Poemas, frases e mensagens de angelaladeiro

Seleção dos poemas, frases e mensagens mais populares de angelaladeiro

Ilusão...

 
Da varanda vejo o mar
O seu lamurio...
Fecho os olhos
Na memória, longe...
As crianças estão lá!
Brincam, dão gritos...
Estremeço, tenho frio
Ilusão?
Mantenho os olhos fechados...
Quero prolongar o tempo
Esse lamurio, conheço...
 
Ilusão...

Tempos idos...

 
Acerca de fazer bem, exigência a que os abastados se propunham para ganhar o Reino do Céu, encontrei na casa do meu avô, depois da sua morte, documentos antigos.
Escrituras de bens adquiridos, vindos de várias gerações.
Os mais interessantes, diziam respeito à minha bisavó Januária.
Segundo a minha leitura e interpretação, pedia a sua filha que depois da sua morte lhe rezasse 100 "Pai-Nossos" e outras tantas "Avé- Marias", diariamente.
Enquanto esta fosse viva!..
No caso de não cumprimento do seu desejo, seria deserdada de todos os bens.
Tentei reler, embora a letra mo dificultasse. Nem queria acreditar!
Agradeci ao meu Deus por ter vivido numa outra geração.
Lembrei-me mais tarde da avó pequenina.
Com um olhar doce, que andava de um lado para outro, sempre a rezar.
 
Tempos idos...

Luanda, Maio de 1963

 
Nos dias em que não recebo as tuas notícias, o tempo custa mais a passar.
Hoje não seria possível pois não vem avião.
No entanto, não me conformo e estou sempre à espera do carteiro, mesmo sabendo que não aparecerá.
As férias estão a caminhar para o fim e no mato não terei correspondência com frequência.
Terei de me habituar de novo.
Ontem fui tomar café à Versailles e encontrei um camarada de armas que me convidou a ir ouvir uma demonstração de um conjunto estereofónico.
Foram umas horas de prazer, de alimento para o espírito. A ouvir o Capricho Espanhol e uma sonata de Chopin.
Fica-se maluco com uma aparelhagem daquela natureza!
É caríssima, 80.000$00, imagina!
Pior é ao chegar a minha casa, pois não me apetecerá ouvir o rádio, pelo som ser roufenho.
Depois destes momentos belíssimos, fui visitar o museu de Geologia ficando aí até ao anoitecer.
É interessantíssimo, suscitando a atenção dos mais distraídos.
O que mais me surpreendeu foi ver um tronco de árvore e uma tromba de elefante fossilizados.
Havia lá outros fósseis muito interessantes, cristais de diamante, meteoritos, petróleo em bruto, enfim, os mais diversos minerais do sub-solo Angolano.
Estava já atrasado para cumprir a promessa que tinha feito à D. Lindinha. Leva-la ao cinema.
Para que não fiques a cismar, ela tem 55 anos. Poderia ser mais que minha mãe. Fomos ao Nacional ver " O Direito de Nascer", um filme muito bonito que eu já havia visto há uns anos, no Porto.
A senhora até chorou de comoção, o que não admira pois na saída as senhoras com mais idade vinham com os olhos vermelhos de chorar.
A D. Lindinha parte no sábado para Cabo Verde. Tem-me tratado muito bem, coberto de atenções. Vou sentir a sua falta.
Andei às compras pois tenho de me organizar para o tempo que estou ausente da civilização.
Aproveitei saldos grandes que havia, pelo facto de as chuvas terem feito algumas inundações em lojas da cidade.
Mas estes dias agradáveis foram toldados pela notícia que recebi. Tinha morrido um grande amigo, um dos maiores, desde a minha vida no serviço Militar Português.
Uma morte estúpida, brutal, descabida.
Esse amigo estava no Quitexe e quando à noite foi dar uma volta com um Alferes e um soldado. acontece o imprevisto.
Um outro soldado que estava de sentinela, tomou os vultos por terroristas e abateu-os com uma rajada de metralhadora.
É verdadeiramente confrangedor e arrepiante. Como pode acontecer uma coisa destas!... O jornal de notícias, escreveu sobre o assunto dizendo que tinham morrido em desastre.
Sim, foi um desastre, mas para quem toma assim conhecimento pensa que foi de automóvel, ou jipe, na pandega!
Já se comenta que alguns militares são uns malucos e que se divertem à grande por cá. Afinal fomos empurrados para estas terras, sem poder escolher, roubando-nos os melhores anos da nossa vida!...
O Mário, era esse o seu nome, foi meu colega desde 1958, em Tavira.
Sempre andamos juntos, em Braga, Viseu e aqui em Angola.
Estivemos em Zembra ,partilhamos as mesmas provações.
Podes por isso imaginar o meu sentimento quando soube deste infeliz caso.
O valor que se dá à vida, aqui é nulo.
Perdoa este meu desabafo, moralmente estou de rastos e em vez de falar de nós, do nosso projecto de futuro, estou a desabafar contigo, quando só devia falar de amor, de alegrias.
Meu amor, cada vez sinto uma maior paixão por ti, um interminável desejo de te ver, de te abraçar. Tenho necessidade de esconder em ti a minha cabeça e chorar todas as lágrimas que neste momento são mais fortes do que eu e teimam em brotar dos meus olhos.
A minha nostalgia ultrapassa tudo o que seria capaz de supor e sou egoista pois choro mais por mim do que pelo meu companheiro.
Apetece-me insultar toda a gente. Culpo todos pela nossa sorte, por não ter aqui quem me dê um carinho.
A mãe e uma mulher nestes momentos é insubstituível. Saudades e ternura para esta despedida de hoje. Sempre teu
 
