Todos os Poetas

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Poeminha Do Contra
em 03/10/2011 17:13:47 (4245 leituras)
Mario Quintana

Todos estes que aí estão
Atravancando o meu caminho,
Eles passarão.
Eu passarinho!


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A Noite Dissolve os Homens
em 30/09/2011 01:35:39 (5402 leituras)
Carlos Drummond de Andrade

Não serei o poeta de um mundo caduco.
Também não cantarei o mundo futuro.
Estou preso à vida e olho meus companheiros.
Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças.
Entre eles, considero a enorme realidade.
O presente é tão grande, não nos afastemos.
Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.

Não serei o cantor de uma mulher, de uma história,
não direi suspiros ao anoitecer, a paisagem vista da janela,
não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida,
não fugirei para as ilhas nem serei raptado por serafins.
O tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens presentes,
a vida presente.


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Intervalo
em 28/09/2011 21:40:12 (2733 leituras)
Fernando Pessoa



Quem te disse ao ouvido esse segredo
Que raras deusas têm escutado -
Aquele amor cheio de crença e medo
Que é verdadeiro só se é segredado?...
Quem te disse tão cedo?

Não fui eu, que te não ousei dizê-lo.
Não foi um outro, porque não sabia.
Mas quem roçou da testa teu cabelo
E te disse ao ouvido o que sentia?
Seria alguém, seria?

Ou foi só que o sonhaste e eu te o sonhei?
Foi só qualquer ciúme meu de ti
Que o supôs dito, porque o não direi,
Que o supôs feito, porque o só fingi
Em sonhos que nem sei?

Seja o que for, quem foi que levemente,
A teu ouvido vagamente atento,
Te falou desse amor em mim presente
Mas que não passa do meu pensamento
Que anseia e que não sente?

Foi um desejo que, sem corpo ou boca,
A teus ouvidos de eu sonhar-te disse
A frase eterna, imerecida e louca -
A que as deusas esperam da ledice
Com que o Olimpo se apouca.


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Como encarar a morte
em 24/09/2011 16:12:13 (11343 leituras)
Carlos Drummond de Andrade

COMO ENCARAR A MORTE


De longe

Quatro bem-te-vis levam nos bicos
o batel de ouro e lápis-lazúli,
e pousando-o sobre uma acácia
cantam o canto costumeiro.

O barco lá fica banhado
de brisa aveludada, açúcar,
e os bem-te-vis, já esquecidos
de perpassar, dormem no espaço.


A meia distância

Claridade infusa na sombra,
treva implícita na claridade?
Quem ousa dizer o que viu,
se não viu a não ser em sonho?

Mas insones tornamos a vê-lo
e um vago arrepio vara
a mais íntima pele do homem.
A superfície jaz tranqüila.


De lado

Sente-se já, não a figura,
passos na areia, pés incertos,
avançado e deixando ver
um certo código de sandálias.

Salvo rosto ou contorno explícito,
como saber que nos procura
o viajante sem identidade?
Algum ponto em nós se recusa.


De dentro

Agora não se esconde mais.
Apresenta-se, corpo inteiro,
se merece nome de corpo
o gás de um estado indefinível.

Seu interior mostra-se aberto.
Promete riquezas, prêmios,
mas eis que falta curiosidade,
e todo ferrão de desejo.


Sem vista

Singular, sentir não sentindo
ou sentimento inexpresso
de si mesmo, em vaso coberto
de resina e lótus e sons.

Nem viajar nem estar quedo
em lugar algum do mundo, só
o não saber que afinal se sabe
e, mais sabido, mais se ignora.


"Como Encarar a Morte"
In Corpo - Record, 1984


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Canção da Primavera
em 19/09/2011 18:47:51 (9988 leituras)
Mario Quintana

Canção da Primavera


(Para Érico Veríssimo)


Primavera cruza o rio
Cruza o sonho que tu sonhas.
Na cidade adormecida
Primavera vem chegando.

Catavento enloqueceu,
Ficou girando, girando.
Em torno do catavento
Dancemos todos em bando.

Dancemos todos, dancemos,
Amadas, Mortos, Amigos,
Dancemos todos até
Não mais saber-se o motivo...

Até que as paineiras tenham
Por sobre os muros florido!


Mario Quintana; Canções, 1946


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Monólogo de Hamlet
em 16/09/2011 16:57:43 (18470 leituras)
William Shakespeare

Shakespeare
monólogo de hamlet

Ser ou não ser, eis a questão.
O que é mais nobre? Sofrer na alma
As flechas da fortuna ultrajante
Ou pegar em armas contra um mar de dores
Pondo-lhes um fim? Morrer, dormir
Nada mais; e por via do sono pôr ponto final
Aos males do coração e aos mil acidentes naturais
De que a carne é herdeira, num desenlace
Devotadamente desejado. Morrer! Dormir; dormir
Dormir, sonhar talvez: mas aqui está o ponto de interrogação;
Porque no sono da morte, que sonhos podem assaltar-nos
Uma vez fora da confusão da vida?
É isso que nos obriga a reflectir: é esse respeito
Que nos faz suportar por tanto tempo uma vida de agruras.
Pois quem suportaria as chicotadas e o escárnio do tempo
As injustiças do opressor, as afrontas dos orgulhosos,
A tortura do amor desprezado, as demoras da lei,
A insolência do oficial e os pontapés
Que o paciente mérito recebe do incompetente
Quando o próprio poderia gozar da quietude
Dada pela ponta de um punhal? Quem tais fardos suportaria
Preferindo gemer e suar sob o peso de uma vida fatigante
A não pelo medo de algo depois da morte
Esse país desconhecido de cujos campos
Nenhum viajante retornou, e que nos baralha a vontade
E nos faz suportar os males que temos
Em vez de voar para o que não conhecemos?
Assim a consciência nos faz a todos cobardes
E assim as cores nascentes da resolução
Empalidecem perante o frouxo clarão do pensamento
E os planos de grande alcance e actualidade
Por via desta perspectiva mudam de sentido
E saem do reino da acção.

William Shakespeare, 1564-1616, poeta e dramaturgo inglês, Hamlet


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4º Motivo da rosa
em 13/09/2011 15:54:34 (11852 leituras)
Cecília Meireles

4o. Motivo da rosa


Não te aflijas com a pétala que voa:
também é ser, deixar de ser assim.


Rosas verá, só de cinzas franzida,
mortas, intactas pelo teu jardim.


Eu deixo aroma até nos meus espinhos
ao longe, o vento vai falando de mim.


E por perder-me é que vão me lembrando,
por desfolhar-me é que não tenho fim.


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A bomba atômica
em 10/09/2011 19:13:21 (2877 leituras)
Vinícius de Moraes

A bomba atômica



e = mc2
EINSTEIN
Deusa, visão dos céus que me domina
. . . tu que és mulher e nada mais!
("Deusa", valsa carioca)


I

Dos céus descendo
Meu Deus eu vejo
De pára-quedas?
Uma coisa branca
Como uma forma
De estatuária
Talvez a forma
Do homem primitivo
A costela branca!
Talvez um seio
Despregado à lua
Talvez o anjo
Tutelar cadente
Talvez a Vênus
Nua, de clâmide
Talvez a inversa
Branca pirâmide
Do pensamento
Talvez o troço
De uma coluna
Da eternidade
Apaixonado
Não sei indago
Dizem-me todos
É A BOMBA ATÔMICA


Vem-me uma angústia


Quisera tanto
Por um momento
Tê-la em meus braços
E coma ao vento
Descendo nua
Pelos espaços
Descendo branca
Branca e serena
Como um espasmo
Fria e corrupta
De longo sêmen
Da Via-Láctea
Deusa impoluta
O sexo abrupto
Cubo de prata
Mulher ao cubo
Caindo aos súcubos
Intemerata
Carne tão rija
De hormônios vivos
Exacerbada
Que o simples toque
Pode rompê-la
Em cada átomo
Numa explosão
Milhões de vezes
Maior que a força
Contida no ato
Ou que a energia
Que expulsa o feto
Na hora do parto.



II


A bomba atômica é triste
Coisa mais triste não há
Quando cai, cai sem vontade
Vem caindo devagar
Tão devagar vem caindo
Que dá tempo a um passarinho
De pousar nela e voar . . .


Coitada da bomba atômica
Que não gosta de matar!
Coitada da bomba atômica
Que não gosta de matar
Mas que ao matar mata tudo
Animal e vegetal
Que mata a vida da terra
E mata a vida do ar
Mas que também mata a guerra . . .
Bomba atômica que aterra!
Bomba atônita da paz!


Pomba tonta, bomba atômica
Tristeza, consolação
Flor puríssima do urânio
Desabrochada no chão
Da cor pálida do hélium
E odor de rádium fatal
Lœlia mineral carnívora
Radiosa rosa radical.


Nunca mais oh bomba atômica
Nunca em tempo algum, jamais
Seja preciso que mates
Onde houve morte demais:
Fique apenas tua imagem
Aterradora miragem
Sobre as grandes catedrais:
Guarda de uma nova era
Arcanjo insigne da paz!



III


Bomba atômica, eu te amo! és pequenina
E branca como a estrela vespertina
E por branca eu te amo, e por donzela
De dois milhões mais bélica e mais bela
Que a donzela de Orleães; eu te amo, deusa
Atroz, visão dos céus que me domina
Da cabeleira loura de platina
E das formas aerodivinais
— Que és mulher, que és mulher e nada mais!
Eu te amo, bomba atômica, que trazes
Numa dança de fogo, envolta em gazes
A desagregação tremenda que espedaça
A matéria em energias materiais!
Oh energia, eu te amo, igual à massa
Pelo quadrado da velocidade
Da luz! alta e violenta potestade
Serena! Meu amor . . . desce do espaço
Vem dormir, vem dormir, no meu regaço
Para te proteger eu me encouraço
De canções e de estrofes magistrais!
Para te defender, levanto o braço
Paro as radiações espaciais
Uno-me aos líderes e aos bardos, uno-me
Ao povo ao mar e ao céu brado o teu nome
Para te defender, matéria dura
Que és mais linda, mais límpida e mais pura
Que a estrela matutina! Oh bomba atômica
Que emoção não me dá ver-te suspensa
Sobre a massa que vive e se condensa
Sob a luz! Anjo meu, fora preciso
Matar, com tua graça e teu sorriso
Para vencer? Tua enégica poesia
Fora preciso, oh deslembrada e fria
Para a paz? Tua fragílima epiderme
Em cromáticas brancas de cristais
Rompendo? Oh átomo, oh neurônio, oh germe
Da união que liberta da miséria!
Oh vida palpitando na matéria
Oh energia que és o que não eras
Quando o primeiro átomo incriado
Fecundou o silêncio das Esferas:
Um olhar de perdão para o passado
Uma anunciação de primaveras!


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Deixei de ser aquele que esperava
em 06/09/2011 15:37:48 (5593 leituras)
Fernando Pessoa



Deixei de ser aquele que esperava,
Isto é, deixei de ser quem nunca fui...
Entre onda e onda a onda não se cava,
E tudo, em ser conjunto, dura e flui.
A seta treme, pois que, na ampla aljava,

O presente ao futuro cria e inclui.
Se os mares erguem sua fúria brava
É que a futura paz seu rastro obstrui.

Tudo depende do que não existe.
Por isso meu ser mudo se converte
Na própria semelhança, austero e triste.

Nada me explica. Nada me pertence.
E sobre tudo a lua alheia verte
A luz que tudo dissipa e nada vence.


Fernando Pessoa.


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O Poeta
em 22/08/2011 14:18:04 (2834 leituras)
Vinícius de Moraes

I
Quantos somos, não sei...
Somos um, talvez dois, três, talvez, quatro;
cinco, talvez nada
Talvez a multiplicação de cinco em cinco mil
e cujos restos encheriam doze terras
Quantos, não sei... Só sei que somos muitos -
o desespero da dízima infinita
E que somos belos deuses mas somos trágicos.

Viemos de longe... Quem sabe no sono de Deus
tenhamos aparecido como espectros
Da boca ardente dos vulcões
ou da órbita cega dos lagos desaparecidos
Quem sabe tenhamos germinado misteriosamente
do sono cauterizado das batalhas
Ou do ventre das baleias quem sabe tenhamos surgido?

Viemos de longe - trazemos em nós o orgulho do anjo rebelado
Do que criou e fez nascer o fogo da ilimitada
e altíssima misericórdia
Trazemos em nós o orgulho de sermos úlceras
no eterno corpo de Jó
E não púrpura e ouro no corpo efêmero de Faraó.

Nascemos da fonte e viemos puros porque herdeiros do sangue
E também disformes porque - ai dos escravos!
não há beleza nas origens
Voávamos - Deus dera a asa do bem
e a asa do mal às nossas formas impalpáveis
Recolhendo a alma das coisas para o castigo
e para a perfeição na vida eterna.

Nascemos da fonte e dentro das eras vagamos
como sementes invisíveis
o coração dos mundos e dos homens
Deixando atrás de nós o espaço como a memória latente
da nossa vida anterior
Porque o espaço é o tempo morto -
e o espaço é a memória do poeta
Como o tempo vivo é a memória do homem sobre a terra.

Foi muito antes dos pássaros -
apenas rolavam na esfera os cantos de Deus
E apenas a sua sombra imensa cruzava o ar como um farol alucinado...
Existíamos já...
No caos de Deus girávamos como o pó prisioneiro da vertigem
Mas de onde viéramos nós e por que privilégio recebido?

E enquanto o eterno tirava da música vazia a harmonia criadora
E da harmonia criadora a ordem dos seres e da ordem dos seres o amor
E do amor a morte e da morte o tempo e do tempo o sofrimento
E do sofrimento a contemplação e da contemplação a serenidade ínperecível

Nós percorríamos como estranhas larvas a forma patética dos astros
Assistimos ao mistério da revelação dosTrópicos e dos Signos
Como, não sei... Éramos a primeira manifestação da divindade
Éramos o primeiro ovo se fecundando à cálida centelha.

Vivemos o inconsciente das idades
nos braços palpitantes dos ciclones
E as germinações da carne
no dorso descarnado dos luares
Assistimos ao mistério da revelação dos Trópicos e dos Signos
E a espantosa encantação dos eclipses e das esfinges.

Descemos longamente o espelho contemplativo
das águas dos rios do Éden
E vimos, entre os animais,
o homem possuir doidamente a fêmea sobre a relva
Seguimos… E quando o decurião feriu o peito de Deus crucificado
Como borboletas de sangue brotamos da carne aberta
e para o amor celestial voamos.

Quantos somos, não sei...
somos um, talvez dois, três, talvez quatro;
cinco, talvez, nada
Talvez a multiplicação de cinco mil
e cujos restos encheriam doze terras
Quantos, não sei…
Somos a constelação perdida que caminha largando estrelas
Somos a estrela perdida que caminha desfeita em luz.

II

E uma vez, quando ajoelhados assistíamos à dança nua das auroras
Surgiu do céu parado como uma visão de alta serenidade
Uma branca mulher de cujo sexo a luz jorrava em ondas
E de cujos seios corria um doce leite ignorado.

Oh, como ela era bela! era impura - mas como ela era bela!
Era como um canto ou como uma flor brotando ou como um cisne
Tinha um sorriso de praia em madrugada e um olhar evanescente
E uma cabeleira de luz como uma cachoeira em plenilúnio.

Vinha dela uma fala de amor irresistível
Um chamado como uma canção noturna na distância
Um calor de corpo dormindo e um abandono de onda descendo
Uma sedução de vela fugindo ou de garça voando.

E a ela fomos e a ela nos misturamos e a tivemos...
Em véus de neblina fugiam as auroras nos braços do vento
Mas que nos importava
se também ela nos carregava nos seus braços
E se o seu leite sobre nós escorria e pelo céu?

Ela nos acolheu, estranhos parasitas, pelo seu corpo desnudado
E nós a amamos e defendemos e nós no ventre a fecundamos
Dormíamos sobre os seus seios apoiados ao clarão das tormentas
E desejávamos ser astros para inda melhor compreendê-la.

Uma noite o horrível sonho
desceu sobre as nossas almas sossegadas
A amada ia ficando gelada e silenciosa -
luzes morriam nos seus olhos...
Do seu peito corria o leite frio
e ao nosso amor desacordada
Subiu mais alto e mais além,
morta dentro do espaço.

Muito tempo choramos
e as nossas lágrimas inundaram a terra
Mas morre toda a dor ante a visão dolorosa da beleza
Ao vulto da manhã sonhamos a paz e a desejamos
Sonhamos a grande viagem através da serenidade das crateras.

Mas quando as nossas asas vibraram no ar dormente
Sentimos a prisão nebulosa de leite envolvendo as nossas espécies
A Via Láctea - o rio da paixão correndo sobre a pureza das estrelas
A linfa dos peitos da amada que um dia morreu.

Maldito o que bebeu o leite dos seios da virgem
que não era mãe mas era amante
Maldito o que se banhou na luz
que não era pura mas ardente
Maldito o que se demorou na contemplação do sexo
que não era calmo mas amargo
O que beijou os lábios
que eram como a ferida dando sangue!

E nós ali ficamos, batendo as asas libertas,
escravos do misterioso plasma
Metade anjo, metade demônio,
cheios de euforia do vento e da doçura do cárcere remoto
Debruçados sobre a terra,
mostrando a maravilhosa essência da nossa vida
Lírios, já agora turvos lírios das campas,
nascidos da face lívida da morte.

III

Mas vai que havia por esse tempo nas tribos da terra
Estranhas mulheres de olhos parados e longas vestes nazarena
Que tinham o plácido amor nos gestos tristes e sereno
E o divino desejo nos frios lábios anelantes.

E quando as noites estelares fremiam nos campos sem lua
E a Via Láctea como uma visão de lágrimas surgia
Elas beijavam de leve a face do homem dormindo no feno
E saíam dos casebres ocultos, pelas estradas murmurantes.

E no momento em que a planície escura
beijava os dois longínquos horizontes
E o céu se derramava iluminadamente sobre a várzea
Iam as mulheres e se deitavam no chão paralisadas
As brancas túnicas abertas e o branco ventre desnudado.

E pela noite adentro elas ficavam, descobertas
O amante olhar boiando sobre a grande plantação de estrelas
No desejo sem fim dos pequenos seres de luz alcandorados
Que palpitavam na distância numa promessa de beleza.

