Dona de casa
Sou uma Dona de Casa assumida e orgulhosa, já lá vai o tempo em que me preocupava com a descriminação de não possuir outro estatuto.
Vivemos numa sociedade em que o "título" é o mais importante, ser doutora, engenheira, professora.. diz tudo para algumas pessoas que infelizmente não têm a capacidade de ver realmente a pessoa pelo que ela é e não pelo que faz, mas muito se tem já escrito sobre isso e não vale a pena alongar-me mais sobre este assunto.
Vivi e vivo para a minha família e para o lar e não me arrependo de ter tomada esta decisão à vinte anos atrás.
Criei filhos com afectos dando atenção aos seus problemas e necessidades e estou sempre presente para a família quando é necessário. Tudo isto não me isolou do resto do mundo e das realidades sociais, não vivo obcecada pelo consumo e pela progressão na carreira, tenho paz neste aspecto da vida.
Não vou dizer que durante estes anos não me viesse à mente o que poderia ter sido se não me dedicasse a ser mãe, esposa e dona de casa pois é difícil às vezes a pressão...ou o dinheiro que com menos um ordenado é mais difícil de gerir ou por outros motivos, mas felizmente como disse no início superei tudo isso e hoje estou realizada como mulher.
Tenho pena, pois sei de outras mulheres que queriam ter condições para se dedicarem à família e não podem, porque no nosso país não apoia as donas de casa, preferem apoiar as instituições que não podem dar aos nossos filhos os nossos afectos e valores.
Aborrece-me quando nos perguntam pela profissão e ao dizemos "doméstica" olham para nós como se fossemos algum animal de estimação e quando lhes perguntam o que fazemos dizem " não fazem nada", como se esta não fosse a profissão mais completa e trabalhosa que existe.
Ser Dona de Casa devia ser mais uma opção na vida e quem a seguisse devia sentir orgulho e recompensa por isso.
Fê
Outono Mestre-pintor
Outono, mestre-pintor
Cismando um dia nas cores
Que ao Mundo havia de dar
Trouxe a paleta e os pincéis
Trouxe a caixinha das tintas
E começou a pintar !
Fez amarelo e com ele
Pintou folhas e florestas
Pôs tom vermelho no Sol
Acobreando o arrebol
Com grandes galas de festas.
O céu pintou de cinzento
Num acesso de tristeza
Mas depois arrependido
Da sua pouca brancura
Pôs-lhe nuvens muito brancas
De imaculada alvura.
Depois veio o orvalho brando
De suas lágrimas feito
Tombou paleta e pincéis
Rolaram tintas pelo chão
E a sua obra deixou
Julgando ter fracassado
Legada a atroz solidão.
Quando o Inverno chegou
vendo tal obra de amor
Admirou secretamente
O Outono, mestre-pintor!
Fê
Tela em branco
Olho para a minha tela em branco, fecho os olhos e desligo-me do mundo.
Tenho sempre por companhia uma sensação de fracasso
pois não consigo passar para os meus dedos, o que sinto .
A grande diferença entre a vulgaridade e a genialidade:
Passar para uma tela em branco as cores da nossa vivência.
Sofro quando pinto, assim como sofro quando escrevo.
Reconheço a minhas limitações...e sofro
Olho para a minha tela em branco, expiro e olho em meu redor.
Lágrimas misturam-se com as tintas e pinto...
quando penso que tudo está perdido , quem amo me diz...
Está lindo!!!!!!!!!!!
Fê
O meu armário precioso.
O meu armário precioso.
Tenho um quarto muito simples, dentro de uma casa modesta, numa cidade igual a tantas outras .
A um canto deste meu quarto está um armário com gavetas, cada gaveta tem a sua própria história e está cheia de magia.
Na primeira está a família, muitos afectos, emoções puras e verdadeiras, é uma gaveta muito estimada e está sempre bem fechada e arrumada.
Na segunda o cheiro da amizade inunda o quarto quando a abro, sabem...a amizade tem um cheiro próprio, feito de entrega, compreensão e estima.
A terceira é a mais difícil...pois há muita dor lá contida , tenho sempre que ter muita coragem e força para a abrir.
Na quarta há muita esperança e sempre que se abre, o quarto simples fica cheio de luz e cor,uma maravilha... gosto mesmo de abrir aquela gaveta.
A quinta e última guardei para os sonhos, é uma gaveta com algum mistério ou não fossem os sonhos desejos contidos...
Convém estarem sempre cuidadas, tentando não misturar o seu conteúdo, sempre que abro uma, tenho depois o cuidado de a fechar, pois não convém deixar abertas, expostas ao pó e a olhares indiscretos.
Ah! já me esquecia...existe ainda outra , para aquelas coisas sem importância nenhuma e que nos fazem perder tanto tempo. Evito-a, mas às vezes ainda dou por mim a abri-la.
Nesta cidade com história, existe uma casa bonita, com um quarto colorido que tem um armário precioso cheio de gavetas forradas a veludo azul... da cor do céu.
Fê
Aquele olhar...
Olhei...
aquele olhar distante e triste
procurando uma migalha de ternura
naqueles que passam sem ver.
Uma vida que nada tem e nada pede
desistir assim tão facilmente
porque não vive em ninguém.
Para onde caminhamos,
se não vemos e não sentimos.
Porque não estendemos as mãos
para mudar...aquele olhar !
Fê
Sou uma gota de chuva.
Já foram escritos tantos textos, tantas canções e tantas palavras sobre a beleza da chuva
e mesmo assim aqui estou tentando descrever o sentimento que estes dias assim...de chuva, despertam em mim.
Não fico triste, fico talvez melancólica e penso que a vida tal como a chuva, escorre lentamente pelas vidraças molhando-as, para se evaporar de seguida com um dia de sol.
Sempre pensei que a vida não é importante pelo tempo que dura, mas pelo que fazemos com esse tempo.
Quando sei de alguém que parte cedo, pergunto-me sempre se apesar de a vida ser curta, ela foi bem preenchida e quando tenho essa certeza fico bem mais serena.
De que serve viver até aos noventa anos sem viver realmente, se os dias são sempre iguais sem nada para descobrir, sem nada para ver e aprender.
É desta realidade que tenho medo, de passar os dias sem nada aprender, sem nada fazer de útil para mim e para os outros.
Tal como a chuva que cai lá fora e escorre pela rua acabando por se diluir na água do mar, é assim que eu hoje me sinto :
Mais uma gota de muitas gotas de chuva escorrendo pelas vidraças.
Fê