UMA PORCARIA DE POETA
Steve Smulka
Poemas não vendem,
não cabem nas profundezas rasas
dos jormais
não combinam com o noticiário das oito
nem com coisas que diminuem
a imensidão das metáforas
e a fragilidade amarga da língua.
Para uns, são apenas hieróglifos dormindo,
Para outros, a palavra pulsante
entre a veia femural e a aorta.
Quanto a mim,
não se engane nunca:
não sou apenas um poema,
sou a própria poesia torta.
Karla Bardanza
Copyright © 2012 Karla Bardanza
ISTO APENAS
quando me adivinhavas,
eu era um poema inacabado,
um pedaço de metáfora
eternamente presa as
tuas entrelinhas.
não houve lamentos,
ou murmúrios quando
as mãos ficaram
levantadas para o ar.
as coisas derramam-se.
silêncio apenas.
agora que tudo me esquece
e eu pouco me lembro
das curvas das palavras.
abro a poesia inacabada
do que já deixou de ser,
buscando aconchego
nas coisas que ainda
podem ser ditas.
Mas, mesmo elas já
não podem sobreviver
a mim.
karla bardanza
QUANDO EU ME CASAR
Foto de Edouard Plongeon
Quando eu me casar, vai ser por amor. Não esse amor que seja infinito enquanto dure à la Vinícius. Não! O amor com as horas contadas está riscado da minha agenda, da minha história, dos meus retratos. Gosto de coisas grandiosas, de intensidades, de coisas que queimam e ardem. Amor que acaba logo depois do primeiro ensaio e do segundo erro é para quem tem tempo e eu já não tenho mais. Acho que nunca tive. Deve ser por isso que nunca casei antes.
Posso até ver tudo. Eu vou estar de branco: esse branco dos que possuem olhos de centelhas e mãos de delicadeza .Talvez, eu esteja apenas vestida de mim e com os pés descalços, pisando na suavidade do momento com graça e fé. Talvez Joe Sartriani esteja lá tocando Love Thing enquanto eu estiver atravessando o sonho com os cabelos apontando para o infinito. Tudo dependerá das nuvens e das árvores.
Entrarei neste casamento com os olhos fechados para não ver as imperfeições do outro e nem as minhas. Será melhor manter a boca sempre pronta para um beijo e a língua cheia de palavras guardadas no peito. As mãos estarão sempre abertas e dadivosas. Preciso de mais do que uma aliança no meu dedo: nele prenderei o amor como pipa. Sempre livre e à vontade.
Irei bem devagar, gozando, exercitando o desejo, o silêncio, a minha próspera verdade. Irei sozinha, olhando na direção do meu amado, nos olhos do meu amado, cabendo inteirinha no sonho dele e na minha poesia.
Vou prometer todas as coisas que o vento trouxer para dentro das flores: sementes e o eterno desaborochar. Vou prometer apenas a vida porque o amor verdadeiro é para além. Vou prometer o nosso bem, o nosso desafio e viagens para dentro da lua e quando eu estiver nua, vou prometer o que ninguém deve escutar.
Quando eu casar, algo estará no canto escuro do mar, abençoando o momento. Algo vai abrir a boca do tempo e eu passarei pelas alamedas com a minhas bagagens: uma filha, alguns gatos, uma cachorra, muitos livros e vários problemas para resolver.
E acima de tudo, quando eu casar, vai ser com você: com a pessoa certa, com o deus que irá acender as estrelas na minha testa e o sol nos meus seios, com aquele que saberá carregar os meus receios e as minhas malas com doçura e boa vontade.
E lá no fim do mundo, eu vou olhar para trás com saudade e já bem mais velha do que estou. Falarei sozinha então que faria tudo de novo pelo teu fogo, pelo teu mel. E depois de muitas eternidades e conflitos, vou te encontrar descalça mais uma vez,com a barba por fazer, lá no céu.
Karla Bardanza
Você está ouvindo Love Thing com Joe Sartriani
MAR QUASE POÉTICO
uma bala perdida me alcançou, rasgando tudo ou quase tudo que vai da alma ao coração. levantei sem pedir socorro. olhei apenas para o espelho em frente, querendo explicações e precedentes. viver é indecente quando a violência está na dor que nos escolhe, nos atos escusos da vida: senhora das traições.
não quero pensar neste vil momento, no vento destruidor, na minha covardia diante dos acontecimentos. estou doente dos olhos. não consigo mais olhar dentro de mim sem chorar, sem dissecar a desnobreza de tudo, sem ver a da faca enterrada todo dia no meu peito.
problemas caem das gavetas, a porta emperra, um medo berra feito louco nos meus bolsos: não posso mais nada de agora em diante. só as distantes estrelas negras me aguardam. e enquanto eu não descubro mais nada, tento buscar a noite no céu da minha boca porém, girar essa chave que me trava e me fechou para balanço quase dói.