E tão eternamente os desejavam e tão na alma os possuíam
Que às vezes desgravitados uns despenhavam-se no espaço
E vertiginosamente caíam numa chuva de fogo e de fulgores
Pelo misterioso tropismo subitamente carregados.

Nesse instante, ao delíquio de amor das destinadas
Num milagre de unção, delas se projetava à altura
Como um cogumelo gigantesco um grande útero fremente
Que ao céu colhia a estrela e ao ventre retornava.

E assim pelo ciclo negro da pálida esfera através do tempo
Ao clarão imortal dos pássaros de fogo cruzando o céu noturno
As mulheres, aos gritos agudos da carne rompida de dentro
Iam se fecundando ao amor puríssimo do espaço.

E às cores da manhã elas voltavam vagarosas
Pelas estradas frescas, através dos vastos bosques de pinheiros
E ao chegar, no feno onde o homem sereno inda dormia
Em preces rituais e cantos místicos velavam.

Um dia mordiam-lhes o ventre, nas entranhas -
entre raios de sol vinha tormenta…
Sofriam... e ao estridor dos elementos confundidos
Deitavam à terra o fruto maldito de cuja face transtornada
As primeiras e mais tristes lágrimas desciam.

Tinha nascido o poeta. Sua face é bela, seu coração é trágico
Seu destino é atroz; ao triste materno beijo mudo e ausente
Ele parte! Busca ainda as viagens eternas da origem
Sonha ainda a música um dia ouvida em sua essência.


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Vida e Obra
em 16/08/2011 21:47:53 (4545 leituras)
José Gomes Ferreira

José Gomes Ferreira nasceu no Porto, em 9 de Junho de 1900, faleceu em Lisboa, em 8 de Fevereiro de 1985. Foi um escritor e poeta português, filho do empresário e benemérito Alexandre Ferreira e pai do arquitecto Raul Hestnes Ferreira e do poeta Alexandre Vargas Ferreira.


Com quatro anos de idade mudou-se para a capital. O pai, Alexandre Ferreira, era um empresário que se fixou na actual zona do Lumiar, em Lisboa, tendo doado as suas propriedades para a construção da Casa de Repouso dos Inválidos do Comércio. José estudou nos liceus de Camões e de Gil Vicente, com Leonardo Coimbra, onde teve o primeiro contacto com a poesia. Colaborou com Fernando Pessoa, ainda muito jovem, num soneto para a revista Ressurreição .
A sua consciência política começou a florescer também ela cedo, sobretudo por influência do pai (democrata republicano). Licencia-se em Direito em 1924, tendo trabalhado posteriormente como cônsul na Noruega. Paralelamente seguiu uma carreira como compositor, chegando a ter a sua obra "Suite Rústica" estreada pela orquestra de David de Sousa.
Regressa a Portugal em 1930 e dedica-se ao jornalismo. Fez colaborações importantes tais como nas publicações Presença, Seara Nova, Descobrimento, Imagem, Sr.Doutor e Gazeta Musical e de Todas as Artes. Também traduziu filmes sob o pseudónimo de Gomes, Álvaro.
Inicia-se na poesia com o poema Viver sempre também cansa em 1931, publicado na revista Presença. Apesar de já ter feito algumas publicações nomeadamente os livros Lírios do Monte e Longe, foi só em 1948 que começou a publicação séria do seu trabalho, com Poesia I e Homenagem Poética a António Gomes Leal (colaboração).
Ganhou em 1961 o Grande Prémio da Poesia da Sociedade Portuguesa de Escritores, com Poesia III.
Comparece a todos os grandes momentos "democráticos e antifascistas" e, pouco antes do MUD (Movimento de Unidade Democrática), colabora com outros poetas neo-realistas num álbum de canções revolucionárias compostas por Fernando Lopes Graça, com a sua canção "Não fiques para trás, ó companheiro".
Em 1978 foi projectada em Lisboa pelo seu filho Raul Hestnes Ferreira a Escola Secundária de Benfica, que viria ser Escola Secundária de José Gomes Ferreira em sua homenagem.
Tornou-se Presidente da Associação Portuguesa de Escritores em 1978 e foi candidato em 1979, da APU (Aliança Povo Unido), por Lisboa, nas eleições legislativas intercalares desse ano. Associou-se ao PCP (Partido Comunista Português) em Fevereiro do ano seguinte. Foi condecorado pelo Presidente Ramalho Eanes como grande oficial da Ordem Militar de Santiago de Espada, recebendo posteriormente o grau de grande oficial da Ordem da Liberdade.
No ano em que foi homenageado pela Sociedade Portuguesa de Autores (1983), foi submetido a uma delicada intervenção cirúrgica. Veio a falecer dois anos depois, a 8 de Fevereiro de 1985, vítima de uma doença prolongada. Em 1990, o Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Jorge Sampaio, descerrou uma lápide de homenagem ao escritor, na Avenida Rio de Janeiro, sua última morada. Na ocasião discursou o escritor, pintor e amigo de José Gomes Ferreira, Mário Dionísio.
No ano do Centenário do nascimento do Poeta (1900 - 2000), a Videoteca da Câmara Municipal de Lisboa produziu um documentário biográfico sobre José Gomes Ferreira, intitulado Um Homem do Tamanho do Século, já exibido na RTP 2 e na RTP Internacional. Foi realizado por António Cunha (director da Videoteca), com uma magnífica interpretação do actor João Mota, dizendo diversos poemas de José Gomes Ferreira. Também a Pianista Gabriela Canavilhas participa no documentário, interpretando uma peça musical praticamente inédita, composta por Gomes Ferreira para piano.
Sinopse do documentário: A vida e obra de José Gomes Ferreira atravessam praticamente todo o século XX. "Até 2000 ainda espero…Depois desisto", dizia ele às vezes nas suas tertúlias de Amigos. Este documentário , integrado nas celebrações do centenário do nascimento do poeta (1900-2000) procura contribuir para ampliar o conhecimento desse Homem notável, de longos cabelos brancos, e condensar num filme a memória dessa figura tão singular da nossa Literatura

Poesia

"Lírios do Monte" - 1918
"Longe" - 1921
"Marchas, Danças e Canções" (colaboração) - 1946
"Poesia I" - 1948
"Homenagem Poética a Gomes Leal" (colaboração) - 1948
"Líricas" (colaboração) - 1950
"Poesia II" - 1950
"Eléctico" - 1956
"Poesia III" - 1962
"Poesia IV" - 1970
"Poesia V" - 1973
"Poeta Militante I, II e III" - 1978

Ficção

"O Mundo Desabitado" - 1960
"O Mundo dos Outros - histórias e vagabundagens" - 1950
"Os segredos de Lisboa" - 1962
"Aventuras Maravilhosas de João Sem Medo" - 1963
"O Irreal Quotidiano - histórias e invenções" - 1971
"Gaveta de Nuvens - tarefas e tentames literários" - 1975
"O sabor das Trevas - Romance-alegoria" - 1976
"Coleccionador de Absurdos" - 1978
"Caprichos Teatrais" - 1978
"O Enigma da Árvore Enamorada - Divertimento em forma de Novela quase Policial" - 1980
Crónicas
"Revolução Necessária" - 1975
"Intervenção Sonâmbula" - 1977

Memórias e Diários

"A Memória das Palavras - ou o gosto de falar de mim" - 1965
"Imitação dos Dias - Diário Inventado" - 1966
"Relatório de Sombras - ou a Memória das Palavras II" - 1980
"Passos Efémeros - Dias Comuns I" - 1990
"Dias Comuns"

Contos

"Contos" - 1958
"Tempo Escandinavo" - 1969

Ensaios e Estudos

"Guilherme Braga" (colaboração na "Perspectiva da Literatura Portuguesa do séc. XIX") - 1948
"Líricas" (colaboração) - 1950
"Folhas Caídas" de Almeida Garrett (introdução) - 1955
"Contos Tradicionais Portugueses" (colaboração na escolha e comentação; prefácio) - 1958
"A Poesia de José Fernandes Fafe" - 1963
"Situação da Arte" (colaboração) - 1968
"Vietnam (os escritores tomam posição)" (colaboração) - 1968
"José Régio" (colaboração no "In Memorium de José Régio") - 1970
"A Filha do Arcediago" de Camilo Castelo Branco (nota preliminar) - 1971
"Lisboa na Moderna Pintura Portuguesa" (colaboração) - 1971
"Uma Inútil Nota Preambular" de Aquilino Ribeiro (introdução a "Um Escritor confessa-se") - 1972

Traduções

"A Casa de Bernarda Alba" de Frederico Garcia Lorca (colaboração)
"O Livro das Mil e Uma Noites" - 1926

Discografia

"Poesia" - Philips - 1969 série "Poesia Portuguesa"
"Poesia IV" - Philips - 1971 série "Poesia Portuguesa"
"Poesia V" - Decca / Valentim de Carvalho - 1973 série "A Voz e o Texto"
"Entrevista 12 - José Gomes Ferreira" - Guilda da Música / Sassetti - 1973 série "Disco Falado"


*Fonte: wikipédia.


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Canto I
em 11/08/2011 22:09:14 (7391 leituras)
Jorge de Lima

Fundação da Ilha

I

Um barão assinalado
sem brasão, sem gume e fama
cumpre apenas o seu fado:
amar, louvar sua dama,
dia e noite navegar,
que é de aquém e de além-mar
a ilha que busca e amor que ama.

Nobre apenas de memórias,
vai lembrando de seus dias,
dias que são as histórias,
histórias que são porfias
de passados e futuros,
naufrágios e outros apuros,
descobertas e alegrias.

Alegrias descobertas
ou mesmo achadas, lá vão
a todas as naus alertas
de vaia mastreação,
mastros que apóiam caminhos
a países de outros vinhos.
Está é a ébria embarcação.

Barão ébrio, mas barão,
de manchas condecorado;
entre o mar, o céu e o chão
fala sem ser escutado
a peixes, homens e aves,
bocas e bicos, com chaves,
e ele sem chaves na mão.


II

A ilha ninguém achou
porque todos o sabíamos.
Mesmo nos olhos havia
uma clara geografia.

Mesmo nesse fim de mar
qualquer ilha se encontrava,
mesmo sem mar e sem fim,
mesmo sem terra e sem mim.

Mesmo sem naus e sem rumos,
mesmo sem vagas e areias,
há sempre um copo de mar
para um homem navegar.

Nem achada e nem não vista
nem descrita nem viagem,
há aventuras de partidas
porém nunca acontecidas.

Chegados nunca chegamos
eu e a ilha movediça.
Móvel terra, céu incerto,
mundo jamais descoberto.

Indícios de canibais,
sinais de céu e sargaços,
aqui um mundo escondido
geme num búzio perdido.

Rosa-de-ventos na testa,
maré rasa, aljofre, pérolas,
domingos de pascoelas.
E esse veleiro sem velas!

Afinal: ilha de praias.
Quereis outros achamentos
além dessas ventanias
tão tristes, tão alegrias?


III

E depois das infensas geografias
e do vento indo e vindo nos rosais
e das pedras dormidas e das ramas
e das aves nos ninhos intencionais
e dos sumos maduros e das chuvas
e das coisas contidas nessas coisas
refletidas nas faces dos espelhos
sete vezes por sete renegados,
reinventamos o mar com seus colombos,
e columbas revoando sobre as ondas,
e as ondas envolvendo o peixe, e o peixe
(ó misterioso ser assinalado),
com linguagem dos livros ignorada;
reinventamos o mar para essa ilha
que possui “cabos-não” a ser dobrados
e terras e brasis com boa aguada
para as naves que vão para o oriente.

E demos esse mar às travessias,
e aos mapas-múndi sempre inacabados;
e criamos o convés e o marinheiro
e em torno ao marinheiro a lenda esquiva
que ele quer povoar com seus selvagens.

Empreendemos com a ajuda dos acasos
as travessias nunca projetadas,
sem roteiros, sem mapas e astrolábios
e sem carta a El-Rei contando a viagem.
Bastam velas e dados de jogar
e o salitre nas vigas e o agiológio,
e a fé ardendo em claro, nas bandeiras.
O mais: A meia quilha entre os naufrágios
que tão bastantes varram os pavores.
O mais: Esse farol com o feixe largo
que tão unido varre a embarcação.
Eis o mar: era morto e renasceu.
Eis o mar: era pródigo e o encontrei.
Sua voz? Ó que voz convalescida!
Que lamúrias tão fortes nessas gáveas!
Que coqueiros gemendo em suas palmas!
Que chegar de luares e de redes!

Contemos uma história. Mas que história?
A história mal-dormida de uma viagem.


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Não chame o meu amor de idolatria
em 09/08/2011 14:00:00 (3974 leituras)
William Shakespeare

Soneto CV


Não chame o meu amor de Idolatria
Nem de Ídolo realce a quem eu amo,
Pois todo o meu cantar a um só se alia,
E de uma só maneira eu o proclamo.
É hoje e sempre o meu amor galante,
Inalterável, em grande excelência;
Por isso a minha rima é tão constante
A uma só coisa e exclui a diferença.
'Beleza, Bem, Verdade', eis o que exprimo;
'Beleza, Bem, Verdade', todo o acento;
E em tal mudança está tudo o que primo,
Em um, três temas, de amplo movimento.
'Beleza, Bem, Verdade' sós, outrora;
Num mesmo ser vivem juntos agora.


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Mãe
em 08/08/2011 13:43:05 (3913 leituras)
Miguel Torga

"Mãe:
Que desgraça na vida aconteceu,
Que ficaste insensível e gelada?
Que todo o teu perfil se endureceu
Numa linha severa e desenhada?

Como as estátuas, que são gente nossa
Cansada de palavras e ternura,
Assim tu me pareces no teu leito.
Presença cinzelada em pedra dura,
Que não tem coração dentro do peito.

Chamo aos gritos por ti — não me respondes.
Beijo-te as mãos e o rosto — sinto frio.
Ou és outra, ou me enganas, ou te escondes
Por detrás do terror deste vazio.

Mãe:
Abre os olhos ao menos, diz que sim!
Diz que me vês ainda, que me queres.
Que és a eterna mulher entre as mulheres.
Que nem a morte te afastou de mim!"


Miguel Torga, in 'Diário IV'


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Um dia...
em 06/08/2011 22:48:24 (4209 leituras)
Fernando Pessoa


“Um dia talvez compreendam que cumpri, como nenhum outro, o meu dever nato de intérprete de uma parte do nosso século; e quando o compreendam, hão-de escrever que na minha época fui incompreendido, que infelizmente vivi entre desafeições e friezas, e que é pena que tal me acontecesse.”


Prefácio em Autobiografia - Diário
Bernardo Soares “ O Livro do Desassossego”
Edição Alma Azul, Coimbra, Alcains, Outubro 2007


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Cruz na porta da tabacaria!
em 02/08/2011 17:15:48 (3773 leituras)
Fernando Pessoa


Cruz na porta da tabacaria!
Quem morreu? O próprio Alves? Dou
Ao diabo o bem-estar que trazia.
Desde ontem a cidade mudou.

Quem era? Ora, era quem eu via.
Todos os dias o via. Estou
Agora sem essa monotonia.
Desde ontem a cidade mudou.

Ele era o dono da tabacaria.
Um ponto de referência de quem sou
Eu passava ali de noite e de dia.
Desde ontem a cidade mudou.

Meu coração tem pouca alegria,
E isto diz que é morte aquilo onde estou.
Horror fechado da tabacaria!
Desde ontem a cidade mudou.

Mas ao menos a ele alguém o via,
Ele era fixo, eu, o que vou,
Se morrer, não falto, e ninguém diria.
Desde ontem a cidade mudou.

(14-10-1930)- Álvaro de Campos


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Palco da vida
em 28/07/2011 01:05:26 (8914 leituras)
Fernando Pessoa

Você pode ter defeitos, viver ansioso e ficar irritado algumas vezes,mas não se esqueça de que sua vida é a maior empresa do mundo. E você pode evitar que ela vá a falência. Há muitas pessoas que precisam, admiram e torcem por você. Gostaria que você sempre se lembrasse de que ser feliz não é ter um céu sem tempestade, caminhos sem acidentes, trabalhos sem fadigas, relacionamentos sem desilusões.
Ser feliz é encontrar força no perdão, esperança nas batalhas, segurança no palco do medo, amor nos desencontros. Ser feliz não é apenas valorizar o sorriso, mas refletir sobre a tristeza. Não é apenas comemorar o sucesso, mas aprender lições nos fracassos. Não é apenas ter júbilo nos aplausos, mas encontrar alegria no anonimato. Ser feliz é reconhecer que vale a pena viver, apesar de todos os desafios, incompreensões e períodos de crise. Ser feliz é deixar de ser vítima dos problemas e se tornar um autor da própria história. É atravessar desertos fora de si, mas ser capaz de encontrar um oásis no recôndito da sua alma. É agradecer a Deus a cada manhã pelo milagre da vida. Ser feliz é não ter medo dos próprios sentimentos. É saber falar de si mesmo. É ter coragem para ouvir um “não”. É ter segurança para receber uma crítica, mesmo que injusta. Ser feliz é deixar viver a criança livre, alegre e simples que mora dentro de cada um de nós. É ter maturidade para falar “eu errei”. É ter ousadia para dizer “me perdoe”. É ter sensibilidade para expressar “eu preciso de você”. É ter capacidade de dizer “eu te amo”.
É ter humildade da receptividade. Desejo que a vida se torne um canteiro de oportunidades para você ser feliz…
E, quando você errar o caminho, recomece.
Pois assim você descobrirá que ser feliz não é ter uma vida perfeita. Mas usar as lágrimas para irrigar a tolerância. Usar as perdas para refinar a paciência. Usar as falhas para lapidar o prazer. Usar os obstáculos para abrir as janelas da inteligência.
Jamais desista de si mesmo.
Jamais desista das pessoas que você ama.
Jamais desista de ser feliz, pois a vida é um obstáculo imperdível, ainda que se apresentem dezenas de fatores a demonstrarem o contrário.
“Pedras no caminho?
Guardo todas, um dia vou construir um castelo…”


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O Livro e a América
em 21/07/2011 13:30:56 (3286 leituras)
Castro Alves

O Livro e a América

Talhado para as grandezas,
Pra crescer, criar, subir,
O Novo Mundo nos músculos
Sente a seiva do porvir.
— Estatuário de colossos —
Cansado doutros esboços
Disse um dia Jeová:
"Vai, Colombo, abre a cortina
"Da minha eterna oficina...
"Tira a América de lá".

