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Senti saudade, mas não era de ti

 
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Hoje abateu-me a saudade, não era saudade de ti, era saudade de mim te sonhando, te ovacionando, te aplaudindo do degrau da escada de nosso coliseu, vendo-te devorar leões e arrancar a pele para forrar nosso leito, de ver-te atear fogos, amansar tufões, entre os ventos do correto e do imperfeito.

Tive saudade das coisas todas que poderíamos ter feito, saudade dos lençóis inutilmente esticados, imaculados em algum errante leito, que não vincou com nossos corpos. Tive saudade das dúvidas e remorsos, dos muros, do poços e do mar aberto sem portos ou segurança perto.

Senti saudade da selva que nos servia de relva onde as feras vinham sonhar enquanto multiplicávamos a vida e as ansiedades.

Não senti saudade de ti, mas sim de sentir-te perto.

Na verdade, não era saudade de ti e também não era de mim, de sentir-me ventre de querubim e amanhecer chorando, de vestir seda e cetim e seguir esmolando. Saudade sim, do que eu era quando tua, saudade de sentir-me feliz ao mesmo tempo que nua, saudade, saudade de ter nossa vida, não a minha ou a tua.

Hoje acordei com saudade, depois de ter-me fartado com a realidade (Saudade é uma coisa boba, que vai que vem, nunca convém e "ARRRRDE", mas passa, é que nem paixão é que nem desgraça, passa...)

Hoje acordei com saudade, não era de ti, era de mim, feliz, em parcos momentos de amor, poesia e saciedade de mim, ainda sem cicatriz, sem dor, feliz, sem loucura ou excesso de força motriz ou intensidade.

Senti saudade de ser virgem em minha mente, se ser confiante, de sonhar com futuro sorridente, com belo cavaleiro andante, de ter companhia em um jardim de livros na estante. Sim, senti saudade destas coisas de mulher que toda a criança tem, e das coisas de criança que a mulher carrega além, mas que lhe é amputada pela luta e pela labuta.

Senti muita mas muita saudade de mim, da minha suavidade, do meu olhar raso e brilhante que não havia ainda deixado de ser confiante para torna-se profundo e analítico, senti saudade da época que não tinha senso crítico, nem bom, nem deformado, senti saudade de ser crente, de acreditar em namorado, da época que delírio e febre ardente era algo causado por mosquito infectado, senti muita, mas muita saudade, de viver de verdade em um mundo por mim inventado.

Mas não era saudade de ti, era apenas saudade da alma que habitava o corpo que habitualmente morava ao teu lado.

Estranho não é? Sentir-se assim em saudade.
E no mesmo minuto sentir-se bem por tudo já ter passado...


Ana Lyra

 
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anakosby
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Enviado por Tópico
Epifania
Publicado: 13/09/2010 10:41  Atualizado: 13/09/2010 10:55
Super Participativo
Usuário desde: 02/07/2010
Localidade:
Mensagens: 179
 Re: Senti saudade, mas não era de ti
"Não senti saudade de ti, mas sim de sentir-te perto."

-Analyra, perante este belo e sentido texto, e esta frase que adorei, só te digo que está belo e muito absorvente. Quantas vezes tenho saudades de mim que me vejo em todos os pontos que marquei num corpo nu, aquecendo-me a alma.



"Hoje acordei com saudade, não era de ti, era de mim, feliz, em parcos momentos de amor, poesia e saciedade de mim, ainda sem cicatriz, sem dor, feliz, sem loucura ou excesso de força motriz ou intensidade."

- Analyra, eu gostei muito de ler. Esta foi a frase que eu escolhi. Encaixa-se na perfeição, nos meus também, momentos de saudade...Ao que parece, eu e ela, hoje estamos em sintonia


beijo
e
abraço


Epifania & Ainafipe


Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 13/09/2010 10:48  Atualizado: 13/09/2010 10:48
 Re: Senti saudade, mas não era de ti
Ana, Ana, poeta amiga...Esse poema tá lindo demais!!! Ah, a saudade é mesmo uma pantera! Nos rasga por dentro, nos dá e arranca sonhos, nos joga na parede dos extremos da loucura, nos faz feliz e nos deixa a delirar...A saudade de um alguém ou de um tempo antes desse alguém, a saudade vã, saudade cheia, saudade rasa...Todo o tipo de saudade me arrasa! Ah, poeta, amei esse poema!!!! Vou levar pra mim!

ps: vc tb viu o biquinho? Aie, cuidado..hahahahaa

beijos e um lindo dia, amiga!!!!


Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 13/09/2010 10:55  Atualizado: 13/09/2010 10:55
 Re: Senti saudade, mas não era de ti
Ola Ana, gostei do seu lindo poema! Parabens e beijos!


Enviado por Tópico
JOSÉMANUELBRAZÃO
Publicado: 13/09/2010 13:14  Atualizado: 13/09/2010 13:14
Colaborador
Usuário desde: 02/11/2009
Localidade: Lisboa, PORTUGAL
Mensagens: 7775
 Re: Senti saudade, mas não era de ti
Arrasaste-me com este texto.

Dum nivel literário que nem tenho palavras! Emoção e feliz por te ver escrever assim!

Beijo carinhoso do ZÉ

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Enviado por Tópico
GeMuniz
Publicado: 13/09/2010 15:07  Atualizado: 13/09/2010 15:07
Membro de honra
Usuário desde: 10/08/2010
Localidade: Brasil
Mensagens: 7283
 Re: Senti saudade, mas não era de ti
Uma saudade do que não se é, do que se quer ser ou do que se perdeu... Talvez, como mostra o texto, todas elas reunidas em um grande panelão de saudade... E as pessoas, as coisas e os sentimentos são os instrumentos os espelhos deste interior saudoso. Senti a honestidade interior em casa frase de teu texto poeta

beijos grandes!