Luanda, Maio de 1963

Colher os ananases

 
Da minha janela eu vejo uma queimada.
Ali, dentro da selva africana.
Destina-se a preparar o terreno para plantar a mandioca.
É evidente haver por ali um acampamento!
Também é certo, que haverá amanhã, uma batida.
Possivelmente farei parte. Oxalá eu me engane, mas teremos problemas.
Maiores do que os da última vez!
Naquela zona há muitas montanhas e a distância a percorrer será grande.
Talvez eu tenha sorte e não vá.
Afinal tenho estado muitas vezes de vigia, nos últimos tempos.
O café ficou melhor. Muito forte, mas saboroso.
Fui eu que o fiz, utilizando a invenção que já te contei.
O guardanapo para o coar, deu resultado, embora tenha de encontrar uma flanela.
Dará melhor efeito!
O café que bebemos é muito mau.
Assim, este, teve sucesso.
O grande problema foi o de não conseguir dormir.
Estava muito excitado!
Às 10h, cortam a electricidade e temos de nos deitar. E dormir? Fiquei muito tempo a pensar.
Arquitectei o nosso futuro. O dos nossos filhos.
Cheguei a pensar ficar a viver aqui, em Angola.
Criar os nossos filhos numa fazenda. Em contacto com a natureza.
Aí as coisas não estão bem. Não há empregos.
É tudo caríssimo!
Mas qualquer parte do mundo será boa para nós.
Com o nosso amor e uma casa confortável...
Seremos decerto felizes.
Se a guerra acabar, aqui, vão precisar de gente especializada. Haverá empregos bons.
Veremos como as coisas se desenvolvem.
Ontem fomos colher ananases.
Aí são caros e nem todos podem comer.
Assim, fartei-me!
Ainda temos muitos guardados.
Passado uma hora e meia, pelo capim, encontramos uma ribeira. A ladear estavam eles.
Parecia um jardim tropical.
E é, mas dentro da natureza!
Éramos três, não se pode andar só pois é perigoso. Alguém tem de estar alerta.
Pode haver uma emboscada.
Tenho saudades de todos.
Fala-me dos amigos, do que fazem.
Se são felizes!
O Natal está perto e a data faz-me nostalgia.
Aumenta as saudades que tenho de ti meu grande amor.
 
Colher os ananases

A viagem

 
Como prioridade, a revista ao Navio.
Ver a localização dos aposentos, destinados aos homens do Pelotão.
Serão dois milhares e meio, mas as condições são excelentes.
Os últimos momentos em terra, passei-os com o meu pai.
Jantamos e fomos ver a revista "O Trunfo é Espadas", com Camilo de Oliveira e José Viana.
Deitei-me tarde e tive de me levantar cedo.
Tinha de estar no Navio às 8h. e o Pelotão tinha de me seguir.
As despedidas iriam ser feitas com a presença de amigos e familiares.
No meio daqueles milhares de pessoas estava o meu pai e alguns amigos, de Lisboa.
Às 10h em ponto começou a formatura para o desfile e a revista pelo Ministro do Exército.
Seguiu-se o embarque.
A despedida por parte dos populares, foi comovente.
Para mim toda aquela massa anónima de gente, lembrava-me de ti e da minha mãe.
Não estavas no cais e isso foi muito penoso.
Mentalmente via-te e dizia-te adeus.
Estavas sempre no meu pensamento.
Os soldados mandavam beijos às suas namoradas.
Chorava-se, dentro e fora do Navio.
Quando este se começou a afastar, caí na realidade.
Senti efectivamente a separação.
As lágrimas caíam pela minha face.O coração muito apertadinho.
Um crescente medo de não voltar mais.
Não me saíam mais lágrimas, ficavam estranguladas na garganta.
Com muita força abandonei o local para não continuar, pois choraria, choraria....
Nem sei o que pensar ou dizer...
O Navio ia-se afastando e as pessoas no cais, não passavam de uma mancha de lenços brancos, acenando um último adeus.
 
A viagem

Uma batida...