Molhado inda do dilúvio,
Qual Tritão descomunal,
O continente desperta
No concerto universal.
Dos oceanos em tropa
Um — traz-lhe as artes da Europa,
Outro — as bagas de Ceilão...
E os Andes petrificados,
Como braços levantados,
Lhe apontam para a amplidão.

Olhando em torno então brada:
"Tudo marcha!... Ó grande Deus!
As cataratas — pra terra,
As estrelas — para os céus
Lá, do pólo sobre as plagas,
O seu rebanho de vagas
Vai o mar apascentar...
Eu quero marchar com os ventos,
Corn os mundos... co'os
firmamentos!!!"
E Deus responde — "Marchar!"
>
"Marchar! ... Mas como?... Da Grécia
Nos dóricos Partenons
A mil deuses levantando
Mil marmóreos Panteon?...
Marchar co'a espada de Roma
— Leoa de ruiva coma
De presa enorme no chão,
Saciando o ódio profundo. . .
— Com as garras nas mãos do mundo,

— Com os dentes no coração?...
"Marchar!... Mas como a Alemanha
Na tirania feudal,
Levantando uma montanha
Em cada uma catedral?...
Não!... Nem templos feitos de ossos,
Nem gládios a cavar fossos
São degraus do progredir...
Lá brada César morrendo:
"No pugilato tremendo
"Quem sempre vence é o porvir!"

Filhos do sec’lo das luzes!
Filhos da Grande nação!
Quando ante Deus vos mostrardes,
Tereis um livro na mão:
O livro — esse audaz guerreiro
Que conquista o mundo inteiro
Sem nunca ter Waterloo...
Eólo de pensamentos,
Que abrira a gruta dos ventos
Donde a Igualdade vooul...

Por uma fatalidade
Dessas que descem de além,
O sec'lo, que viu Colombo,
Viu Guttenberg também.
Quando no tosco estaleiro
Da Alemanha o velho obreiro
A ave da imprensa gerou...
O Genovês salta os mares...
Busca um ninho entre os palmares
E a pátria da imprensa achou...

Por isso na impaciência
Desta sede de saber,
Como as aves do deserto
As almas buscam beber...
Oh! Bendito o que semeia
Livros... livros à mão cheia...
E manda o povo pensar!
O livro caindo n'alma
É germe — que faz a palma,
É chuva — que faz o mar.

Vós, que o templo das idéias
Largo — abris às multidões,
Pra o batismo luminoso
Das grandes revoluções,
Agora que o trem de ferro
Acorda o tigre no cerro
E espanta os caboclos nus,
Fazei desse "rei dos ventos"
— Ginete dos pensamentos,
— Arauto da grande luz! ...

Bravo! a quem salva o futuro
Fecundando a multidão! ...
Num poema amortalhada
Nunca morre uma nação.
Como Goethe moribundo
Brada "Luz!" o Novo Mundo
Num brado de Briaréu...
Luz! pois, no vale e na serra...
Que, se a luz rola na terra,
Deus colhe gênios no céu!...

Castro Alves


Do livro: "Poetas Românticos Brasileiros", vol. I, Editora Lumen, SP, s/ano


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Presença
em 16/07/2011 14:46:46 (8061 leituras)
Mario Quintana


É preciso que a saudade desenhe tuas linhas perfeitas,
teu perfil exato e que, apenas, levemente, o vento
das horas ponha um frêmito em teus cabelos...
É preciso que a tua ausência trescale
sutilmente, no ar, a trevo machucado,
as folhas de alecrim desde há muito guardadas
não se sabe por quem nalgum móvel antigo...
Mas é preciso, também, que seja como abrir uma janela
e respirar-te, azul e luminosa, no ar.
É preciso a saudade para eu sentir
como sinto - em mim - a presença misteriosa da vida...
Mas quando surges és tão outra e múltipla e imprevista
que nunca te pareces com o teu retrato...
E eu tenho de fechar meus olhos para ver-te.

Mario Quintana


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O Poeta
em 14/07/2011 15:16:09 (2829 leituras)
Kahlil Gibran

Sou um estrangeiro neste mundo.

Sou um estrangeiro, e há na vida do estrangeiro uma solidão pesada e um isolamento doloroso. Sou assim levado a pensar sempre numa pátria encantada que não conheço, e a sonhar com os sortilégios de uma terra longínqua que nunca visitei.

Sou um estrangeiro para minha alma. Quando minha língua fala, meu ouvido estranha-lhe a voz. Quando meu Eu interior ri ou chora, ou se entusiasma, ou treme, meu outro Eu estranha o que ouve e vê, e minha alma interroga minha alma. Mas permaneço desconhecido e oculto, velado pelo nevoeiro, envolto no silêncio.

Sou um estrangeiro para o meu corpo. Todas as vezes que me olho num espelho, vejo no meu rosto algo que minha alma não sente, e percebo nos meus olhos algo que minhas profundezas não reconhecem.

Quando caminho nas ruas da cidade, os meninos me seguem gritando: “Eis o cego, demos-lhe um cajado que o ajude.” Fujo deles. Mas encontro outro grupo de moças que me seguram pelas abas da roupa, dizendo: “É surdo como a pedra. Enchamos seus ouvidos com canções de amor e desejo.” Deixo-as correndo. Depois, encontro um grupo de homens que me cercam, dizendo: “É mudo como um túmulo, vamos endireitar-lhe a língua.” Fujo deles com medo. E encontro um grupo de anciãos que apontam para mim com dedos trêmulos, dizendo: “É um louco que perdeu a razão ao freqüentar as fadas e os feiticeiros.”

Sou um estrangeiro neste mundo.

Sou um estrangeiro e já percorri o mundo do Oriente ao Ocidente sem encontrar minha terra natal, nem quem me conheça ou se lembre de mim.

Acordo pela manhã, e acho-me prisioneiro num antro escuro, freqüentado por cobras e insetos. Se sair à luz, a sombra de meu corpo me segue, e as sombras de minha alma me precedem, levando-me aonde não sei, oferecendo-me coisas de que não preciso, procurando algo que não entendo. E quando chega a noite, volto para a casa e deito-me numa cama feita de plumas de avestruz e de espinhos dos campos.

Idéias estranhas atormentam minha mente, e inclinações diversas, perturbadoras, alegres, dolorosas, agradáveis. À meia-noite, assaltam-me fantasmas de tempos idos. E almas de nações esquecidas me fitam. Interrogo-as, recebendo por toda resposta um sorriso. Quando procuro segura-las, fogem de mim e desvanecem-se como fumaça.

Sou um estrangeiro neste mundo.

Sou um estrangeiro e não há no mundo quem conheça uma única palavra do idioma de minha alma...

Caminho na selva inabitada e vejo os rios correrem e subirem do fundo dos vales ao cume das montanhas. E vejo as árvores desnudas se cobrirem de folhas num só minuto. Depois, suas ramas caem no chão e se transformam em cobras pintalgadas.

E as aves do céu voam, pousam, cantam, gorgeiam e depois param, abrem as asas e viram mulheres nuas, de cabelos soltos e pescoços esticados. E olham para mim com paixão e sorriem com sensualidade. E estendem suas mãos brancas e perfumadas. Mas, de repente, estremecem e somem como nuvens, deixando o eco de risos irônicos.

Sou um estrangeiro neste mundo.

Sou um poeta que põe em prosa o que a vida põe em versos, e em versos o que a vida põe em prosa. Por isto, permanecerei um estrangeiro até que a morte me rapte e me leve para minha pátria.



(Extraído de “Temporais”)


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Vida e Obra
em 08/07/2011 14:49:13 (2897 leituras)
Oswald de Andrade

Senhor
Que eu não fique nunca
Como esse velho inglês
Aí do lado
Que dorme numa cadeira
À espera de visitas que não vêm

(Primeiro caderno do aluno de poesia)



Em 11 de janeiro de 1890 nasce em São Paulo José Oswald de Sousa Andrade, filho único de José Oswald Nogueira de Andrade e Inês Henriqueta Inglês de Sousa Andrade.

Inicia seus estudos, em 1900, na Escola Modelo Caetano de Campos, ainda marcado pelo fato de haver presenciado a mudança do século.

Em 1901, vai para o Ginásio Nossa Senhora do Carmo. Tem como colega Pedro Rodrigues de Almeida, o “João de Barros” do”Perfeito Cozinheiro das Almas desse mundo...”.

Em 1903, transfere-se para o Colégio São Bento. Lá tem como colega o futuro poeta modernista Guilherme de Almeida.

Em 1905, com o São Paulo em ebulição — surge o bonde elétrico, o rádio, a propaganda, o cinema — participa da roda literária de Indalécio Aguiar da qual faz parte o poeta Ricardo Gonçalves.

Em 1908, conclui os estudos no Colégio São Bento com o diploma de Bacharel em Humanidades.

De família abastada, Oswald, em 1909 inicia sua vida no jornalismo como redator e crítico teatral do “Diário Popular”, assinando a coluna "Teatro e Salões". Ingressa na Faculdade de Direito.

Em 1910, monta um atelier com o pintor Oswaldo Pinheiro, no Vale do Anhangabaú. Conhece o Rio de Janeiro, e fica hospedado na residência de seu tio, o escritor Inglês de Souza. Passa o primeiro Natal longe da família em Santos, numa hospedaria de carroceiros das docas.

No ano seguinte, com a ajuda financeira de sua mãe, funda “O Pirralho”, cujo primeiro número é lançado em 12 de agosto, tendo como colaboradores Amadeu Amaral, Voltolino, Alexandre Marcondes, Cornélio Pires e outros. Conhece o poeta Emílio de Meneses, de quem se torna amigo. Lança a campanha civilista em torno de Ruy Barbosa. Passa uma temporada em Baependi, Minas, nas terras da família de seu avô.

Em 1912, viaja à Europa. Visita vários países: Itália, Alemanha, Bélgica, Inglaterra, França, Espanha. Conhece durante a viagem a jovem dançarina Carmen Lydia, (Helena Carmen Hosbale) que Oswald batiza em Milão. Morre em São Paulo sua mãe, no dia 6 de setembro. Retorna ao Brasil, trazendo a estudante francesa Kamiá (Henriette Denise Boufflers). Reassume sua atividade de redator de “O Pirralho”, onde publica crônicas em português macarrônico com o pseudônimo de Annibale Scipione.

No ano seguinte, participa das reuniões da Vila Kirial e conhece o artista plástico Lasar Segall. Escreve “A recusa”, drama em três atos.

Nasce o seu filho, José Oswald Antônio de Andrade (Nonê), com Kamiá, em 1914. Torna-se Bacharel em Ciências e Letras pelo Colégio São. Bento, onde foi aluno do abade Sentroul. Cursa Filosofia no Mosteiro de São Bento.

Em 1915, participa do almoço em homenagem a Olavo Bilac, promovido pelos estudantes da Faculdade de Direito. Torna-se membro da Sociedade Brasileira dos Homens de Letras, fundada em São Paulo por Bilac. Chega ao Brasil a dançarina Carmen Lydia, com quem mantém um barulhento namoro. Faz viagens constantes de trem ao Rio a negócio ou para acompanhar Carmen Lydia.

No ano seguinte, publica em “A Cigarra” o primeiro capítulo — e, depois, lança, com Guilherme de Almeida, as peças teatrais “Theatre Brésilien — Mon Coeur Balance” e “Leur Âme”, pela Typographie Asbahr. Faz a leitura das peças em vários salões literários de São Paulo, na Sociedade Brasileira de Homens de Letras, no Rio de Janeiro e na redação “A Cigarra”. Publica trechos de “Memórias Sentimentais de João Miramar” na “A Cigarra” e na “A Vida Moderna”. Sofre de artritismo. A atriz Suzanne Després recita no Municipal trechos de “Leur Âme”. Passa a colaborar regularmente em “A Vida Moderna”, que publica em 24 de maio, cenas de “Leur Âme”. Volta a estudar Direito, cujo curso havia interrompido em 1912. Recebe o convite de Valente de Andrade para fazer parte do “Jornal do Comércio”, edição de São Paulo e em 1º de novembro começa seu trabalho como redator. Redator social de “O Jornal”. Passa temporada com a família em Lambari (MG). Veraneia em São Vicente (SP). Vai regularmente a Santos, em companhia de Carmen Lydia. Continua a viajar intermitentemente ao Rio. Naquela cidade freqüenta a roda literária de Emílio de Meneses, João do Rio, Alberto de Oliveira, Eloi Pontes, Olegário Mariano, Luis Edmundo, Olavo Bilac, Oscar Lopes e outros. Passa temporada em Aparecida do Norte. Está escrevendo o drama “O Filho do Sonho”.

Em 1917, conhece Mário de Andrade. Defende a pintora Anita Malfatti das críticas violentas feitas por Monteiro Lobato ("A exposição de Anita Malfatti", no “Jornal do Comércio”, São Paulo, 11/01/1918). Participa do primeiro grupo modernista com Mário de Andrade, Guilherme de Almeida, Ribeiro Couto e Di Cavalcanti. De 1917 a 1922 escreve regularmente no “Jornal do Comércio”.

Trabalha em “A Gazeta”, em 1918. Começa a compor “O perfeito cozinheiro das almas desse mundo...”, diário coletivo escrito em colaboração com Maria de Lourdes Castro Dolzani de Andrade (Miss Cyclone), Guilherme de Almeida, Monteiro Lobato, Leo Vaz, Pedro Rodrigues de Almeida, Inácio Pereira da Costa, Edmundo Amaral e outros. Fecha a revista “O Pirralho”.

Em 1919 é o orador do “Centro Acadêmico XI de Agosto” da Faculdade de Direito. Pronuncia a palestra "Árvore da Liberdade". Bacharel em Direito, é escolhido orador da turma. Morre seu pai, em fevereiro. Casa-se, “in extremis”, com Maria de Lourdes Castro Dolzani de Andrade (Miss Cyclone). Publica no jornal dos estudantes da Faculdade de Direito, “XI de Agosto”, três capítulos de “Memórias Sentimentais de João Miramar”.

No ano seguinte edita “Papel e Tinta”, assinando com Menotti del Picchia o editorial e escrevendo regularmente para o periódico. Descobre o escultor Brecheret. Escreve em “A Raposa” artigo elogiando Brecheret com texto ilustrado com fotos de trabalhos do artista.

1921 – Em julho, publica artigo sobre o poeta Alphonsus de Guimarães, ressaltando a forma de expressão, no seu entender, precursora da linguagem modernista. (“Jornal do Comércio” (SP), 07/1921). Faz a saudação a Menotti del Picchia no banquete oferecido para políticos e poetas no Trianon. Revela Mário de Andrade poeta, em polêmico artigo "O meu poeta futurista". Principia a colaboração do “Correio Paulistano” até 1924. Participa da caravana de jovens escritores paulistas ao Rio de Janeiro, a fim de fazer propaganda do Modernismo. Torna-se o líder dessa campanha preparatória para a Semana de Arte Moderna. Toma aula de boxe com o antigo pugilista suíço Delaunay.

Em 1922, participa da Semana de Arte Moderna no Teatro Municipal de São Paulo. Faz conferência, em 18 de setembro, comemorativa ao centenário da Bandeira Nacional. É um dos participantes do grupo da revista “Klaxon”, onde colabora. Integra o grupo dos cinco com Mário de Andrade, Anita Malfatti, Tarsila do Amaral e Menotti del Picchia. É escolhido como orador do banquete oferecido em homenagem ao escritor português Antonio Ferro, por ocasião de sua visita ao Brasil, no Automóvel Clube do Brasil (São Paulo). Publica “Os Condenados”, com capa de Anita Malfatti, primeiro romance de “A trilogia do exílio”. Viaja a negócios ao Rio. Em dezembro embarca para a Europa. Começa sua amizade com Tarsila.

No ano seguinte, ganha na justiça a custódia do seu filho Nonê. Faz viagem a Portugal e Espanha, com passagem pelo Senegal, acompanhado de Tarsila. Matricula seu filho no Licée Jaccard em Lausanne, Suiça. Reside em Paris até agosto, no atelier de Tarsila. No dia 23 abril, participa do almoço oferecido pelo embaixador na França a intelectuais franceses. Em 11 de maio pronuncia a Conferência “L'effort intellectuel du Brésil contemporain”, na Universidade de Sorbonne. No dia 28 de maio, conhece o poeta Blaise Cendrars. Em agosto, goza as férias de verão com Tarsila na Itália, em Veneza. Assiste entusiasmado o bailado negro de Blaise Cendrars, com música de Darius Milhaud e cenários de Fernand Léger, apresentado pelo Ballets Suédois, no Teatro dos Champs-Elyseés. Visita a exposição de Arte Negra, no Museu de Artes Decorativas. Reescreve “João Miramar”. Em julho, faz conferência em Lisboa. Em Paris, de volta ao Brasil, é homenageado com um banquete pela Sociedade Amis des Lettres Françaises, sendo saudado pela presidente do grupo Mme.Rachilde. Retorna ao Brasil no final do ano.

Em 1924, no dia 18 de março publica no “Correio da Manhã” o “Manifesto da Poesia Pau Brasil”. Toma parte na excursão ao carnaval do Rio de Janeiro e à Minas com outros intelectuais brasileiros e do poeta Blaise Cendrars, chamada de “Caravana Modernista”. Em Minas Gerais, recebidos por Aníbal Machado, Pedro Nava e Carlos Drummond de Andrade, excursionam pelas cidades históricas. No “Correio Paulistano”, publica o artigo “Blaise Cendrars — Um mestre da sensibilidade contemporânea". Participa do V Ciclo de Conferência da Vila Kyrial falando sobre "os ambientes intelectuais da França". Publica “Memórias Sentimentais de João Miramar”, com capa de Tarsila. Faz uma leitura do “Serafim Ponte Grande”, em casa de Paulo Prado para uma platéia de amigos modernistas. Viaja à Europa. Em 20 de novembro faz viagem à Espanha (Medina e Salamanca), de passagem para Suíça. Monta com Tarsila um novo apartamento em Paris, conservando este endereço até 1929. Passa o Natal com Tarsila na casa de campo do poeta Blaise Cendrars em Tremblay-sur-Mauldre.

