Se eu Morrer (ao meu eterno Avô)
Se amanhã fosse morrer,
Seria este o meu adeus...
Que de todos fosse apagada a minha memória...
Para não sofrerem o que por eles sofro !
Que em minha casa florescesse um jardim encantado,
Cheio de sombras, gargalhadas e cores,
Onde pudessem mergulhar
E sentir o que por eles sinto !
Que a seus passos pudesse a minha dança ser oferecida,
A seu paladar os sabores que provei...
... e a suas almas o que desejei para a minha...
para que soubessem que nunca quis que mudassem...
Se amanhã fosse morrer,
seria este o meu adeus...
a forma possível de a todos dizer que sou o seu conjunto,
e que por aqui permaneceria,
fruto de tudo o que são, pensam e sentem...
... Eternamente !
MiguelVeiga
uma vez mais
As minhas mãos rodopiam…
Entornam-se no vazio,
Dos dedos saem estrelas com que pinto as ausências…
Todas as presenças… a cor de vinho e fogo…
E sorrio como um louco que esquece quem é!
Um só piscar de olhos, a tal vénia
E de novo me encontro
Todos os dias de todos os anos de toda a cidade, de todo este pequeno mundo…
…fluem de forma tão ordenada que deixam de ser notícia
e tornam-se tão banais que já não preciso de os entender…
…visto a minha camisa negra,
E decido lançar os dados uma vez mais…
MiguelVeiga
Momentos II
Abrira as portas, as janelas e por fim o seu coração;
Em gestos serenos havia separado cada palavra e preparado o caminho;
Sentira que sim, não havia porque não…
Pensativo e espalhado no chão da sala procurava o que não fizesse sentido;
Mas tudo parecia certo, mais forte que a existência, mais leve que o passado…
… Onde arrumara tudo o que pudesse atrapalhar o caminho…
Sempre cedo, tarde demais…
Achava ter asas no lugar dos braços doridos, e um apelo que não deixava dúvidas…
E então deixou-se cair, redemoinhar com um sorriso nos lábios
Amou uma e outra vez sem culpa nem pressas…
Houvesse tempo que o pudesse medir.
Encalhou em mentiras e desculpas, pequenas pílulas da aparente felicidade;
Tão fugazes como um beijo roubado, ou o seu peito breve…
E chorou como quem chora,
Derramou na almofada o rio que lavou a cegueira dos seus olhos…
…e finalmente percebeu que afinal na contagem dos minutos da vida…
Também os momentos podem ser enganadores
2009/08/31
MV
ÚLTIMA LÀGRIMA
Brindo então a isto, a isso e àquilo…
Brindo ao primeiro beijo, porque nunca aconteceu um último;
Brindo à noite e à embriagues que nos apresentou a nudez,
a primeira lembras-te? Parecia tão certo…
Brindo ao amanhã ligo-te e ao conta-me quando deixares a magia fugir;
Nunca chegou a fugir, foi chegando devagarinho como quem quer ficar…
Brindo a mim e a ti, porque foi só o que importou naqueles breves momentos…
…entre o adormecer e o acordar;
Brindo às velas, às músicas e ao vinho que em demasia bebemos;
porventura deixámos;
aos segredos e às certezas, ao lugar e à hora marcada;
Ao café amargo de cada manhã, que nunca terminavas, como tudo na tua vida…
Brindo ao cabelo preso e aos perdidos pelo chão quando as mãos arranhavam…
Em que continuo a tropeçar;
Às fotos da nudez que permanecem gravadas na memória, nunca sairão…
A cada manjar e à fome de ti a que o jejum obrigava…
A cada mentira… as minhas e tuas… porque a mim menti também de cada vez que fingia acreditar…
Brindo a cada ida e cada regresso, quando em silêncio engolia em seco e forçava o sorriso triunfante de quem te possui…
Brindo à forma que deixaste na almofada, ao cheiro espalhado da ausência…
Brindo a cada noite em que me viro procurando teu corpo magro… continuo a procurar…
Brindo porque te vi a alma nua numa epifânia desgraçada de anjo caído… e gostei…
Brindo àquela lágrima que bebi… poção mágica da minha certeza;
Brindo então a ti e a mim, pelo que fomos e pelo que podíamos ter sido se o relógio não teimasse em enganar o tempo… os tais momentos…
Brindo ao fim da praia, às ondas que me encorajaste a abraçar;
Brindo ao até breve e ao amo-te que sustentam que podia bem ter sido verdade;
Brindo ao jogo perigoso que insistimos em praticar… uma e outra vez à nudez…
Brindo a cada sorriso com que te mostrei ao meu mundo… com que aprendi a gostar do teu…
Às fotos de quem nunca conheci… porventura reconheci…
Brindo uma vez mais à embriaguez que por ti abandonei…
Brindo aos planos que nunca disso passaram…
Brindo às manhãs em que falavas pelos cotovelos… sentia-te feliz… minha mulher…
Brindo a cada canto do sofá, à pressa em amar e até à falta dela…
Brindo a cada engano, fui eu quem deixou… fui eu quem quis…
Brindo a todas as coisas que descobri… tantas que esqueço por ti…
Brindo quando em surdina sussurro teu nome por engano em momentos alheios…
Quando fecho os olhos e recordo o teu sorriso a instruir-me na arte de percorrer teu corpo…
Brindo às línguas que faiscavam depressa demais, às mãos lentas que haviam perdido a pressa…
Brindo, é certo ao engano… mas acima de tudo ao desengano…
Brindo ao inicio porque nunca houve um fim…
Brindo aos segredos que escondo nesta casa… meus e teus…
Brindo às promessas ditas na pressa de quem quer acreditar, a cada sabor que só eu e tu conhecemos…
Brindo uma ultima vez ao até já, que sabemos pintado de nunca mais…
Brindo ao grito silencioso que irás arrancar da noite quando a tua alma de novo se revelar nua… e eu não estiver para a chamar pelo nome… que só eu conheço…
Brindo do princípio ao fim… e irei continuar a brindar para lá disso…
Brindo à tua e à minha lágrima…
…a que verto no exacto momento em que decido ser a última…
No exacto momento em que termino “este” brinde…
2009 MV
Entre Ódio e Amor
A pouco-e-pouco foi baixando expectativas
Entregou-se ao cinzento dos dias de Inverno,
Que pareciam não terminar…
Abraçava a certeza de uma refeição quente e de um lugar confortável
Junto à lareira… Que já não aquecia nem iluminava
Estava apenas la para recordar qualquer coisa sobre alguém….
Que por ali num dia incerto de neve passara,
Memórias turvas e dispersas…
Cálices negros, lágrimas que esqueceram…
Aconteceu a vida, ali para os lados dos subúrbios….
Num qualquer apartamento com vista para os prédios…
Cheios de gente, vazios de pessoas…
Já não fazia qualquer sentido procurar sentido para o que nunca terá…
E redundava entre os ocasos da lua e o sabor do dia seguinte,
Perecia-lhe certo,
Recordava ter ouvido isso, não reconhecia o significado…
Entre escritos sem destinatário e sorrisos sem dono…
Encalhou na procura do que não existia,
Entre o certo e o errado,
entre ódio e amor….
2013
MV