 
Três horas da tarde e cinco de marcha sem interrupção.
Estafados, as pernas sem força para nos mantermos de pé.
Uma fortíssima dor de cabeça.
Tentava-mo-nos manter calmos. Um certo sorriso, para disfarçar o estado de desânimo.
A distância percorrida, 30 longos quilómetros!
Uma marcha de caracter psico-social, por terrenos difíceis.
Atrair os indígenas ao seu habitat, de onde saíram.
Ao mesmo tempo que lhes mostramos amizade, transmitimos também coragem.
Somos capazes de entrar na selva, no território que lhes pertence.
A pouco e pouco devastaremos o capim, a selva deixará de ter segredos para nós.
Adaptar-nos-hemos.
Depois de um banho e roupa lavada, o almoço foi divino.
Não havia champanhe e caviar, mas chouriço guisado com batatas.
Maravilhoso!
Estou no café a escrever. Quando acenderem as luzes, a formiga salalé atraída , encherá o espaço.
São formigas gordas, com quatro asas. Uma guloseima para os negros.
Ficam divertidos, com as asas ao canto da boca, comendo sofregamente.
" Gica-meginja tapa cu". ( A formiga salalé faz prisão de ventre). Esta é a tradução.
A natureza dá-lhes tudo o que necessitam.
São saudáveis e elegantes.
A sua alimentação de vegetais e frutos é muito variada.
Mangas, ananás, bananas, mandioca, milho, mamão. São aqui espontâneos. Caçam e pescam, por conseguinte não têm de correr na luta diária para sobreviver.
São mais felizes do que os que vivem na cidade.
Está a ficar tarde, continuarei amanhã.
Um terno beijo de quem te adora
 
Uma batida...

mulher...

 
Somos nós a lutar...
A chorar, sorrir, amar.
Somos nós a dar esperança
Sem pensar, sem parar...
Somos nós.
A nadar contra a corrente...
Seguir o destino, o caminho.
Somos nós, por tudo ou por nada...
Somos nós.
 
mulher...

A mala velha

 
A roupa que existia no malão, toda de homem, era de luxo.
Óptimos tecidos e de um corte de muita qualidade.
Havia também os chapéus, que sempre gostou de usar.
Esta qualidade e estética, sei-a analisar agora.
Naquele tempo achava tudo fora de moda.
Na aldeia, a vestir assim havia pouca gente. Talvez dois ou três respeitáveis senhores.
Mas quem deseja aquilo que desconhece?
Também brincamos com a grafonola, última novidade em matéria de leitor de discos.
Um autentico computador dos anos quarenta.
A sua música dizia respeito ao seu tempo, o que servia para nos divertir ainda mais.
Havia de tudo um pouco; talheres de prata Cristofle e seus suportes, cachimbos e um sem fim de utensílios. Cortinas, sapatos italianos.
O ferro de engomar a petróleo, a máquina Kodak de fotografar.
Tudo acabaria , sem uso e num desinteresse total no meio do galinheiro.
Uma vida nova tomava lugar, longe da grande cidade.
Numa contemplação prioritária pela natureza.
 
A mala velha

A vida passa e nós resistimos

 
Um sonho!
Se eu tivesse um avião iria visitar-te.
Dar-te as notícias e cobrir-te de beijos...
Esta carta, leva-te os meus desabafos, as minhas emoções. Os meus desejos mais prementes.
Quando chegar a patrulha do Ambrizete, ela seguirá e vai pesada.
Espero também, notícias tuas que terão o condão de me animar. De melhorar o meu estado de espírito.
Imagina que sem gostar de futebol, assisti ao jogo com o meu Pelotão e até vibrei! Os jogadores esses, estavam eufóricos. Empataram.
Este diário, vai tendo nuanças diferentes. A ideia é a de prender mais a tua atenção.
Na maioria das vezes não tenho nada a dizer, mas a vontade de estar contigo é muito grande.
Escrevo enquanto penso em ti.
São assuntos fúteis, mas sinto-me mais perto, repartindo-os contigo.
Esta manhã levantei-me cedo, 7h. Passeei imenso e dei por o tempo ter passado, vendo as 10,30 no meu relógio.
Pensei em mil coisas.
Em nós dois, nos nossos projectos futuros.
Quanta saudade dos teus carinhos.
Dar-te- hei muitos beijos pela vida fora, para te compensar deste afastamento.
A fotografia que me enviaste, transmitia muita tristeza no olhar, mas aquele teu sorriso, maravilhoso, é o mesmo que eu recordo.
Olho as tuas fotografias e lembro os beijos que dei nos teus cabelos, nos teus olhos...
Nessa boca linda e perfumada!
Poderia estar aqui muito tempo recordando momentos e pormenores teus.
Só serve para aumentar mais ainda a saudade de ti.
Lembro-me da tua silhueta, num corpo de menina.
A distância que nos separa é grande, como o nosso amor.

Março de 1963
 
A vida passa e nós resistimos

ÂNGELA LADEIRO