Visita seu filho na Suíça, em março de 1925. Em fevereiro e março faz curso de inglês na Berlitz School, em Paris. Assiste ao festival Satie, em Paris. Em maio, viaja ao Brasil. Participa do jantar na Vila Fortunata (casa de René Thiollier) em homenagem a D.Olivia Guedes Penteado. Volta à Europa, passando em Lisboa. Em julho vai a Deauville para alguns dias de férias. Publica em Paris pela editora Au Sans Pareil o livro de poemas “Pau Brasil”. Em agosto retorna ao Brasil. Candidata-se à Academia Brasileira de Letras. Oficializa o noivado com Tarsila do Amaral. Faz nova viagem à Europa. Com Tarsila, passa novamente o final do ano em Le Tremblay-sur- Mauldre, residência de campo de Cendrars.

Em janeiro e fevereiro do ano seguinte viaja ao Oriente, em companhia de Tarsila, de seu filho, de Dulce (filha de Tarsila), do escritor Cláudio de Souza, do governador de São Paulo Altino Arantes. Visita cidades da Grécia, Turquia, Israel e Egito. Em 05 de maio é recebido com outros brasileiros em audiência pelo papa, a fim de tentarem a anulação do casamento de Tarsila. Permanece em Paris, com Tarsila, ajudando-a nos preparativos para a exposição na Galérie Percier. Chega ao Brasil em 16 de agosto. Casa-se com Tarsila do Amaral, em 30 de outubro, em cerimônia paraninfada pelo Presidente Washington Luis. Publica na “Revista do Brasil” o prefácio de “Serafim Ponte Grande”,primeira versão, "Objeto e fim da presente obra". Divulga em “Terra Roxa e Outras Terras” a "Carta Oceânica", prefácio ao livro “Pathé Baby” de Antônio de Alcântara Machado e um trecho do “Serafim Ponte Grande”. Viaja a Cataguazes (MG), mantém contato com o Grupo da Verde.

Publica, em 1927, “A Estrela de Absinto”, segundo romance de “A trilogia do exílio”, pela Editora Helios com capa de Brecheret. Publica “Primeiro Caderno de Poesia do Aluno Oswald de Andrade”, ilustrado pelo autor, com capa de Tarsila. Começa no “Jornal do Comércio” a coluna "Feira das Quintas". Participa do jantar literário em homenagem a Paulo Prado, em abril na Vila Fortunata. Permanece uma temporada, de junho até agosto, em Paris para a exposição de Tarsila, voltando ao Brasil faz escala na Bahia. Abre escritório comercial na Praça do Patriarca. 20. Disputa o prêmio romance, patrocinado pela Academia Brasileira de Letras, com “A Estrela de Absinto”, que obteve menção honrosa. Publica trechos de “Serafim Ponte Grande” na revista “Verde”.

Em 1928, lê o “Manifesto Antropófago” para amigos na casa de Mário de Andrade. Publica o “Manifesto Antropófago” na “Revista de Antropofagia”, que ajuda a fundar, com os amigos Raul Bopp e Antônio de Alcântara Machado. Viaja à Bahia. Viaja à Europa, regressando no mesmo ano, com passagem por Lisboa. Fica em Paris nos meses de junho e julho para a 3ª exposição de Tarsila.

No ano seguinte, volta ao Rio para a exposição de Tarsila, com Anita Malfatti, Waldemar Belisário, Patricia Galvão. Está em Paris em julho. Entra em contato com Benjamin Péret que mora no Brasil até 1931. Hospeda na sua fazenda — Santa Tereza do Alto — o filósofo alemão Hermann Keyserling e a dançarina Josephine Baker. É expulso do Congresso de Lavradores, realizado no Cinema República (SP) por propor um acordo com o trabalhador do campo. Separa-se de Tarsila do Amaral. Rompe com Mário de Andrade e Paulo Prado. Viaja à Bahia com Pagú.

No dia 1º de abril de 1930 casa-se com Patricia Galvão (Pagu) numa cerimônia pouco convencional. O acontecimento foi simbólico, realizado no Cemitério da Consolação, em São Paulo. Mais tarde, se retrataram na igreja. Escreve "A casa e a língua", em defesa da arquitetura de Warchavchik. Nasce seu filho Rudá Poronominare Galvão de Andrade com a escritora Patrícia Galvão (Pagú). É preso pela polícia do Rio de Janeiro, por ameaçar o antigo amigo, poeta Olegário Mariano.

Em 1931, escreve “O mundo político”.Tem um encontro com Luis Carlos Prestes em Montevidéu, que muda o rumo político do escritor Oswald. Começa a escrever ensaios políticos, geralmente sobre a situação e os problemas do operário. Funda com Queiroz Lima e Pagú “O Homem do Povo”. Publica o “Manifesto Ordem e Progresso”. Engaja-se no Partido Comunista.

No ano seguinte, redige o prefácio definitivo de “Serafim Ponte Grande”.

Em 1933, pronuncia conferência — “O Vosso Sindicato” — no sindicato dos padeiros de São Paulo. Publica “Serafim Ponte Grande”. Patrocina a publicação de “Parque Industrial”, romance de Pagú.

No ano seguinte, deixa Pagú e une-se à pianista Pilar Ferrer. Publica “A Escada Vermelha”, terceiro romance de “A trilogia do exílio”, e “O Homem e o Cavalo”, com capa de seu filho, Oswald de Andrade Filho. Lê cenas da peça “O Homem e o Cavalo” no Teatro de Experiência de Flávio de Carvalho. Programada a apresentação dessa peça, o teatro, é interditado pela polícia. No dia 24 de dezembro, assina contrato ante-nupcial em regime de separação de bens com Julieta Bárbara Guerrini.

Em 1935, compra uma serraria. Com sua mulher Julieta, acompanha C. Levis-Strauss em excursão até Foz do Iguaçu. Escreve sátira política para “A Platéia”. Faz parte do movimento artístico cultural “Quarteirão”. Está fichado na polícia civil do Ministério da Justiça, sob o nº 70, como subversivo.

No ano seguinte, publica na revista “XI de agosto”, "Página de Natal" do Marco Zero. Conclui o poema “O Santeiro do Mangue”, 1ª versão, dedicado criticamente a Jorge de Lima e Murilo Mendes. Empenha um cordão de ouro na casa Leão da Silva Ltda. Em dezembro casa-se com a escritora Julieta Bárbara Guerrini, tendo como padrinho o jornalista Casper Líbero, o pintor Portinari e uma irmã da noiva, Clotilde. Passa a residir no Rio de Janeiro, na Av. Atlântica e em São Paulo na Rua Júlio de Mesquita.

Escreve “O país da sobremesa”, em 1937. É feita uma tentativa de encenação da peça “O Rei da Vela” pela Companhia de Álvaro Moreyra. Atua na Frente Negra Brasileira. Escreve na revista “Problemas” (São Paulo). Publica “A Morta” e “O Rei da Vela”. No Rio de Janeiro, a edição de “Serafim Ponte Grande” é dada como esgotada.

Em 1938, publica o trecho "A vocação" da série “Marco Zero: IV”, “A presença do Mar”. Está ligado ao Sindicato de Jornalista de São Paulo, matrícula nº 179. Redige “Análise de dois tipos de ficção”.

No dia 16 de fevereiro de 1939, Oswald ingressa no Pen Club do Brasil. Em agosto viaja à Europa, com sua mulher Julieta, para participar do Congresso do Pen Club, em Estocolmo, que não se realizou por causa da guerra. Retorna pelo navio cargueiro Angola. Publica no jornal “Meio Dia” as colunas "Banho de Sol" e "De literatura". É o representante do jornal “Meio Dia” em São Paulo. Escreve para o “Jornal da Manhã” (SP) uma série de reportagens sobre personalidades importantes da vida política, econômica e social de São Paulo. Passa uma temporada em Águas de São Pedro, perto de Piracicaba (SP), em tratamento de saúde.

Escreve “O lar do operário”. Candidata-se à Academia Brasileira de Letras pela segunda vez, enviando uma carta aberta aos imortais, em 1940.

Em 1941, monta um escritório de imóveis na rua Marconi, com Nonê, o filho mais velho.

No ano de 1942, expõe trabalhos de pintura na Sala dos Intelectuais, no VII Salão do Sindicato dos Artistas Plásticos de São Paulo. Publica “Cântico dos Cânticos para Flauta e Violão”, dedicado à sua futura mulher, Maria Antonieta d’Alkmin. Lança, em 2ª edição pela Globo, “Os Condenados”, com capa de Koetz.

Publica “Marco Zero: I A revolução melancólica”, pela José Olympio, capa de Santa Rosa. Começa a publicar no “Diário de S.Paulo” a coluna "Feira das Sextas". Casa-se com Maria Antonieta d'Alkmin, em 1943.

Em 1944, pronuncia na Faculdade de Direito a conferência "Fazedores da América", publicada no “Diário de S.Paulo” em 31/10/1944. Inicia a série “Telefonema”, publicada no “Correio da Manhã”, até 1954. Viaja a Belo Horizonte, com uma caravana de intelectuais e faz uma conferência na Exposição de Arte Moderna, organizada pelo Prefeito Juscelino Kubstichek.

No ano seguinte escreve "O sentido da nacionalidade no Caramuru e no Uruguai". Publica "A Arcádia e a inconfidência", tese apresentada à cadeira de literatura brasileira da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo, na qual o biografado é livre-docente.em Literatura Brasileira. Nasce sua filha Antonieta Marília. Reúne no volume “Ponta de Lança” artigos esparsos. Publica "A sátira na poesia brasileira", conferência pronunciada na Biblioteca Pública Municipal de São Paulo. Participa do Congresso de Escritores em São Paulo. Publica “Poesias Reunidas - Oswald de Andrade”, editora. Gazeta e “Marco Zero: II — Chão”, pela José Olympio. Faz a saudação a Pablo Neruda em visita ao Brasil. Inicia a organização da Ala Progressista Brasileira, programa de conciliação nacional. Lança um manifesto ao "Povo de São Paulo, Trabalhadores de São Paulo. Homens livres de São Paulo". Escreve o "Canto do Pracinha só". Rompe com o Partido Comunista do Brasil e Luis Carlos Prestes, seu secretário geral. Publica na “Gazeta de Limeira”, conferência pronunciada em Piracicaba intitulada "A lição da inconfidência".

Em 1946, publica “O Escaravelho de Ouro” (poesia). Assina contrato com o governo de São Paulo para a realização da obra "O que fizemos em 25 anos", espécie de levantamento da vida nacional, em todos os setores da atividade técnica e social à literária e artística. Profere conferência sob o título "Informe sobre o modernismo". Apresenta o escritor norte-americano Samuel Putnam, em visita ao Brasil, na Escola de Sociologia e Política (São Paulo). Participa em Limeira (SP) do Congresso de Escritores.

Candidata-se a delegado regional da Associação Brasileira de Escritores e perde a eleição. Envia bilhete-aberto ao Presidente da Seção Estadual, escritor Sérgio Buarque de Holanda, protestando e desligando-se da Associação, em 1947.

Em 1948, pronuncia em Bauru a conferência "O sentido do interior". Nasce seu filho Paulo Marcos.

Publica na revista Anhembi o texto "O modernismo", em 1949. Profere conferência no Centro de Debates Casper Líbero: "Civilização e dinheiro", e no Museu de Arte de São Paulo, “Novas dimensões da poesia". Realiza excursão a Iguape, com Albert Camus, para assistir às tradicionais festas do Divino. É encarregado de apresentar e saudar o escritor francês de passagem por São Paulo para fazer conferências. Escreve a coluna "3 linhas e 4 verdades" na “Folha de S.Paulo”, até 1950. Profere nova conferência na Faculdade de Direito em homenagem a Rui Barbosa.

Em 1950, escreve “O antropófago”. É homenageado com um banquete, no Automóvel Clube, pela passagem do 60º aniversário, saudado por Sérgio Milliet. Participa de concurso para provimento da Cadeira de Filosofia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo, ocasião em que defende a tese "A crise da filosofia messiânica", sem êxito. Candidata-se a deputado federal pelo PRT, com o seguinte slogan: “Pão – Teto – Roupa – Saúde – Instrução”. Pronuncia as seguintes conferências: "A arte moderna e a arte soviética", "Velhos e novos livros atuais". Redige "Um aspecto antropofágico da cultura brasileira — o homem cordial" para o 1º Congresso Brasileiro de Filosofia. Apresenta a versão definitiva de “O Santeiro do Mangue”.

Escreve, em 1952, “Introdução à antropofagia”. Profere discurso de saudação em homenagem a Josué de Castro, representante da ONU, por iniciativa da Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo. Escreve o artigo "Dois emancipados: Júlio Ribeiro e Inglês de Souza".

É membro da Comissão Julgadora do Salão Letras e Artes Carmen Dolores, em 1953. Saudou o escritor José Lins do Rego, pelo prêmio recebido em torno do romance “Cangaceiros”, patrocinado pelo Salão de Letras e Artes Carmen Dolores Barbosa. Começa a publicar a série “A Marcha das Utopias” no jornal “O Estado de S.Paulo”. Tenta em vão vender sua coleção de quadros.

Em 1954, escreve o ensaio “Do órfico e mais cogitações" e "O primitivo e a antropofagia”. Envia comunicação, por intermédio de Di Cavalcanti, para o Encontro de Intelectuais, no Rio de Janeiro. Publica o primeiro volume das “Memórias — Um homem sem profissão”, com capa de seu filho, Oswaldo Jr., pela José Olympio. Graças à interferência de Vicente Rao, foi indicado para ministrar um curso de cultura brasileira em Genebra. Retorna como sócio à Associação Brasileira de Escritores (A.B.D.E.).

Falece em São Paulo, em 22 de outubro de 1954, na sua residência da rua Marquês de Caravelas, 214. É sepultado no jazigo da família, no cemitério da Consolação, em São Paulo (SP).

É homenageado postumamente pelo Congresso Internacional de Escritores, em 1954. Em 1990, no centenário de seu nascimento, a “Oficina Cultural Três Rios” passa a se chamar “Oficina Cultural Oswald de Andrade; é lançado o filme “Cem Oswaldinianos”, de Adilson Ruiz.

Antônio Peticov é o autor de "Momento Antropofágico com Oswald de Andrade", um painel de azulejo, ladrilho, madeira, aço e vinil com 3m x 16,5m instalado na estação República do Metrô paulista, também em 1990.


OBRAS

Humor:

Revista “O Pirralho” — crônicas em português macarrônico sob o pseudônimo de Annibale Scipione (1912 — 1917)


Poesia:

Pau-Brasil (1925)

Primeiro caderno do aluno de poesia Oswald de Andrade (1927)

Cântico dos cânticos para flauta e violão (1945)

O escaravelho de ouro (1946)


Romance:

A trilogia do exílio: I — Os condenados, II —A estrela de absinto, III — A escada vermelha (1922-1934)

Memórias sentimentais de João Miramar (1924)

Serafim Ponte Grande (1933)

Marco Zero: I - A revolução melancólica, II — Chão (1943).

Memórias: Um homem sem profissão (1954)


Teatro:

A recusa (1913)

Théâtre Brésilien — Mon coeur balance e Leur Âme (1916) (com Guilherme de Almeida)

O homem e o cavalo (1934)

A morta (1937);

O rei da vela (1937).

O rei floquinhos (1953)


Manifestos:

Manifesto da Poesia Pau-Brasil (1924)

Manifesto Antropófago (1928)

Manifesto Ordem e Progresso (1931)

Teses, artigos e conferências publicadas:

O meu poeta futurista (1921)

A Arcádia e a Inconfidência (1945)

A sátira na poesia brasileira (1945)


Versões e adaptações:

Filme “O homem do Pau-Brasil”, de Joaquim Pedro de Andrade, baseado na vida de Oswald de Andrade (1980)

Filme “Oswaldinianas”. Formado por cinco episódios, dirigidos por Julio Bressane, Lucia Murat, Roberto Moreira, Inácio Zatz, Ricardo Dias e Rogério Sganzerla (1992)


Publicações póstumas:

A utopia antropofágica – Globo

Ponta de lança – Globo

O rei da vela – Globo

Pau Brasil – Obras completas – Globo

O santeiro do mangue e outros poemas – Globo

Obras completas – Um homem sem profissão – Memórias e confissões sob as ordens de mamãe – Globo

Telefonema – Globo

Dicionário de bolso – Globo

O perfeito cozinheiro das almas desse mundo – Globo

Os condenados – A trilogia do exílio – Globo

Primeiro caderno do aluno de poesia Oswald de Andrade – Globo

Os dentes do dragão – Globo

Mon coeur balance – Le Âme - Globo


Dados obtidos no livro "O Salão e a Selva: uma biografia ilustrada de Oswald de Andrade", Editora da UNICAMP: Editora Ex Libris - Campinas (SP), 1995, de Maria Eugenia Boaventura; no sítio Itaucultural e em outros sobre o biografado. Site Releituras.


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Os Filhos
em 05/07/2011 14:20:00 (4670 leituras)
Kahlil Gibran

Os Filhos
(Do Livro "O Profeta")

Uma mulher que carregava o filho nos braços disse: "Fala-nos dos filhos."
E ele falou:

Vossos filhos não são vossos filhos.
São os filhos e as filhas da ânsia da vida por si mesma.
Vêm através de vós, mas não de vós.
E embora vivam convosco, não vos pertencem.
Podeis outorgar-lhes vosso amor, mas não vossos pensamentos,
Porque eles têm seus próprios pensamentos.
Podeis abrigar seus corpos, mas não suas almas;
Pois suas almas moram na mansão do amanhã,
Que vós não podeis visitar nem mesmo em sonho.
Podeis esforçar-vos por ser como eles, mas não procureis fazê-los como vós,
Porque a vida não anda para trás e não se demora com os dias passados.
Vós sois os arcos dos quais vossos filhos são arremessados como flechas vivas.
O arqueiro mira o alvo na senda do infinito e vos estica com toda a sua força
Para que suas flechas se projetem, rápidas e para longe.
Que vosso encurvamento na mão do arqueiro seja vossa alegria:
Pois assim como ele ama a flecha que voa,
Ama também o arco que permanece estável.