cordialmente não aceito mais conceitos, dúvidas ou coisas sem nome.
estou trancada dentro da minha esquisitice. quando o meu coração voltar a crescer, vou entender como é ser gente grande.
por enquanto vou ficar por aqui sendo ridícula, esperando que o mar torne-se poético novamente.
karla bardanza
COMPLETA
é quase meia-noite
e a minha pele é um poema
morrendo dentro de alguma boca.
sinto estrelas nas veias negras,
ressuscito e revelo-me
em letras afogadas,
no nada infinitamente brando
que é apenas imagem.
a hora cai de pé,
dissolvendo o mundo
e
de mãos vazias,
nada tenho porque tenho
tudo.
karla bardanza
DO QUE AINDA RESTA
Um instante
dentro deste instante
para que as palavras
possam morrer de poesia
e renascer apenas
para a minha pupila
quase dilatada
de tanto nada.
Ela não sabe mas sofro
também. Não pelo que vivemos.
Vivemos muito pouco.
Sinto pelo que deixou de ser
quando ainda éramos.
Sinto pelo filho
que tanto querias.
Há dias que preciso
relembrar quem sou
e você ainda me dá
a justa medida da vida,
da poesia, de mim.
Teu coração ainda
respira dentro das palavras
que eram e sempre serão
minhas.
E eu lembro de ti
com gratidão,
com dor, com o ontem
molhando as mãos.
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Karla
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Karla Bardanza
Um ano de silêncio e o mundo ficou muito mais triste
sem a tua poesia, sem o teu coração ímpar
e patriótico, sem a vastidão da tua alma.
Das minhas poucas verdades
ainda ontem
eu senti.
e senti.
mudar a rota,
cliché que aborta,
um pouco de ódio
maturando
eu senti.
essa é quase eu.
poeta pela metade,
mulher que arde,
dias infinitos de luta.
puta saudade
de semear o amor.
eu ainda sei.
eu ainda sou.
palavras que me escolhem,
coisas que me fazem menor.
eu estou aqui
e nem disse ainda
a que vim.
de tudo
posso apenas dizer
uma única coisa:
eu senti.
karla bardanza
PROCURO ME ALIMENTAR DE GRÃOS APENAS PARA VOAR
Ultimamente tenho olhado o mundo com os olhos de pássaro. Deixo apenas o lado esquerdo da minha mente funcionar.Fico cheia de sentimento de árvore, de coisas lânguidas e macias dentro de mim. Quando sinto que estou chovendo, procuro me alimentar de grãos apenas para voar. Se as minhas asas molham e ficam pesadas demais para carregar, pinto os olhos de preto e me escondo em alguma floresta calada até que elas sequem e eu possa ser eterna mais uma vez.
Não posso conviver com esses sentimentos sem nome, não consigo ser sem o infinito. Preciso que as coisas aumentem, que as estrelas tracem rotas e ritos. Preciso dessas coisas abençoadas para chegar além.
Na verdade, quero desaprender a ser gente e voltar a ser criança. Quem sabe se eu engatinhar de novo, a vida possa ser redescoberta.
Karla Bardanza
HORAS COM CARA DE NOTA SUICIDA
O que me faz mal é a palavra na boca e o papel vazio, é o coração solitário cheio de luxúria, é o medo disfarçado de bicho solto. Nestas horas com cara de nota suicida, a vida incomoda, cospe em mim com tanta covardia que eu nem tenho coragem de revidar. Fico ilhada em minha sordidez e maldição com as mãos crispadas, com os olhos estilhaçados.
Tenho andado com o nervo exposto, com as lágrimas na pele, submersa em minha confusa confusão, esperando o julgamento dos Deuses enquanto me sinto um cão sem dono. Ando de um lado para o outro, esperando o meu próprio eclipse. Sou uma lua perdida pelos céus do ontem, amordaçada pelas nuvens, sem gravidade, sem gravidez.
Para onde vou dentro do labirinto de flores? Para onde vou quando tudo me faz morrer? Para onde vou quando tudo me faz não ser? Queimo em chamas frias, ardo em labaredas fracas: o meu fogo não me preserva das minhas próprias atrocidades e, enquanto caminho nas horas, esfaqueio a saudade.
Karla Bardanza
*Fotografia de Hannah Koch
CONSTATAÇÃO
volto por onde não fui,
andando com pernas
que esqueci no fundo das palavras
quando pisei em coisas precipitadas.
caminho com menos ousadia,
cheia de silêncios e exigências
arrastando o infinito nada.
daqui pra frente,
a rota é menos temida
porque eu cheguei aqui
e nada termina
sem que eu diga sim.
Karla Bardanza