no mesmo bairro, para sentir-se envolvida dos ares de seu lindo menino, que ria para as flores e ria para os barcos e ria para as estrelas, que agora riem com ele lá do céu...
Nina Araújo
Tantos Sonhos
Tantos Sonhos
Meus sonhos são eriçados
São feito os cães de Pavlov
São como as obras de Tchecov
São belas praias de Barbados
E são blindados Couraçados
E são gritados à la Leminski
São olhos de Natassja Kinski
São “capitães” de Jorge Amado
São gergelins no pão torrado
Que O Vento levou para mim
Meus sonhos são pernoitados
São feito cartas para Neruda
São como a Beauvoir sisuda
São Vargas Llosas apaixonados
E são timbrados em pau de rosa
E são verões Guimarães Rosa
São Saramagos bem entrosados
São vôos altos lá nos costados
São corpos nus soltando flechas
Que enfim, são sonhos querubins
Nina Araújo
O Zé Fez Um Samba
O Zé Fez Um Samba
‘Se você não me queria
Não devia me procurar
Não devia me iludir...
Nem deixar eu me apaixonar...” *
-Tomé, hoje eu quase fiz um samba rasgado.
-E por que não fez homem?
-Pois é , hora e meia no dentista e um dente encapado. Mas já fizeram o samba que eu queria fazer...
-Ora, deixa de conversa fiada, faz outro. Um daqueles de dor de cotovelo, isso faz muito sucesso.
-Mas já fizeram o que eu queria, cara. Eu vou fazer algo novo, é só a cabeça esfriar e o dente parar de incomodar.
-Por falar nisso, o que você decidiu lá com o doutor?
-Ah, tá limpeza, eu disse pra ele que vou fazer um samba que vai arrebentar.
-É ? E ele acreditou?
-Bem, se acreditou não sei, mas disse que espera quinze dias.
-Luis, olha,eu tenho uma coisa pra conversar contigo.Mas tenha calma...
-Fala Tomé, não enrola.
-A Ritinha...Bem, tu ia saber mesmo.A Ritinha foi embora pra São Paulo com aquele coroa,patrão da tua irmã...
-Como é que é?? Ela dormiu aqui comigo esta noite?
-Pois é, pois é. Todo mundo tá sabendo.
-Caramba,Tomé! Que mundo cão!!! Que isso cara!! Que isso!
O rapaz saiu cambaleante, pegou os documentos, mão na boca, o dente doendo.E quase não deu tempo de Tomé perguntar:
-Ô Zé,onde você vai rapaz,não faça asneira!!
-Vou encher a cara Tomé, vou encher a cara e fazer um samba rasgado, do fundo do peito, do fundo do peito...
Assim se foi...
Nina Araújo.
* “Me deixa deixa em paz”-composição:Monsueto e Aírton Amorim
Cirandei
Cirandei
Ô Zé ,como é que é ?
Tem catira no salão
Eu já estou pra decidir
Se fico cá na quadrilha
Esperando o São João
Ou então cutuco a velha
E vou dançar pé de serra
O xaxado com baião
Zé,você viu a Mãe D’Água
Volteando o rio Negro ?
Ó meu Deus, que bela Iara !
Sereia de água rara
Que Boitatá entonteia
Me chame aí os meninos
Sei que foram na ciranda
Itamaracá e Lia
Ali, a coisa assovia
Ali a coisa comanda...
Pai Francisco entrou na moda
Quando o jongo entrou na roda
Eu jogava capoeira
Zé,olhe esta mata em festa
Pois o coração atesta
Um folclore à brasileira.
Nina Araújo
Por que se versa tanto o desamor,o abandono?
Embora eu saiba que o desamor,o abandono,a decepção sejam matérias-primas sedentas de poesia me dá muita má vontade ler ou fazer algo nesse sentido.
Para mim a dor precisa ter dignidade.Ter um caráter de dor,ser sentida sozinha a mais não poder.
Ah,por que se vê tantos versos assim...
Eu faço o inverso quando caio nas malhas da infidelidade,do falso amor.
Por dois dias fico indignada,por dois dias fico chorosa,por dois dias fico me sentindo vítima e por dois segundos vivo a gritar para mim, assim:
-Ainda bem...não fui eu que traiu!!!
Ah, vou falar dos pássaros porque minha sina é ser poeta!
Nina Araújo
Em Tempo:...é só uma opinião pessoal....
Aquele velho
Aquele velho
Quando chegou, o avô estava lá, de ponta a cabeça fazendo aquela pose difícil do yoga.
Precisava lembrar que era yôga com o ô exatamente assim, fechado.
Não sabia o que o velho aprontaria hoje na cozinha, mas viver eternamente sem comer carne, para um rapaz gaúcho era absurdo, pensou.
Adorava aquele seu avô, ele sempre foi seu herói, antes de tudo, porque era do contra e, tinha personalidade zen, desses que dizem: -levem suas ambições, que eu sigo leve...
Homem digno, criou três filhos muito bem, todos se tornaram homens fortes. Um deles era o seu pai Augusto, grande professor de Física Quântica.
Mas aquele avô? Era um caso à parte.
Tinha sabido pelo médico que o seu tempo estava escasso, era o tal problema antigo, que ninguém ousava tocar, exceto ele; com a doçura de quem é eterno.
Num dia quente de verão lá no sul, Robinho soube do passamento do avô, e lamentou muito não ter estado ao seu lado, para ver o último suspiro sereno que sua avó descreveu tão bem.
Naquela mesma tarde depois do enterro,virou-se para Isabel ,sua amada, e disse:
-Bel, não sei se você será a minha sorte, mas ser for, saiba que o nosso primeiro filho se chamará Pedro!
A morena assentiu chorosa. E Robinho sentiu uma brisa de avô lhe sorrindo, do alto da amendoeira farta.
Naquele dia soube que também seria um homem forte!
Nina Araújo
Auto-Retrato?
Auto-Retrato?
Às vezes me embalo em fados
De xale pelos ombros, vasta
De mares que atravesso à nados
E histórias onde puxo a hasta
Bambeio em bares, peito à vista
Envolta em alma de fadista
Em violões de timbres claros
Guitarras e emoções à risca
Ás vezes me embalo em choros
De bandolins serenos, casta
De pautas que me trazem coros
E brotam o coração entusiasta
Escuto o som que desce os morros
Chorona em alma de sambista
Finjo que sou poeta que sou artista
E que um minuto apenas me basta...
Nina Araújo
Opostos
Opostos
Quando ele era Pascal,
Ela era Carmem Miranda
Ele fala em Schopenhauer
Ela, em Elvis e sua banda
Ele releu o Zarastruta
Ela diz que ali tem truta
Ele acha Nietzche legal
Ela diz que ele é biruta
O que dizer de Confúcio ?
Se ela diz : melhor é o Lúcio
Ele então foi devagar
Perguntou de Kierkgaard
Ela foi rumo à janela
Fitou o verde do mar
E disse ; eu prefiro o Edgar!
Poe????*
Nina Araújo
*Poe eu introduzi como uma citação de Edgar Poe da querida Karla Bardanza,divina!!!