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Portugal, Sacro-Profano Lugar Onde
em 03/07/2011 20:40:04 (3271 leituras)
Ruy Belo



Neste país sem olhos e sem boca
hábito dos rios castanheiros costumados
país palavra húmida e translúcida
palavra tensa e densa com certa espessura
(pátria de palavra apenas tem a superfície)
os comboios são mansos têm dorsos alvos
engolem povoados limpamente
tiram gente de aqui e põem-na ali
retalham os campos congregam-se
dividem-se nas várias direcções
e os homens dão-lhes boas digestões;
cordeiros de metal ou talvez grilos
que mãe aperta ao peito os filhos ao ouvi-los?
Neste país do espaço raso do silêncio e solidão
solidão da vidraça solidão da chuva
país natal dos barcos e do mar
do preto como cor profissional
dos templos onde a devoção se multiplica em luzes
do natal que há no mar da póvoa do varzim
país do sino objecto inútil
única coisa a mais sobre estes dias
Aqui é que eu coisa feita de dias única razão
vou polindo o poema sensação de segurança
com a saúde de um grito ao sol
combalido tirito imito a dor
de se poder estar só e haver casas
cuidados mastigados coisas sérias
o bafo sobre o aço como o vento na água
País poema homem
matéria para mais esquecimento
do fundo deste dia solitário e triste
após as sucessivas quebras de calor
antes da morte pequenina celular e muito pessoal
natural como descer da camioneta ao fim da rua
neste país sem olhos e sem boca




“Homem de Palavra(s)” Editorial Presença, 1978 (reedição)


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Do Livro dos Actos dos Apóstolos
em 03/07/2011 20:39:28 (1977 leituras)
Daniel Faria





A luz de Damasco é um grito
Para a ovelha que regressa

A luz de Damasco é um tombar do trigo, um cair
Do grão – cega tanto como os olhos
De um homem perseguido quando se volta
Para nós

A luz de Damasco golpeia. É circuncisão
Que abre, limpa, a luz de Damasco
É dura. Da dureza

Das pedras que um mártir junta com as mãos
Com que empedra o caminho para a morte. A luz
De Damasco é esse lume

Da oração de um mártir ao morrer.



“ Dos Líquidos” Fundação Manuel Leão, Porto, 2000


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Vida e Obra
em 02/07/2011 23:20:18 (6285 leituras)
Gregório de Matos


Gregório de Matos Guerra, advogado e poeta, nasceu na então capital do Brasil, Salvador, BA, em 7 de abril de 1623, numa época de grande efervescência social, e faleceu em Recife, PE, em 1696. É o patrono da Cadeira n. 16 da Academia Brasileira de Letras, por escolha do fundador Araripe Júnior.

Foram seus pais Gregório de Matos, fidalgo da série dos Escudeiros, do Minho, Portugal, e Maria da Guerra, respeitável matrona. Estudou Humanidades no Colégio dos Jesuítas e depois transferiu-se para Coimbra, onde se formou em Direito. Sua tese de doutoramento, toda ela escrita em latim, encontra-se na Biblioteca Nacional. Exerceu em Portugal os cargos de curador de órfãos e de juiz criminal e lá escreveu o poema satírico Marinícolas. Desgostoso, não se adaptou à vida na metrópole, regressando ao Brasil aos 47 anos de idade. Na Bahia, recebeu do primeiro arcebispo, D. Gaspar Barata, os cargos de vigário-geral (só com ordens menores) e de tesoureiro-mor, mas foi deposto por não querer completar as ordens eclesiásticas. Apaixonou-se pela viúva Maria de Povos, com quem passou a viver, com prodigalidade, até ficar reduzido à miséria. Passou a viver existência boêmia, aborrecido do mundo e de todos, e a todos satirizando com mordacidade. O governador D. João de Alencastre, que primeiro queria protegê-lo, teve afinal de mandá-lo degredado para Angola, a fim de o afastar da vingança de um sobrinho de seu antecessor, Antônio Luís da Câmara Coutinho, por causa das sátiras que sofrera o tio. Chegou a partir para o desterro, e advogava em Luanda, mas pôde voltar ao Brasil para prestar algum serviço ao Governador. Estabelecendo-se em Pernambuco, ali conseguiu fazer-se mais querido do que na Bahia, até que faleceu, reconciliado como bom cristão, em 1696, ao 73 anos de idade.

Como poeta de inesgotável fonte satírica não poupava ao governo, à falsa nobreza da terra e nem mesmo ao clero. Não lhe escaparam os padres corruptos, os reinóis e degredados, os mulatos e emboabas, os “caramurus”, os arrivistas e novos-ricos, toda uma burguesia improvisada e inautêntica, exploradora da colônia. Perigoso e mordaz, apelidaram-no de “O Boca do Inferno”.

Foi o primeiro poeta a cantar o elemento brasileiro, o tipo local, produto do meio geográfico e social. Influenciado pelos mestres espanhóis da Época de Ouro Góngora, Quevedo, Gracián, Calderón sua poesia é a maior expressão do Barroco literário brasileiro, no lirismo. Sua obra compreende: poesia lírica, sacra, satírica e erótica. Ao seu tempo a imprensa estava oficialmente proibida. Suas poesias corriam em manuscritos, de mão em mão, e o Governador da Bahia D. João de Alencastre, que tanto admirava “as valentias desta musa”, coligia os versos de Gregório e os fazia transcrever em livros especiais. Ficaram também cópias feitas por admiradores, como Manuel Pereira Rabelo, biógrafo do poeta. Por isso é temerário afirmar que toda a obra a ele atribuída haja sido realmente de sua autoria. Entre os melhores códices e os mais completos, destacam-se o que se encontra na Biblioteca Nacional e o de Varnhagen no Palácio Itamarati.

Obra

Sua obra foi editada na Coleção Afrânio Peixoto (1a fase), da Academia Brasileira de Letras, em seis volumes, assim distribuída: I Sacra (1923); II Lírica (1923); Graciosa (1930); IV-V Satírica (1930); VI Última (1933). Na Biblioteca Municipal de São Paulo há uma cópia datilografada dos versos pornográficos de Gregório de Matos, com o título Sátiras Sotádicas de Gregório de Matos.



*Fonte: Academia Brasileira de Letras.


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No Túmulo de Christian Rosenkreutz
em 28/06/2011 14:24:27 (3113 leituras)
Fernando Pessoa

Quando, despertos deste sono, a vida,
Soubermos o que somos, e o que foi
Essa queda até corpo, essa descida
Ate á noite que nos a Alma obstrui,

Conheceremos pois toda a escondida
Verdade do que é tudo que há ou flui?
Não: nem na Alma livre é conhecida...
Nem Deus, que nos criou, em Si a inclui

Deus é o Homem de outro Deus maior:
Adam Supremo, também teve Queda;
Também, como foi nosso Criador,

Foi criado, e a Verdade lhe morreu...
De Além o Abismo, Sprito Seu, Lha veda;
Aquém não há no Mundo, Corpo Seu.

II

Mas antes era o Verbo, aqui perdido
Quando a Infinita Luz, já apagada,
Do Caos, chão do Ser, foi levantada
Em Sombra, e o Verbo ausente escurecido.

Mas se a Alma sente a sua forma errada,
Em si que é Sombra, vê enfim luzido
O Verbo deste Mundo, humano e ungido,
Rosa Perfeita, em Deus crucificada.

Então, senhores do limiar dos Céus,
Podemos ir buscar além de Deus
O Segredo do Mestre e o Bem profundo;

Não só de aqui, mas já de nós, despertos,
No sangue actual de Cristo enfim libertos
Do a Deus que morre a geração do Mundo.

III

Ah, mas aqui, onde irreais erramos,
Dormimos o que somos, e a verdade,
Inda que enfim em sonhos a vejamos,
Vemo-la, porque em sonho, em falsidade.

Sombras buscando corpos, se os achamos
Como sentir a sua realidade?
Com mãos de sombra, Sombras, que tocamos?
Nosso toque é ausência e vacuidade.

Quem desta Alma fechada nos liberta?
Sem ver, ouvimos para além da sala
De ser: mas como, aqui, a porta aberta?
.......................................

Calmo na falsa morte a nós exposto,
O Livro ocluso contra o peito posto,
Nosso Pai Rosaecruz conhece e cala.




***
*O ocultismo de Fernando Pessoa.
Paz Profunda para quem tem olhos de ver!


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O Amor
em 27/06/2011 10:13:40 (8706 leituras)
Kahlil Gibran

O Amor
E alguém disse:
Fala-nos do Amor:

- Quando o amor vos fizer sinal, segui-o;
ainda que os seus caminhos sejam duros e difíceis.
E quando as suas asas vos envolverem, entregai-vos;
ainda que a espada escondida na sua plumagem
vos possa ferir.

E quando vos falar, acreditai nele;
apesar de a sua voz
poder quebrar os vossos sonhos
como o vento norte ao sacudir os jardins.

Porque assim como o vosso amor
vos engrandece, também deve crucificar-vos
E assim como se eleva à vossa altura
e acaricia os ramos mais frágeis
que tremem ao sol,
também penetrará até às raízes
sacudindo o seu apego à terra.

Como braçadas de trigo vos leva.
Malha-vos até ficardes nus.
Passa-vos pelo crivo
para vos livrar do joio.
Mói-vos até à brancura.
Amassa-vos até ficardes maleáveis.

Então entrega-vos ao seu fogo,
para poderdes ser
o pão sagrado no festim de Deus.

Tudo isto vos fará o amor,
para poderdes conhecer os segredos
do vosso coração,
e por este conhecimento vos tornardes
o coração da Vida.

Mas, se no vosso medo,
buscais apenas a paz do amor,
o prazer do amor,
então mais vale cobrir a nudez
e sair do campo do amor,
a caminho do mundo sem estações,
onde podereis rir,
mas nunca todos os vossos risos,
e chorar,
mas nunca todas as vossas lágrimas.

O amor só dá de si mesmo,
e só recebe de si mesmo.

O amor não possui
nem quer ser possuído.

Porque o amor basta ao amor.

E não penseis
que podeis guiar o curso do amor;
porque o amor, se vos escolher,
marcará ele o vosso curso.

O amor não tem outro desejo
senão consumar-se.

Mas se amarem e tiverem desejos,
deverão se estes:
Fundir-se e ser um regato corrente
a cantar a sua melodia à noite.

Conhecer a dor da excessiva ternura.
Ser ferido pela própria inteligência do amor,
e sangrar de bom grado e alegremente.

Acordar de manhã com o coração cheio
e agradecer outro dia de amor.

Descansar ao meio dia
e meditar no êxtase do amor.

Voltar a casa ao crepúsculo
e adormecer tendo no coração
uma prece pelo bem amado,
e na boca, um canto de louvor.


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O canto do guerreiro
em 19/06/2011 15:19:32 (8059 leituras)
Gonçalves Dias

O canto do guerreiro


I

Aqui na floresta
Dos ventos batida,
Façanhas de bravos
Não geram escravos,
Que estimem a vida
Sem guerra e lidar.
— Ouvi-me, Guerreiros,
— Ouvi meu cantar.


II

Valente na guerra,
Quem há, como eu sou?
Quem vibra o tacape
Com mais valentia?
Quem golpes daria
Fatais, como eu dou?
— Guerreiros, ouvi-me;
— Quem há, como eu sou?



III

Quem guia nos ares
A flecha emplumada,
Ferindo uma presa,
Com tanta certeza,
Na altura arrojada
onde eu a mandar?
— Guerreiros, ouvi-me,
— Ouvi meu cantar.



IV

Quem tantos inimigos
Em guerras preou?
Quem canta seus feitos
Com mais energia?
Quem golpes daria
Fatais, como eu dou?
— Guerreiros, ouvi-me:
— Quem há, como eu sou?



V

Na caça ou na lide,
Quem há que me afronte?!
A onça raivosa
Meus passos conhece,
O inimigo estremece,
E a ave medrosa
Se esconde no céu.
— Quem há mais valente,
— Mais destro que eu?



VI

Se as matas estrujo
Co’os sons do Boré,
Mil arcos se encurvam,
Mil setas lá voam,
Mil gritos reboam,
Mil homens de pé
Eis surgem, respondem
Aos sons do Boré!
— Quem é mais valente,
— Mais forte quem é?



VII

Lá vão pelas matas;
Não fazem ruído:
O vento gemendo
E as matas tremendo
E o triste carpido
Duma ave a cantar,
São eles — guerreiros,
Que faço avançar.



VIII

E o Piaga se ruge
No seu Maracá,
A morte lá paira
Nos ares flechados,
Os campos juncados
De mortos são já:
Mil homens viveram,
Mil homens são lá.



IX

E então se de novo
Eu toco o Boré;
Qual fonte que salta
De rocha empinada,
Que vai marulhosa,
Fremente e queixosa,
Que a raiva apagada
De todo não é,
Tal eles se escoam
Aos sons do Boré.
— Guerreiros, dizei-me,
— Tão forte quem é?


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Vida e Obra
em 17/06/2011 14:10:00 (57175 leituras)
Gonçalves Dias

Antônio Gonçalves Dias (Caxias, 10 de agosto de 1823 — Guimarães, 3 de novembro de 1864) foi um poeta e teatrólogo brasileiro.

Biografia

Nascido em Caxias, era filho de uma união não oficializada entre um comerciante português com uma mestiça cafuza brasileira (o que muito o orgulhava de ter o sangue das três raças formadoras do povo brasileiro: branca, indígena e negra), e estudou inicialmente por um ano com o professor José Joaquim de Abreu, quando começou a trabalhar como caixeiro e a tratar da escrituração da loja de seu pai, que veio a falecer em 1837.

Iniciou seus estudos de latim, francês e filosofia em 1835 quando foi matriculado em uma escola particular.

Foi estudar na Europa, em Portugal em 1838 onde terminou os estudos secundários e ingressou na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (1840), retornando em 1845, após bacharelar-se. Mas antes de retornar, ainda em Coimbra, participou dos grupos medievistas da Gazeta Literária e de O Trovador, compartilhando das ideias românticas de Almeida Garrett, Alexandre Herculano e Antonio Feliciano de Castilho. Por se achar tanto tempo fora de sua pátria inspira-se para escrever a Canção do exílio e parte dos poemas de "Primeiros cantos" e "Segundos cantos"; o drama Patkull; e "Beatriz de Cenci", depois rejeitado por sua condição de texto "imoral" pelo Conservatório Dramático do Brasil. Foi ainda neste período que escreveu fragmentos do romance biográfico "Memórias de Agapito Goiaba", destruído depois pelo próprio poeta, por conter alusões a pessoas ainda vivas.

No ano seguinte ao seu retorno conheceu aquela que seria sua grande musa inspiradora: Ana Amélia Ferreira Vale. Várias de suas peças românticas, inclusive “Ainda uma vez — Adeus” foram escritas para ela. Nesse mesmo ano ele viajou para o Rio de Janeiro, então capital do Brasil, onde trabalhou como professor de história e latim do Colégio Pedro II, além de ter atuado como jornalista, contribuindo para diversos periódicos: Jornal do Commercio, Gazeta Oficial, Correio da Tarde e Sentinela da Monarquia, publicando crônicas, folhetins teatrais e crítica literária.


Em 1849 fundou com Manuel de Araújo Porto-alegre e Joaquim Manuel de Macedo a revista Guanabara, que divulgava o movimento romântico da época. Em 1851 voltou a São Luís do Maranhão, a pedido do governo para estudar o problema da instrução pública naquele estado.

Gonçalves Dias pediu Ana Amélia em casamento em 1852, mas a família dela, em virtude da ascendência mestiça do escritor, refutou veementemente o pedido. No mesmo ano retornou ao Rio de Janeiro, onde casou-se com Olímpia da Costa. Logo depois foi nomeado oficial da Secretaria dos Negócios Estrangeiros. Passou os quatro anos seguintes na Europa realizando pesquisas em prol da educação nacional. Voltando ao Brasil foi convidado a participar da Comissão Científica de Exploração, pela qual viajou por quase todo o norte do país.

Voltou à Europa em 1862 para um tratamento de saúde. Não obtendo resultados retornou ao Brasil em 1864 no navio Ville de Boulogne, que naufragou na costa brasileira; salvaram-se todos, exceto o poeta que foi esquecido agonizando em seu leito e se afogou. O acidente ocorreu nos baixios de Atins, perto da vila de Guimarães no Maranhão.

Sua obra pode ser enquadrada no Romantismo. Procurou formar um sentimento nacionalista ao incorporar assuntos, povos e paisagens brasileiras na literatura nacional. Ao lado de José de Alencar, desenvolveu o Indianismo.Por sua importância na história da literatura brasileira, podemos dizer que Gonçalves Dias incorporou uma ideia de Brasil à literatura nacional.

O grande amor: Ana Amélia Ferreira do Vale

Por ocasião da elaboração da antologia poética da fase romântica, elaborada por Manuel Bandeira, Onestaldo de Pennafort gentilmente escreveu a nota que segue, retirada daquela obra e aqui transcrita:

" A poesia "Ainda uma vez --adeus,--" bem como as poesias "Palinódia e "Retratação" -- foram inspiradas por Ana Amélia Ferreira do Vale, cunhada do Dr. Teófilo Leal, ex-condiscípulo do poeta em Portugal e seu grande amigo.

" Gonçalves Dias viu-a pela primeira vez em 1846 no Maranhão. Era uma menina quase, e o poeta, fascinado pela sua beleza e graça juvenil, escreveu para ela as poesias "Seus olhos" e "Leviana". Vindo para o Rio, é possível que essa primeira impressão tenha desaparecido do seu espírito. Mais tarde, porém, em 1851, voltando a S. Luís, viu-a de novo, e já então a menina e moça de 46 se fizera mulher, no pleno esplendor da sua beleza desabrochada. O encantamento de outrora se transformou em paixão ardente, e, correspondido com a mesma intensidade de sentimento, o poeta, vencendo a timidez, pediu-a em casamento à família.

" A família da linda Don`Ana -- como lhe chamavam -- tinha o poeta em grande estima e admiração. Mais forte, porém, do que tudo era naquele tempo no Maranhão o preconceito de raça e casta. E foi em nome desse preconceito que a família recusou o seu consentimento.

" Por seu lado o poeta, colocado diante das duas alternativas: renunciar ao amor ou à amizade, preferiu sacrificar aquela a esta, levado por um excessivo escrúpulo de honradez e lealdade, que revela nos mínimos atos de sua vida. Partiu para Portugal. Renúncia tanto mais dolorosa e difícil por que a moça que estava resolvida a abandonar a casa paterna para fugir com ele, o exprobrou em carta, dura e amargamente, por não ter tido a coragem de passar por cima de tudo e de romper com todos para desposá-la!

" E foi em Portugal, tempos depois, que recebeu outro rude golpe: Don`Ana, por capricho e acinte à família, casara-se com um comerciante, homem também de cor como o poeta e nas mesmas condições inferiores de nascimento. A família se opusera tenazmente ao casamento, mas desta vez o pretendente, sem medir considerações para com os parentes da noiva, recorreu à justiça, que lhe deu ganho de causa, por ser maior a moça. Um mês depois falia, partindo com a esposa para Lisboa, onde o casal chegou a passar até privações.

" Foi aí, em Lisboa, num jardim público, que certa vez se defrontaram o poeta e a sua amada, ambos abatidos pela dor e pela desilusão de suas vidas, ele cruelmente arrependido de não ter ousado tudo, de ter renunciado àquela que com uma só palavra sua se lhe entregaria para sempre. desvairado pelo encontro, que lhe reabrira as feridas e agora de modo irreparável, compôs de um jato as estrofes de "Ainda uma vez -- adeus --" as quais, uma vez conhecidas da sua inspiradora, foram por esta copiadas com o seu próprio sangue."

Julgamento crítico

De Alexandre Herculano

"Os primeiros cantos são um belo livro; são inspirações de um grande poeta. A terra de Santa Cruz, que já conta outros no seu seio, pode abençoar mais um ilustre filho. O autor, não o conhecemos; mas deve ser muito jovem. Tem os defeitos do escritos ainda pouco amestrado pela experiência: imperfeições de língua, de metrificação, de estilo. Que importa? O tempo apagará essas máculas, e ficarão as nobres inspirações estampadas nas páginas deste formoso livro.
Abstenho-me de outras citações, que ocupariam demasiado espaço, não posso resistir à tentação de transcrever das Poesias Diversas uma das mais mimosas composições líricas que tenho lido na minha vida. (Aqui vinha transcrita a poesia Seus Olhos.) Se estas poucas linhas, escritas de abundância de coração, passarem, os mares, receba o autor dos Primeiros Cantos testemunho sincero de simpatia, que não costuma nem dirigir aos outros elogios encomendados nem pedi-los para si" ("Futuro Literário de Portugal e do Brasil" em Revista Universal Lisbonense, t.7,pág. 7 ano de 1847-1848)

De José de Alencar

"Gonçalves Dias é o poeta nacional por excelência: ninguém lhe disputa na opulência da imaginação, no fino lavor do verso, no conhecimento da natureza brasileira e dos seus costumes selvagens" (Iracema)

De Machado de Assis

"Depois de escrita a revista, chegou a notícia da morte de Gonçalves Dias, o grande poeta dos Cantos e dos Timbiras. A poesia nacional cobre-se, portanto, de luto. Era Gonçalves Dias o seu mais prezado filho, aquele que de mais louçania a cobriu. Morreu no mar-túmulo imenso para talento. Só me resta espaço para aplaudir a ideia que se vai realizar na capital do ilustre poeta. Não é um monumento para Maranhão, é um monumento para o Brasil. A nação inteira deve concorrer para ele. (Crônicas em Diário do Rio de Janeiro, de 9 de novembro de 1894.)

Cronologia

1823 - 10 de agosto: Nasce no sítio Boa Vista, em terras de Jatobá, a 14 léguas da vila de Caxias, Antônio Gonçalves Dias. Filho do comerciante João Manuel Gonçalves Dias, natural de Trás-os-Montes, e de Vicência Ferreira, maranhense.
1830 - É matriculado na aula de primeiras letras do Prof. José Joaquim de Abreu.
1833 - Começa a servir na loja do pai como caixeiro e encarregado da escrituração.
1835 - É retirado da casa comercial e matriculado no curso do Prof. Ricardo Leão Sabino, onde principia a estudar latim, francês e filosofia.
1838 - Parte para São Luís, onde embarcará para Portugal; chega em outubro a Coimbra e entra para o Colégio das Artes.
1840 - 31 de outubro: Matricula-se na Universidade.
1845 - Embarca no Porto para São Luís, aonde chega em março, partindo no dia 6 para Caxias.
1846 - Embarca para o Rio de Janeiro.
1847 - Aparecem os Primeiros Cantos, trazendo no frontispício a data de 1846.
1848 - Aparecem os Segundos Cantos e Sextilhas de Frei Antão.
1849 - É nomeado professor de Latim e História do Brasil no Colégio Pedro II.
1851 - Publicação dos Últimos Cantos.
1852 - É nomeado oficial da Secretaria dos Negócios Estrangeiros
1854 - Parte para Europa.
1856 - Viagem à Alemanha. É nomeado chefe da seção de Etnografia da Comissão Científica de Exploração.
1857 - O livreiro-editor Brockhaus, de Dresda, edita os Cantos, os primeiros quatro cantos do poema Os Timbiras e o Dicionário da Língua Tupi.
1859 - 1861 - Trabalhos da Comissão no interior do Ceará, Paraíba, Rio Grande do Norte, Pará e Amazonas, chegando até Mariná, no Peru.
1862 - Parte para o Maranhão, mas no Recife, depois de consultar médico, resolve embarcar para Europa.
1862 - 22 de agosto: É desligado da comissão Científica de Exploração.
1862 - 1863 - Estação de cura em Vicky. Marienbad, Dresda, Koenigstein, Teplitz e Carlsbad. Em Bruxelas sofre a operação de amputação da campainha.
1863 - 25 de outubro: Embarca em Bordéus para Lisboa, onde termina a tradução de A noiva de Messina, de Schiller.
1864 - Fins de Abril: Volta a Paris. Estações de cura em Aix-ls-Bains, Allevard e Ems (Maio, junho e julho).
1864 - 10 de setembro: Embarca o Poeta no Haver no navio Ville de Boulogne. Piora em viagem
1864 - 3 de novembro: Naufrágio nas costas do Maranhão e morte de Gonçalves Dias.

Obras

1843: Canção do exílio
1843: Patkull
1846: Primeiros cantos
1846: Meditação
1846: O Brasil e Oceania
1848: Segundos Cantos
1848: Sextilhas de Frei Antão
1846: Seus Olhos
1857: Os timbiras
1851: I-Juca-Pirama
1858: Dicionário da Língua Tupi, chamada língua geral dos indígenas do Brasil
1859: Segura o Índio Louco
1997: Zica da Patagônia


Fonte: wikipédia.


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Há quanto tempo, Portugal, há quanto
em 14/06/2011 00:17:47 (2118 leituras)
Fernando Pessoa

Álvaro de Campos

Barrow-on-Furness

I
Sou vil, sou reles, como toda a gente
Não tenho ideais, mas não os tem ninguém.
Quem diz que os tem é como eu, mas mente.
Quem diz que busca é porque não os tem.
É com a imaginação que eu amo o bem.
Meu baixo ser porém não mo consente.
Passo, fantasma do meu ser presente,
Ébrio, por intervalos, de um Além.

Como todos não creio no que creio.
Talvez possa morrer por esse ideal.
Mas, enquanto não morro, falo c leio.

Justificar-me? Sou quem todos são...
Modificar-me? Para meu igual?...
— Acaba lá com isso, ó coração!

II
Deuses, forças, almas de ciência ou fé,
Eh! Tanta explicação que nada explica!
Estou sentado no cais, numa barrica,
E não compreendo mais do que de pé.
Por que o havia de compreender?
Pois sim, mas também por que o não havia?
Águia do rio, correndo suja e fria,
Eu passo como tu, sem mais valer...

Ó universo, novelo emaranhado,
Que paciência de dedos de quem pensa
Em outras cousa te põe separado?

Deixa de ser novelo o que nos fica...
A que brincar? Ao amor?, à indif'rença?
Por mim, só me levanto da barrica.

III
Corre, raio de rio, e leva ao mar
A minha indiferença subjetiva!
Qual "leva ao mar"! Tua presença esquiva
Que tem comigo e com o meu pensar?
Lesma de sorte! Vivo a cavalgar
A sombra de um jumento. A vida viva
Vive a dar nomes ao que não se ativa,
Morre a pôr etiquetas ao grande ar...

Escancarado Furness, mais três dias
Te, aturarei, pobre engenheiro preso
A sucessibilíssimas vistorias...

Depois, ir-me-ei embora, eu e o desprezo
(E tu irás do mesmo modo que ias),
Qualquer, na gare, de cigarro aceso...

IV
Conclusão a sucata! ... Fiz o cálculo,
Saiu-me certo, fui elogiado...
Meu coração é um enorme estrado
Onde se expõe um pequeno animálculo
A microscópio de desilusões
Findei, prolixo nas minúcias fúteis...
Minhas conclusões Dráticas, inúteis...
Minhas conclusões teóricas, confusões...

Que teorias há para quem sente
o cérebro quebrar-se, como um dente
Dum pente de mendigo que emigrou?

Fecho o caderno dos apontamentos
E faço riscos moles e cinzentos
Nas costas do envelope do que sou ...

V
Há quanto tempo, Portugal, há quanto
Vivemos separados! Ah, mas a alma,
Esta alma incerta, nunca forte ou calma,
Não se distrai de ti, nem bem nem tanto.
Sonho, histérico oculto, um vão recanto...
O rio Furness, que é o que aqui banha,
Só ironicamente me acompanha,
Que estou parado e ele correndo tanto ...

Tanto? Sim, tanto relativamente...
Arre, acabemos com as distinções,
As subtilezas, o interstício, o entre,
A metafísica das sensações —

Acabemos com isto e tudo mais ...
Ah, que ânsia humana de ser rio ou cais!



*Fonte: Jornal de Poesia.


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Da Observação
em 03/10/2011 14:15:07 (4943 leituras)
Mario Quintana

Não te irrites, por mais que te fizerem...
Estuda, a frio, o coração alheio.
Farás, assim, do mal que eles te querem,
Teu mais amável e sutil recreio...


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Anfiguri
em 29/09/2011 21:14:42 (6584 leituras)
Vinícius de Moraes

Aquilo que eu ouso
Não é o que quero
Eu quero o repouso
Do que não espero.

Não quero o que tenho
Pelo que custou
Não sei de onde venho
Sei para onde vou.

Homem, sou a fera
Poeta, sou um louco
Amante, sou pai.

Vida, quem me dera...
Amor, dura pouco...
Poesia, ai!...



Rio de Janeiro, 1965
in Livro de Sonetos
in Poesia completa e prosa: "Poesia varia"


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O Umbigo
em 26/09/2011 23:43:03 (8137 leituras)
Mario Quintana

O teu querido umbiguinho,
Doce ninho do meu beijo
Capital do meu Desejo,
Em suas dobras misteriosas,
Ouço a voz da natureza
Num eco doce e profundo,
Não só o centro de um corpo,
Também o centro do mundo!


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Olha-me rindo uma criança
em 21/09/2011 12:26:53 (3703 leituras)
Fernando Pessoa



Olha-me rindo uma criança
E na minha alma madrugou.
Tenho razão, tenho esperança
Tenho o que nunca bastou.

Bem sei. Tudo isto é um sorriso
Que e nem sequer sorriso meu.
Mas para meu não o preciso
Basta-me ser de quem mo deu.

Breve momento em que um olhar
Sorriu ao certo para mim...
És a memória de um lugar,
Onde já fui feliz assim.


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Ode ao Gato
em 16/09/2011 17:01:40 (4732 leituras)
Pablo Neruda

Os animais foram
imperfeitos,
compridos de rabo, tristes
de cabeça.
Pouco a pouco se foram
compondo,
fazendo-se paisagem,
adquirindo pintas, graça vôo.
O gato,
só o gato apareceu completo
e orgulhoso:
nasceu completamente terminado,
anda sozinho e sabe o que quer.
O homem quer ser peixe e pássaro,
a serpente quisera ter asas,
o cachorro é um leão desorientado,
o engenheiro quer ser poeta,
a mosca estuda para andorinha,
o poeta trata de imitar a mosca,
mas o gato
quer ser só gato
e todo gato é gato do bigode ao rabo,
do pressentimento à ratazana viva,
da noite até os seus olhos de ouro.
Não há unidade
como ele,
não tem
a lua nem a flor
tal contextura:
é uma coisa
só como o sol ou o topázio,
e a elástica linha em seu contorno
firme e sutil é como
a linha da proa de uma nave.
Os seus olhos amarelos
deixaram uma só
ranhura
para jogar as moedas da noite .
Oh pequeno imperador sem orbe,
conquistador sem pátria,
mínimo tigre de salão, nupcial
sultão do céu
das telhas eróticas,
o vento do amor
na intempérie
reclamas
quando passas
e pousas
quatro pés delicados
no solo,
cheirando,
desconfiando
de todo o terrestre,
porque tudo
é imundo
para o imaculado pé do gato.
Oh fera independente
da casa, arrogante
vestígio da noite,
preguiçoso, ginástico
e alheio,
profundíssimo gato,
polícia secreta
dos quartos,
insígnia
de um
desaparecido veludo,
certamente não há
enigma na tua maneira,
talvez não sejas mistério,
todo o mundo sabe de ti e pertences
ao habitante menos misterioso
talvez todos acreditem,
todos se acreditem donos,
proprietários, tios
de gato, companheiros,
colegas,
discípulos ou amigos do seu gato.
Eu não.
Eu não subscrevo.
Eu não conheço o gato.
Tudo sei, a vida e o seu arquipélago,
o mar e a cidade incalculável,
a botânica
o gineceu com os seus extravios,
o pôr e o menos da matemática,
os funis vulcânicos do mundo,
a casca irreal do crocodilo,
a bondade ignorada do bombeiro,
o atavismo azul do sacerdote,
mas não posso decifrar um gato.
Minha razão resvalou na sua indiferença,
os seus olhos têm números de ouro.


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Assim é minha vida
em 16/09/2011 16:57:17 (8511 leituras)
Pablo Neruda

Meus deveres
caminham com meu canto.
Sou e não sou:
é esse meu destino.
Não sou,
se não acompanho as dores
dos que sofrem:
são dores minhas.
Porque não posso ser
sem ser de todos,
de todos os calados
e oprimidos.
Venho do povo
e canto para o povo.
Minha poesia
é cântico e castigo.
Me dizem:
"Pertences à sombra".
Talvez, talvez,
porém na luz caminho.
Sou o homem
do pão e do peixe,
e não me encontrarão
entre os livros,
mas com as mulheres
e os homens:
eles me ensinaram o infinito


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O Primeiro Beijo
em 10/09/2011 21:48:40 (8964 leituras)
Clarice Lispector



Os dois mais murmuravam que conversavam: havia pouco iniciara-se o namoro e ambos andavam tontos, era o amor. Amor com o que vem junto: ciúme.
- Está bem, acredito que sou a sua primeira namorada, fico feliz com isso. Mas me diga a verdade, só a verdade: você nunca beijou uma mulher antes de me beijar? Ele foi simples:

- Sim, já beijei antes uma mulher.

- Quem era ela? perguntou com dor.

Ele tentou contar toscamente, não sabia como dizer.

O ônibus da excursão subia lentamente a serra. Ele, um dos garotos no meio da garotada em algazarra, deixava a brisa fresca bater-lhe no rosto e entrar-lhe pelos cabelos com dedos longos, finos e sem peso como os de uma mãe. Ficar às vezes quieto, sem quase pensar, e apenas sentir - era tão bom. A concentração no sentir era difícil no meio da balbúrdia dos companheiros.

E mesmo a sede começara: brincar com a turma, falar bem alto, mais alto que o barulho do motor, rir, gritar, pensar, sentir, puxa vida! como deixava a garganta seca.

E nem sombra de água. O jeito era juntar saliva, e foi o que fez. Depois de reunida na boca ardente engulia-a lentamente, outra vez e mais outra. Era morna, porém, a saliva, e não tirava a sede. Uma sede enorme maior do que ele próprio, que lhe tomava agora o corpo todo.

A brisa fina, antes tão boa, agora ao sol do meio dia tornara-se quente e árida e ao penetrar pelo nariz secava ainda mais a pouca saliva que pacientemente juntava.

E se fechasse as narinas e respirasse um pouco menos daquele vento de deserto? Tentou por instantes mas logo sufocava. O jeito era mesmo esperar, esperar. Talvez minutos apenas, enquanto sua sede era de anos.

Não sabia como e por que mas agora se sentia mais perto da água, pressentia-a mais próxima, e seus olhos saltavam para fora da janela procurando a estrada, penetrando entre os arbustos, espreitando, farejando.

O instinto animal dentro dele não errara: na curva inesperada da estrada, entre arbustos estava... o chafariz de onde brotava num filete a água sonhada. O ônibus parou, todos estavam com sede mas ele conseguiu ser o primeiro a chegar ao chafariz de pedra, antes de todos.

De olhos fechados entreabriu os lábios e colou-os ferozmente ao orifício de onde jorrava a água. O primeiro gole fresco desceu, escorrendo pelo peito até a barriga. Era a vida voltando, e com esta encharcou todo o seu interior arenoso até se saciar. Agora podia abrir os olhos.

Abriu-os e viu bem junto de sua cara dois olhos de estátua fitando-o e viu que era a estátua de uma mulher e que era da boca da mulher que saía a água. Lembrou-se de que realmente ao primeiro gole sentira nos lábios um contato gélido, mais frio do que a água.

E soube então que havia colado sua boca na boca da estátua da mulher de pedra. A vida havia jorrado dessa boca, de uma boca para outra.

Intuitivamente, confuso na sua inocência, sentia intrigado: mas não é de uma mulher que sai o líquido vivificador, o líquido germinador da vida... Olhou a estátua nua.

Ele a havia beijado.

Sofreu um tremor que não se via por fora e que se iniciou bem dentro dele e tomou-lhe o corpo todo estourando pelo rosto em brasa viva. Deu um passo para trás ou para frente, nem sabia mais o que fazia. Perturbado, atônito, percebeu que uma parte de seu corpo, sempre antes relaxada, estava agora com uma tensão agressiva, e isso nunca lhe tinha acontecido.

Estava de pé, docemente agressivo, sozinho no meio dos outros, de coração batendo fundo, espaçado, sentindo o mundo se transformar. A vida era inteiramente nova, era outra, descoberta com sobressalto. Perplexo, num equilíbrio frágil.

Até que, vinda da profundeza de seu ser, jorrou de uma fonte oculta nele a verdade. Que logo o encheu de susto e logo também de um orgulho antes jamais sentido: ele...

Ele se tornara homem.


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Meu anjo
em 08/09/2011 13:56:51 (18761 leituras)
Álvares de Azevedo

Meu anjo tem o encanto, a maravilha,
Da espontânea canção dos passarinhos;
Tem os seios tão alvos, tão macios
Como o pêlo sedoso dos arminhos.


Triste de noite na janela a vejo
E de seus lábios o gemido escuto.
É leve a criatura vaporosa
Como a froixa fumaça de um charuto.


Parece até que sobre a fronte angélica
Um anjo lhe depôs coroa e nimbo...
Formosa a vejo assim entre meus sonhos
Mais bela no vapor do meu cachimbo.


como o vinho espanhol, um beijo dela
Entorna ao sangue a luz do paraíso.
Dá morte num desdém, num beijo vida,
E celestes desmaios num sorrizo!


Mas quis a minha sina que seu peito
Não batesse por mim nem um minuto,
E que ela fosse leviana e bela
Como a leve fumaça de um charuto!


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Epitáfio Desconhecido
em 25/08/2011 18:54:39 (4461 leituras)
Fernando Pessoa

Epitáfio Desconhecido

Quanta mais alma ande no amplo informe,
A ti, seu lar anterior, do fundo
Da emoção regressam, ó Cristo, e dormem
Nos braços cujo amor é o fim do mundo.


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Poemas para todas as mulheres
em 18/08/2011 19:45:32 (4594 leituras)
Vinícius de Moraes


No teu branco seio eu choro.
Minhas lágrimas descem pelo teu ventre
E se embebedam do perfume do teu sexo.
Mulher, que máquina és, que só me tens desesperado
Confuso, criança para te conter!
Oh, não feches os teus braços sobre a minha tristeza não!
Ah, não abandones a tua boca à minha inocência, não!
Homem sou belo
Macho sou forte, poeta sou altíssimo
E só a pureza me ama e ela é em mim uma cidade e tem mil e uma portas.
Ai! teus cabelos recendem à flor da murta
Melhor seria morrer ou ver-te morta
E nunca, nunca poder te tocar!
Mas, fauno, sinto o vento do mar roçar-me os braços
Anjo, sinto o calor do vento nas espumas
Passarinho, sinto o ninho nos teus pêlos...
Correi, correi, ó lágrimas saudosas
Afogai-me, tirai-me deste tempo
Levai-me para o campo das estrelas
Entregai-me depressa à lua cheia
Dai-me o poder vagaroso do soneto, dai-me a iluminação das odes, dai-me o [cântico dos cânticos
Que eu não posso mais, ai!
Que esta mulher me devora!
Que eu quero fugir, quero a minha mãezinha quero o colo de Nossa Senhora!


Poema extraído do livro "Vinicius de Moraes — Poesia completa e Prosa", Editora Nova Aguillar — Rio de Janeiro, 1998, pág. 262.


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O Menino da Sua Mãe
em 15/08/2011 19:08:28 (3418 leituras)
Fernando Pessoa


O Menino da Sua Mãe


NO PLAINO abandonado
Que a morta brisa aquece,
De balas traspassado
- Duas, de lado a lado -,
Jaz morto, e arrefece.

Raia-lhe a farda o sangue.
De braços estendidos,
Alvo, louro, exangue,
Fita com olhar langue
E cego os céus perdidos.

Tão jovem! que jovem era!
(Agora que idade tem?)
Filho único, a mãe lhe dera
Um nome e o mantivera:
"O menino da sua mãe".

Caiu-lhe da algibeira
A cigarreira breve.
Dera-lhe a mãe. Está inteira
E boa a cigarreira.
Ele é que já não serve.

De outra algibeira, alada
Ponta a roçar o solo,
A brancura embainhada
De um lenço... Deu-lho a criada
Velha que o trouxe ao colo.

Lá longe, em casa, há a prece:
"Que volte cedo, e bem!"
(Malhas que o Império tece!)
Jaz morto, e apodrece,
O menino da sua mãe.

Fernando Pessoa


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Prefiro Rosas
em 11/08/2011 01:30:12 (5396 leituras)
Fernando Pessoa



Prefiro rosas, meu amor, à pátria,
E antes magnólias amo
Que a glória e a virtude.

Logo que a vida me não canse, deixo
Que a vida por mim passe
Logo que eu fique o mesmo.

Que importa àquele a quem já nada importa
Que um perca e outro vença,
Se a aurora raia sempre,

Se cada ano com a primavera
As folhas aparecem
E com o outono cessam?

E o resto, as outras coisas que os humanos
Acrescentam à vida,
Que me aumentam na alma?

Nada, salvo o desejo de indiferença
E a confiança mole
Na hora fugitiva.


*Fernando Pessoa/Ricardo Reis


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Mágoas
em 08/08/2011 14:51:46 (9031 leituras)
Augusto dos Anjos

Quando nasci, num mês de tantas flores,
Todas murcharam, tristes, langorosas,
Tristes fanaram redolentes rosas,
Morreram todas, todas sem olores.

Mais tarde da existência nos verdores
Da infância nunca tive as venturosas
Alegrias que passam bonançosas,
Oh! Minha infância nunca tive flores!

Volvendo ã quadra azul da mocidade,
Minh'alma levo aflita à Eternidade,
Quando a morte matar meus dissabores.

Cansado de chorar pelas estradas,
Exausto de pisar mágoas pisadas,
Hoje eu carrego a cruz de minhas dores!


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Saber Viver
em 08/08/2011 13:41:35 (5918 leituras)
Cora Coralina

Não sei... Se a vida é curta
Ou longa demais pra nós,
Mas sei que nada do que vivemos
Tem sentido, se não tocamos o coração das pessoas.

Muitas vezes basta ser:
Colo que acolhe,
Braço que envolve,
Palavra que conforta,
Silêncio que respeita,
Alegria que contagia,
Lágrima que corre,
Olhar que acaricia,
Desejo que sacia,
Amor que promove.

E isso não é coisa de outro mundo,
É o que dá sentido à vida.
É o que faz com que ela
Não seja nem curta,
Nem longa demais,
Mas que seja intensa,
Verdadeira, pura... Enquanto durar


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Borboletas
em 05/08/2011 13:52:04 (57273 leituras)
Mario Quintana

Quando depositamos muita confiança ou expectativas em uma pessoa,

o risco de se decepcionar é grande.

As pessoas não estão neste mundo para satisfazer as nossas expectativas,

assim como não estamos aqui, para satisfazer as delas.

Temos que nos bastar… nos bastar sempre e

quando procuramos estar com alguém,

temos que nos conscientizar de que estamos juntos porque gostamos,

porque queremos e nos sentimos bem, nunca por precisar de alguém.

As pessoas não se precisam, elas se completam… não por serem metades,

mas por serem inteiras, dispostas a dividir objetivos comuns, alegrias e vida.

Com o tempo, você vai percebendo que para ser feliz com a outra pessoa,

você precisa em primeiro lugar, não precisar dela.

Percebe também que aquela pessoa que você ama (ou acha que ama)

e que não quer nada com você,

definitivamente, não é o homem ou a mulher de sua vida.

Você aprende a gostar de você, a cuidar de você,

e principalmente a gostar de quem gosta de você.

O segredo é não correr atrás das borboletas

e sim cuidar do jardim para que elas venham até você.

No final das contas, você vai achar, não quem você estava procurando,

mas quem estava procurando por você!


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Segunda Impaciência do Poeta
em 31/07/2011 14:23:46 (4343 leituras)
Gregório de Matos




Cresce o desejo, falta o sofrimento,

Sofrendo morro, morro desejando,

Por uma, e outra parte estou penando

Sem poder dar alívio a meu tormento.





Se quero declarar meu pensamento,

Está-me um gesto grave acobardando,

E tenho por melhor morrer calando,

Que fiar-me de um néscio atrevimento.





Quem pretende alcançar, espera, e cala,

Porque quem temerário se abalança,

Muitas vezes o amor o desiguala.





Pois se aquele, que espera se alcança,

Quero ter por melhor morrer sem fala,

Que falando, perder toda esperança.


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Navio Negreiro
em 27/07/2011 13:02:12 (31641 leituras)
Castro Alves

I

'Stamos em pleno mar... Doudo no espaço
Brinca o luar — dourada borboleta;
E as vagas após ele correm... cansam
Como turba de infantes inquieta.

'Stamos em pleno mar... Do firmamento
Os astros saltam como espumas de ouro...
O mar em troca acende as ardentias,
— Constelações do líquido tesouro...

'Stamos em pleno mar... Dois infinitos
Ali se estreitam num abraço insano,
Azuis, dourados, plácidos, sublimes...
Qual dos dous é o céu? qual o oceano?...

'Stamos em pleno mar. . . Abrindo as velas
Ao quente arfar das virações marinhas,
Veleiro brigue corre à flor dos mares,
Como roçam na vaga as andorinhas...

Donde vem? onde vai? Das naus errantes
Quem sabe o rumo se é tão grande o espaço?
Neste saara os corcéis o pó levantam,
Galopam, voam, mas não deixam traço.

Bem feliz quem ali pode nest'hora
Sentir deste painel a majestade!
Embaixo — o mar em cima — o firmamento...
E no mar e no céu — a imensidade!

Oh! que doce harmonia traz-me a brisa!
Que música suave ao longe soa!
Meu Deus! como é sublime um canto ardente
Pelas vagas sem fim boiando à toa!

Homens do mar! ó rudes marinheiros,
Tostados pelo sol dos quatro mundos!
Crianças que a procela acalentara
No berço destes pélagos profundos!

Esperai! esperai! deixai que eu beba
Esta selvagem, livre poesia
Orquestra — é o mar, que ruge pela proa,
E o vento, que nas cordas assobia...
..........................................................

Por que foges assim, barco ligeiro?
Por que foges do pávido poeta?
Oh! quem me dera acompanhar-te a esteira
Que semelha no mar — doudo cometa!

Albatroz! Albatroz! águia do oceano,
Tu que dormes das nuvens entre as gazas,
Sacode as penas, Leviathan do espaço,
Albatroz! Albatroz! dá-me estas asas.


II


Que importa do nauta o berço,
Donde é filho, qual seu lar?
Ama a cadência do verso
Que lhe ensina o velho mar!
Cantai! que a morte é divina!
Resvala o brigue à bolina
Como golfinho veloz.
Presa ao mastro da mezena
Saudosa bandeira acena
As vagas que deixa após.

Do Espanhol as cantilenas
Requebradas de langor,
Lembram as moças morenas,
As andaluzas em flor!
Da Itália o filho indolente
Canta Veneza dormente,
— Terra de amor e traição,
Ou do golfo no regaço
Relembra os versos de Tasso,
Junto às lavas do vulcão!

O Inglês — marinheiro frio,
Que ao nascer no mar se achou,
(Porque a Inglaterra é um navio,
Que Deus na Mancha ancorou),
Rijo entoa pátrias glórias,
Lembrando, orgulhoso, histórias
De Nelson e de Aboukir.. .
O Francês — predestinado —
Canta os louros do passado
E os loureiros do porvir!

Os marinheiros Helenos,
Que a vaga jônia criou,
Belos piratas morenos
Do mar que Ulisses cortou,
Homens que Fídias talhara,
Vão cantando em noite clara
Versos que Homero gemeu ...
Nautas de todas as plagas,
Vós sabeis achar nas vagas
As melodias do céu! ...


III


Desce do espaço imenso, ó águia do oceano!
Desce mais ... inda mais... não pode olhar humano
Como o teu mergulhar no brigue voador!
Mas que vejo eu aí... Que quadro d'amarguras!
É canto funeral! ... Que tétricas figuras! ...
Que cena infame e vil... Meu Deus! Meu Deus! Que horror!


IV


Era um sonho dantesco... o tombadilho
Que das luzernas avermelha o brilho.
Em sangue a se banhar.
Tinir de ferros... estalar de açoite...
Legiões de homens negros como a noite,
Horrendos a dançar...

Negras mulheres, suspendendo às tetas
Magras crianças, cujas bocas pretas
Rega o sangue das mães:
Outras moças, mas nuas e espantadas,
No turbilhão de espectros arrastadas,
Em ânsia e mágoa vãs!

E ri-se a orquestra irônica, estridente...
E da ronda fantástica a serpente
Faz doudas espirais ...
Se o velho arqueja, se no chão resvala,
Ouvem-se gritos... o chicote estala.
E voam mais e mais...

Presa nos elos de uma só cadeia,
A multidão faminta cambaleia,
E chora e dança ali!
Um de raiva delira, outro enlouquece,
Outro, que martírios embrutece,
Cantando, geme e ri!

No entanto o capitão manda a manobra,
E após fitando o céu que se desdobra,
Tão puro sobre o mar,
Diz do fumo entre os densos nevoeiros:
"Vibrai rijo o chicote, marinheiros!
Fazei-os mais dançar!..."

E ri-se a orquestra irônica, estridente. . .
E da ronda fantástica a serpente
Faz doudas espirais...
Qual um sonho dantesco as sombras voam!...
Gritos, ais, maldições, preces ressoam!
E ri-se Satanás!...


V


Senhor Deus dos desgraçados!
Dizei-me vós, Senhor Deus!
Se é loucura... se é verdade
Tanto horror perante os céus?!
Ó mar, por que não apagas
Co'a esponja de tuas vagas
De teu manto este borrão?...
Astros! noites! tempestades!
Rolai das imensidades!
Varrei os mares, tufão!

Quem são estes desgraçados
Que não encontram em vós
Mais que o rir calmo da turba
Que excita a fúria do algoz?
Quem são? Se a estrela se cala,
Se a vaga à pressa resvala
Como um cúmplice fugaz,
Perante a noite confusa...
Dize-o tu, severa Musa,
Musa libérrima, audaz!...

São os filhos do deserto,
Onde a terra esposa a luz.
Onde vive em campo aberto
A tribo dos homens nus...
São os guerreiros ousados
Que com os tigres mosqueados
Combatem na solidão.
Ontem simples, fortes, bravos.
Hoje míseros escravos,
Sem luz, sem ar, sem razão. . .

São mulheres desgraçadas,
Como Agar o foi também.
Que sedentas, alquebradas,
De longe... bem longe vêm...
Trazendo com tíbios passos,
Filhos e algemas nos braços,
N'alma — lágrimas e fel...
Como Agar sofrendo tanto,
Que nem o leite de pranto
Têm que dar para Ismael.

Lá nas areias infindas,
Das palmeiras no país,
Nasceram crianças lindas,
Viveram moças gentis...
Passa um dia a caravana,
Quando a virgem na cabana
Cisma da noite nos véus ...
... Adeus, ó choça do monte,
... Adeus, palmeiras da fonte!...
... Adeus, amores... adeus!...

Depois, o areal extenso...
Depois, o oceano de pó.
Depois no horizonte imenso
Desertos... desertos só...
E a fome, o cansaço, a sede...
Ai! quanto infeliz que cede,
E cai p'ra não mais s'erguer!...
Vaga um lugar na cadeia,
Mas o chacal sobre a areia
Acha um corpo que roer.

Ontem a Serra Leoa,
A guerra, a caça ao leão,
O sono dormido à toa
Sob as tendas d'amplidão!
Hoje... o porão negro, fundo,
Infecto, apertado, imundo,
Tendo a peste por jaguar...
E o sono sempre cortado
Pelo arranco de um finado,
E o baque de um corpo ao mar...

Ontem plena liberdade,
A vontade por poder...
Hoje... cúm'lo de maldade,
Nem são livres p'ra morrer. .
Prende-os a mesma corrente
— Férrea, lúgubre serpente —
Nas roscas da escravidão.
E assim zombando da morte,
Dança a lúgubre coorte
Ao som do açoute... Irrisão!...

Senhor Deus dos desgraçados!
Dizei-me vós, Senhor Deus,
Se eu deliro... ou se é verdade
Tanto horror perante os céus?!...
Ó mar, por que não apagas
Co'a esponja de tuas vagas
Do teu manto este borrão?
Astros! noites! tempestades!
Rolai das imensidades!
Varrei os mares, tufão! ...


VI


Existe um povo que a bandeira empresta
P'ra cobrir tanta infâmia e cobardia!...
E deixa-a transformar-se nessa festa
Em manto impuro de bacante fria!...
Meu Deus! meu Deus! mas que bandeira é esta,
Que impudente na gávea tripudia?
Silêncio. Musa... chora, e chora tanto
Que o pavilhão se lave no teu pranto! ...

Auriverde pendão de minha terra,
Que a brisa do Brasil beija e balança,
Estandarte que a luz do sol encerra
E as promessas divinas da esperança...
Tu que, da liberdade após a guerra,
Foste hasteado dos heróis na lança
Antes te houvessem roto na batalha,
Que servires a um povo de mortalha!...

Fatalidade atroz que a mente esmaga!
Extingue nesta hora o brigue imundo
O trilho que Colombo abriu nas vagas,
Como um íris no pélago profundo!
Mas é infâmia demais! ... Da etérea plaga
Levantai-vos, heróis do Novo Mundo!
Andrada! arranca esse pendão dos ares!
Colombo! fecha a porta dos teus mares!


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Humildade
em 19/07/2011 23:56:25 (4275 leituras)
Cora Coralina

“Humildade

Senhor, fazei com que eu aceite
minha pobreza tal como sempre foi.

Que não sinta o que não tenho.
Não lamente o que podia ter
e se perdeu por caminhos errados
e nunca mais voltou.

Dai, Senhor, que minha humildade
seja como a chuva desejada
caindo mansa,
longa noite escura
numa terra sedenta
e num telhado velho.

Que eu possa agradecer a Vós,
minha cama estreita,
minhas coisinhas pobres,
minha casa de chão,
pedras e tábuas remontadas.
E ter sempre um feixe de lenha
debaixo do meu fogão de taipa,
e acender, eu mesma,
o fogo alegre da minha casa
na manhã de um novo dia que começa.”


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As Mãos do Meu Pai
em 16/07/2011 14:15:36 (30726 leituras)
Mario Quintana

As Mãos do Meu Pai

As tuas mãos tem grossas veias como cordas azuis
sobre um fundo de manchas já cor de terra
— como são belas as tuas mãos —
pelo quanto lidaram, acariciaram ou fremiram
na nobre cólera dos justos...

Porque há nas tuas mãos, meu velho pai,
essa beleza que se chama simplesmente vida.
E, ao entardecer, quando elas repousam
nos braços da tua cadeira predileta,
uma luz parece vir de dentro delas...

Virá dessa chama que pouco a pouco, longamente,
vieste alimentando na terrível solidão do mundo,
como quem junta uns gravetos e tenta acendê-los contra o vento?
Ah, Como os fizeste arder, fulgir,
com o milagre das tuas mãos.

E é, ainda, a vida
que transfigura das tuas mãos nodosas...
essa chama de vida — que transcende a própria vida...
e que os Anjos, um dia, chamarão de alma...

(Mario Quintana)



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Erro de português
em 08/07/2011 23:44:48 (7893 leituras)
Oswald de Andrade



Quando o português chegou
Debaixo duma bruta chuva
Vestiu o índio
Que pena!Fosse uma manhã de sol
O índio tinha despido
O português


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Por consoantes que se deram forçados
em 07/07/2011 22:33:51 (3438 leituras)
Gregório de Matos



Neste mundo é mais rico o que mais rapa:
Quem mais limpo se faz, tem mais carepa;
Com sua língua, ao nobre o vil decepa:
O velhaco maior sempre tem capa.

Mostra o patife da nobreza o mapa:
Quem tem mão de agarrar, ligeiro trepa:
Quem menos falar pode, mais increpa:
Quem dinheiro tiver, pode ser papa.

A flor baixa, se inculca por tulipa:
Bengala hoje na mão, ontem garlopa:
Mais isento se mostra o que mais chupa:

Para a tropa do trapo vazo a tripa:
E mais não digo; porque a Musa topa
Em apa, em epa, em ipa, em opa, em upa.


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Aos vícios
em 03/07/2011 20:47:33 (24393 leituras)
Gregório de Matos

Aos vícios

Eu sou aquele que os passados anos
Cantei na minha lira maldizente
Torpezas do Brasil, vícios e enganos.

E bem que os descantei bastantemente,
Canto segunda vez na mesma lira
O mesmo assunto em pletro diferente.

Já sinto que me inflama e que me inspira
Talía, que anjo é da minha guarda
Des que Apolo mandou que me assistira.

Arda Baiona, e todo o mundo arda,
Que a quem de profissão falta à verdade
Nunca a dominga das verdades tarda.

Nenhum tempo excetua a cristandade
Ao pobre pegureiro do Parnaso
Para falar em sua liberdade

A narração há de igualar ao caso,
E se talvez ao caso não iguala,
Não tenho por poeta o que é Pégaso.

De que pode servir calar quem cala?
Nunca se há de falar o que se sente?!
Sempre se há de sentir o que se fala.

Qual homem pode haver tão paciente,
Que, vendo o triste estado da Bahia,
Não chore, não suspire e não lamente?

Isto faz a discreta fantasia:
Discorre em um e outro desconcerto,
Condena o roubo, increpa a hipocrisia.

O néscio, o ignorante, o inexperto,
Que não eleje o bom, nem mau reprova,
Por tudo passa deslumbrado e incerto.

E quando vê talvez na doce treva
Louvado o bem, e o mal vituperado,
A tudo faz focinho, e nada aprova.

Diz logo prudentaço e repousado:
- Fulano é um satírico, é um louco,
De língua má, de coração danado.

Néscio, se disso entendes nada ou pouco,
Como mofas com riso e algazarras
Musas, que estimo ter, quando as invoco?

Se souberas falar, também falaras,
Também satirizaras, se souberas,
E se foras poeta, poetizaras.

A ignorância dos homens destas eras
Sisudos faz ser uns, outros prudentes,
Que a mudez canoniza bestas feras.

Há bons, por não poder ser insolentes,
Outros há comedidos de medrosos,
Não mordem outros não - por não ter dentes.

Quantos há que os telhados têm vidrosos,
e deixam de atirar sua pedrada,
De sua mesma telha receosos?

Uma só natureza nos foi dada;
Não criou Deus os naturais diversos;
Um só Adão criou, e esse de nada.

Todos somos ruins, todos perversos,
Só os distingue o vício e a virtude,
De que uns são comensais, outros adversos.

Quem maior a tiver, do que eu ter pude,
Esse só me censure, esse me note,
Calem-se os mais, chitom, e haja saúde.


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Ao teu lado, mudo
em 03/07/2011 20:39:49 (3079 leituras)
Nuno Rocha Morais


“Invadiu-me uma sensação de calma
de tristeza e de fim”

Virgínia Woolf




Ao teu lado, mudo
Suponho que pousei a mão
No teu ombro, não sei,
Ausentes ambos,
Tu do ombro, eu da mão.
Lá fora, não muito longe
Do vidro, a manhã passa
E é calma, tristeza, fim.


“Últimos Poemas” Quasi Edições, 2009


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Para que nasças no mês anterior
em 03/07/2011 20:39:10 (2046 leituras)
Daniel Faria



Para que nasças no mês anterior
Para que nasças muito antes de chegares

Para que amanheças já aberta e recortada
No tempo anterior à tua vinda
Para que amanheças
Ó rosa anterior

Para que venhas
Mesmo antes de seres compreendida. Ainda
Antes da terra te poder gerar. Ó rosa
Já florida


“ Dos Líquidos” Fundação Manuel Leão, Porto, 2000


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Da Música
em 29/06/2011 00:25:31 (2630 leituras)
Kahlil Gibran

Da Música

Sentei-me ao pé daquela que meu coração ama, e ouvi suas palavras. Minha alma começou a vaguear pelos espaços infinitos onde o universo aparecia como um sonho, e o corpo como uma prisão acanhada.

A voz encantadora de minha Amada penetrou em meu coração.

Isto é música, amigos, pois eu a ouvi através dos suspiros daquela que amo, e pelas palavras balbuciadas por seus lábios.

Com os olhos de meus ouvidos, vi o coração de minha Amada.

Meus amigos: a Música é a linguagem dos espíritos. Sua melodia é como uma brisa saltitante que faz nossas cordas estremecerem de amor. Quando os dedos suaves da música tocam à porta de nossos sentimentos, acordam lembranças que há muito jaziam escondidas nas profundezas do Passado. Os acordes tristes da Música trazem-nos dolorosas recordações; e seus acordes suaves nos trazem alegres lembranças. A sonoridade de suas cordas faz-nos chorar à partida de um ente querido ou nos faz sorrir diante da paz que Deus nos concedeu.

A alma da Música nasce do espírito e sua mensagem brota do Coração.

Quando Deus criou o Homem, deu-lhe a Música como uma linguagem diferente de todas as outras. Mesmo em seu primarismo, o homem primitivo curvou-se à glória da música; ela envolveu os corações dos reis e os elevou além de seus tronos.

Nossas almas são como flores tenras à mercê dos ventos do Destino. Elas tremulam à brisa da manhã e curvam as cabeças sob o orvalho cadente do céu.

A canção dos pássaros desperta o Homem de sua insensibilidade, e o convida a participar dos salmos de glória à Sabedoria Eterna, que criou a melodia de suas notas.

Tal música nos faz perguntar a nós mesmos o significado dos mistérios contidos nos velhos livros.

Quando os pássaros cantam, estarão chamando as flores nos campos, ou estão falando às árvores, ou apenas fazem eco ao murmúrio dos riachos? Pois o Homem, mesmo com seus conhecimentos, não consegue saber o que canta o pássaro, nem o que murmura o riacho, nem o que sussurram as ondas quando tocam as praias vagarosa e suavemente.

Mesmo com sua percepção, o homem não pode entender o que diz a chuva quando cai sobre as folhas das árvores, ou quando bate lentamente nos vidros das janelas. Ele não pode saber o que a brisa segreda às flores nos campos.

Mas o coração do homem pode pressentir e entender o significado dessas melodias que tocam seus sentidos. A Sabedoria Eterna sempre lhe fala numa linguagem misteriosa; a Alma e a Natureza conversam entre si, enquanto o Homem permanece mudo e confuso.

Mas o Homem já não chorou com esses sons? E suas lágrimas não são, porventura, uma eloquente demonstração?

Divina Música!
Filha da Alma e do Amor.
Cálice da amargura
E do Amor.
Sonho do coração humano,
Fruto da tristeza.
Flor da alegria, fragrância
E desabrochar dos sentimentos.
Linguagem dos amantes,
Confidenciadora de segredos.
Mãe das lágrimas do amor oculto.
Inspiradora de poetas, de compositores
E dos grandes realizadores.
Unidade de pensamento dentro dos fragmentos
Das palavras.
Criadora do amor que se origina da beleza.
Vinho do coração
Que exulta num mundo de sonhos.
Encorajadora dos guerreiros,
Fortalecedora das almas.
Oceano de perdão e mar de ternura.
Ó música.
Em tuas profundezas
Depositamos nossos corações e almas.
Tu nos ensinaste a ver com os ouvidos
E a ouvir com os corações.


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Meu amigo
em 27/06/2011 20:52:12 (6282 leituras)
Kahlil Gibran

Meu Amigo



Meu Amigo, não sou o que pareço. O que pareço é apenas uma vestimenta cuidadosamente tecida, que me protege de tuas perguntas e te protege da minha negligência.

Meu Amigo, o Eu em mim mora na casa do silêncio, e lá dentro permanecerá para sempre, despercebido, inalcançável.

Não queria que acreditasses no que digo nem confiasses no que faço – pois minhas palavras são teus próprios pensamentos em articulação e meus feitos, tuas próprias esperanças em ação.

Quando dizes: “O vento sopra do leste”, eu digo: “Sim, sopra mesmo do leste”, pois não queria que soubesses que minha mente não mora no vento, mas no mar.

Não podes compreender meus pensamentos, filhos do mar, nem eu gostaria que compreendesses. Gostaria de estar sozinho no mar.

Quando é dia contigo, meu Amigo, é noite comigo. Contudo, mesmo assim falo do meio-dia que dança sobre os montes e da sombra de púrpura que se insinua através do vale: porque não podes ouvir as canções de minhas trevas nem ver minhas asas batendo contra as estrelas – e eu prefiro que não ouças nem vejas. Gostaria de ficar a sós com a noite.

Quando ascendes a teu Céu, eu desço ao meu Inferno – mesmo então chamas-me através do abismo intransponível, “Meu Amigo, Meu Companheiro, Meu Camarada”, e eu te respondo: “Meu Amigo, Meu Companheiro, Meu Camarada” – porque não gostaria que visses meu Inferno. A chama queimaria teus olhos, e a fumaça encheria tuas narinas. E amo demais meu Inferno para querer que o visites. Prefiro ficar sozinho no Inferno.

Amas a Verdade, e a Beleza, e a Retidão. E eu, por tua causa, digo que é bom e decente amar essas coisas. Mas, no meu coração rio-me de teu amor. Mas não gostaria que visses meu riso. Gostaria de rir sozinho.

Meu Amigo, tu és bom e cauteloso e sábio. Tu és perfeito – e eu também, falo contigo sábia e cautelosamente. E, entretanto, sou louco. Porém mascaro minha loucura. Prefiro ser louco sozinho:

Meu Amigo, tu não és meu Amigo, mas como te farei compreender? Meu caminho não é o teu caminho. Contudo juntos marchamos, de mãos dadas.



(Excertos de “O Louco”)


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Vida e Obra
em 26/06/2011 21:41:24 (2784 leituras)
Kahlil Gibran

Kahlil Gibran

Seu nome completo é Gibran Kahlil Gibran. Assim assinava em árabe. Em inglês, preferiu a forma reduzida e ligeiramente modificada de Khalil Gibran. É mais comumente conhecido sob o simples nome de Gibran.

1883 - Nasceu em 6 de janeiro, em Bsharri, nas montanhas do Líbano, a uma pequena distância dos cedros milenares. Tinha oito anos quando, um dia, um temporal se abate sobre sua cidade. Gibran olha, fascinado, para a natureza em fúria e, estando sua mãe ocupada, abre a porta e sai a correr com os ventos.

Quando a mãe, apavorada, o alcança e repreende, ele lhe responde com todo o ardor de suas paixões nascentes: "Mas, mamãe, eu gosto das tempestades. Gosto delas. Gosto!" (Um de seus livros em árabe será intitulado Temporais).

1894 - Emigra para os Estados Unidos, com a mãe, o irmão Pedro e as duas irmãs Mariana e Sultane. Vão morar em Boston. O pai permanece em Bsharri.

1898/1902 - Vota ao Líbano para completar seus estudos árabes. Matricula-se no Colégio da Sabedoria, em Beirute. Ao diretor, que procura acalmar sua ambição impaciente, dizendo-lhe que uma escada deve ser galgada degrau por degrau, Gibran responde: "Mas as águias não usam escadas!"

1902/1908 - De novo em Boston. Sua mãe e seu irmão morrem em 1903. Gibran escreve poemas e meditações para Al-Muhajer (O Emigrante), jornal árabe publicado em Boston. Seu estilo novo, cheio de música, imagens e símbolos, atrai-lhe a atenção do Mundo Árabe. Desenha e pinta numa arte mística que lhe é própria. Uma exposição de seus primeiros quadros desperta o interesse de uma diretora de escola americana, Mary Haskell, que lhe oferece custear seus estudos artísticos em Paris.

1908/1910 - Em Paris. Estuda na Académie Julien. Trabalha freneticamente. Freqüenta museus, exposições, bibliotecas. Conhece Auguste Rodin. Uma de suas telas é escolhida para a Exposição das Belas-Artes de 1910. Nesse ínterim, morrem seu pai e sua irmã Sultane. 1910 - Volta a Boston e, no mesmo ano, muda-se para Nova York, onde permanecerá até o fim da vida. Mora só, num apartamento sóbrio que ele e seus amigos chamam As-Saumaa (O Eremitério). Mariana, sua irmã, permanece em Boston. Em Nova York, Gibran reúne em volta de si uma plêiade de escritores libaneses e sírios que, embora estabelecidos nos Estados Unidos, escrevem em árabe com idênticos anseios de renovação. O grupo forma uma academia literária que se intitula Ar-Rabita Al-Kalamia (A Liga Literária), e que muito contribuiu para o renascimento das letras árabes. Seus porta-vozes foram, sucessivamente, duas revistas árabes editadas em Nova York: Al-Funun (As Artes) e As-Saieh (O Errante).

1905/1920 - Gibran escreve quase que exclusivamente em árabe e publica sete livros nessa língua: 1905, A Música; 1906, As Ninfas do Vale; 1908, Espíritos Rebeldes; 1912, Asas Partidas; 1914, Uma Lágrima e um Sorriso; 1919, A Procissão; 1920, Temporais. (Após sua morte, será publicado u m oitavo livro, sob o título de Curiosidades e Belezas, composto de artigos e histórias já aparecidas em outros livros e de algumas páginas inéditas).

1918/1931 - Gibran deixa, pouco a pouco, de escrever em árabe e dedica-se ao inglês, no qual produz também oito livros: 1918, O Louco; 1920, O Precursor; 1923, O Profeta; 1927, Areia e Espuma; 1928, Jesus, o Filho do Homem; 1931, Os Deuses da Terra. (Após sua morte serão publicados mais dois: 1932, O Errante; 1933, O Jardim do Profeta.) Todos os livros em inglês de Gibran foram lançados por Alfred A. Knopf, dinâmico editor norte-americano com inclinação para descobrir e lançar novos talentos. Ao mesmo tempo em que escreve, Gibran se dedica a desenhar e pintar. Sua arte, inspirada pelo mesmo idealismo que lhe inspirou os livros, distingue-se pela beleza e a pureza das formas. Todos os seus livros em inglês foram por ele ilustrados com desenhos evocativos e místicos, de interpretação às vezes difícil, mas de profunda inspiração. Seus quadros foram expostos várias vezes com êxito em Boston e Nova York. Seus desenhos de personalidades históricas são também célebres.

1931 - Gibran morre em 10 de abril, no Hospital São Vicente, em Nova York, no decorrer de uma crise pulmonar que o deixara inconsciente.

*fonte: wikipédia e sites da rede.


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Canção do exílio
em 18/06/2011 19:58:46 (3063 leituras)
Gonçalves Dias

Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá;
As aves, que aqui gorjeiam,
Não gorjeiam como lá.

Nosso céu tem mais estrelas,
Nossas várzeas têm mais flores,
Nossos bosques têm mais vida,
Nossa vida mais amores.


Em cismar, sozinho, à noite,
Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.

Minha terra tem primores,
Que tais não encontro eu cá;
Em cismar — sozinho, à noite —
Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.


Não permita Deus que eu morra,
Sem que eu volte para lá;
Sem que desfrute os primores
Que não encontro por cá;
Sem qu'inda aviste as palmeiras,
Onde canta o Sabiá.


Coimbra - julho 1843.


Ler mais... | 2 comentários
Liberdade
em 16/06/2011 16:15:52 (2813 leituras)
José Guilherme de Araujo Jorge



A liberdade é o meu clarim de guerra
e eu sou, no meu viver amplo e sem véus,
como os caminhos soltos pela terra,
como os pássaros livres pelos céus.

Ela é o sol dos caminhos ! Ela é o ar
que os enche os pulmões, é o movimento,
traz num corpo irrequieto como o mar
uma alma errante e boêmia como o vento.

Minha crença, meu Deus, minha bandeira,
razão mesma de ser do meu destino,
há de ser a palavra derradeira
que há de aflorar-me aos lábios como um hino.

Liberdade: Alavanca de montanhas!
Aureolada de louros ou de espinhos
há de cingir-me a fronte nas campanhas,
há de ferir-me os pés pelos caminhos.

Sinto-a viva em meu sangue palpitando
seja utopia ou seja ideal, - que importa?
Quero viver por esse ideal lutando,
quero morrer se essa utopia é morta !




(Poesia de JG de Araujo Jorge
do livro O Canto da Terra – 1945)


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Os versos que te dou
em 13/06/2011 13:18:21 (3207 leituras)
José Guilherme de Araujo Jorge

Ouve estes versos que te dou, eu
os fiz hoje que sinto o coração contente
enquanto teu amor for meu somente,
eu farei versos...e serei feliz...

E hei de faze-los pela vida afora,
versos de sonho e de amor, e hei depois
relembrar o passado de nós dois...
esse passado que começa agora...

Estes versos repletos de ternura são
versos meus, mas que são teus, também...
Sozinha, hás de escuta-los sem ninguém que
possa perturbar vossa ventura...

Quando o tempo branquear os teus cabelos
hás de um dia mais tarde, revive-los nas
lembranças que a vida não desfez...

E ao lê-los...com saudade em tua dor...
hás de rever, chorando, o nosso amor,
hás de lembrar, também, de quem os fez...

Se nesse tempo eu já tiver partido e
outros versos quiseres, teu pedido deixa
ao lado da cruz para onde eu vou...

Quando lá novamente, então tu fores,
pode colher do chão todas as flores, pois
são os versos de amor que ainda te dou.


(Poema de JG de Araújo Jorge
do livro "Meu Céu Interior" – 1934)


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